Mahsa Amini: como o mundo digital apoiou a luta das mulheres iranianas

Após o assassinato da jovem iraniana a Internet se uniu na busca por justiça dela e de muitas outras mulheres que morreram nessa luta
por
Beatriz Vasconcelos
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22/11/2022 - 12h

Por Beatriz Camargo Vasconcelos

 

No dia 13 de setembro, a jovem de 22 anos, Mahsa Amini foi detida pela polícia acusada de usar o hijab de maneira imprópria deixando o cabelo aparecer, assim desrespeitando o código de vestimenta feminina implementado pelo governo iraniano. Três dias depois, 16 de setembro, Amini foi espancada até a morte sob custódia da polícia. O governo iraniano insistiu que a  morte foi causada por um ataque cardíaco, mas relatos indicam que ela sofreu uma fratura no crânio devido a fortes pancadas na cabeça. Após a morte da jovem, protestos de rua se espalharam por todo o Irã e o caso se transformou em um símbolo de revolta no país. Com o slogan “mulheres, vida, liberdade”, mulheres de todo o país estão lutando pelos direitos humanos. Como forma de conter os protestos o governo vem agindo com muita violência e rigidez. De acordo com a ONG Iran Human Rights, até a última segunda-feira (7), haviam morrido 304 pessoas, sendo elas pelo menos 41 crianças e 24 mulheres.

Mulheres cortam o próprio cabelo em protestoOs protestos se propagaram pela Internet através de vídeos das manifestações de rua no Irã que viralizaram. Mulheres de todos os países começaram a cortar o próprio cabelo em suas redes sociais como forma de apoio. A hashtag #mahsaamini, atualmente tem 1,5 bilhões de visualizações no Tik Tok e 1,2 milhões de publicações no Instagram. As publicações variam de vídeos de apoio aos protestos a vídeos informativos contando o caso da jovem e mostrando imagens dos protestos para aqueles que estão alheios à situação.

Em um mundo movido pela tecnologia e pelas redes sociais, essa forma de apoio é cada vez mais recorrente, porém em um país tão rígido e conservador como o Irã, esse tipo de amparo realmente ajuda? “Não penso que atrapalhe. Esse movimento é uma revolução das mulheres contra um regime de apartheid de gênero. Se os protestos tomaram essas proporções, é porque estamos diante de algo que fere a humanidade como um todo. É a dignidade sendo tirada de milhares de filhas, mães e avós. Infelizmente é algo que não é recente, e sim enraizado. A agressão e rigidez do governo foi desde o começo dos protestos explicitamente violenta. O que contribui para que essa brutalidade continue por anos e mais anos é o abafamento.” conta a estudante de direito e criminologia Helena Grani.

Em entrevista, o professor, jornalista e escritor José Arbex Jr. opina sobre o tema: "Se por exemplo elas (manifestações nas redes sociais) estimularem um processo de manifestação de rua, combinado com a pressão internacional de outros governos sobre o regime iraniano, talvez resulte em alguma coisa, mas não me parece o caso. O Irã tem um regime muito forte que é capaz de aguentar pressões muito grandes, e eu não acho que nós estejamos em um ponto que o regime vai ser obrigado a alterar alguma coisa em função desses atos que estão acontecendo agora. Nós já tivemos manifestações bem mais fortes no Irã em outras circunstâncias que não resultaram em grande mudança.”

professor e jornalista José Arbex Jr.O jornalista também explica que o Irã se encontra em uma situação de crise que não diz respeito apenas a esse evento em si, mas a uma crise social e financeira, que é provocada por pressões dos Estados Unidos e é resultado de uma situação muito mais complicada que diz respeito ao equilíbrio geopolítico do Oriente Médio. “Então é óbvio que uma  manifestação de rua provocada pelo assassinato da moça pode sim ser como acender um palito de fósforo num depósito de pólvora.”

Além de ser estudante, Grani também cria conteúdo nas redes sociais e participou do movimento de apoio aos protestos. “Quando posto esse tipo de conteúdo, procuro aos poucos trazer a atenção para problemas maiores, geralmente estruturais. A desinformação mata, nós vemos isso no dia a dia. Pessoas protestando sem fundamentos, a polarização política, e até mesmo o desconhecimento da lei. Prefiro gastar alguns minutos informando, e se conseguir fazer com que pelo menos uma pessoa pare o que está fazendo e fique a par de uma situação de violência estrutural que afeta não só as mulheres iranianas, mas o mundo como um todo, já vou estar feliz. Imagino que num mundo onde as pessoas esquecem as coisas rápido, quanto mais interação elas tiverem com a informação maior será a chance de lembrarem daquilo depois.” disse.

Por conta das proporções que os protestos tomaram, o governo iraniano desligou a Internet em partes do Teerã e do Curdistão e chegou a bloquear plataformas de redes sociais. “Considero essa estratégia eficaz se estivermos falando de um retrocesso dos direitos humanos. Como cidadã de um país democrático, acredito que nenhum silenciamento é eficaz para combater conflitos.” comentou a estudante.

Levando em consideração outro ponto de vista, Arbex concorda parcialmente. “Nós sabemos que as tentativas de abafar a circulação de informações pelas redes sociais são eficazes até certo ponto. Sempre é possível driblar a censura porque os provedores das redes sociais estão situados em várias partes do mundo e é impossível o país bloquear completamente as redes, até porque grande parte dos serviços da burocracia estatal, das comunicações, hoje são feitas via internet. Então é impossível manter completamente bloqueado. Eu acho que numa certa medida eles são eficazes, mas não 100%.”

Os protestos se espalharam pelas universidades, mesmo com o movimento estudantil paralisado nos últimos anos, por conta da forte repressão governamental. Após todos esses anos os campi voltam a ser um ambiente primordial para os protestos. De acordo com o Iran Human Rights, o governo tem entrado nas universidades para prender os estudantes de forma violenta. Também existem evidências de que, além das forças armadas, forças à paisana, que também estavam armadas, se passaram por estudantes e atacaram e sequestraram estudantes da universidade. Condenando todas essas ações, no dia 30 de outubro, a ONG utilizou da Internet, por meio de seu site, para publicar uma nota pedindo que outras universidades e instituições acadêmicas do mundo repudiem o ocorrido como forma de apoio.

“A internet evolui um pouco a cada dia. Não há muito tempo, sua única função era fazer e receber ligações, enviar e-mails. Eu sinto que a nternet é um lugar perigoso. Na medida que os aplicativos nos possibilitaram expor nossas opiniões e circular conteúdos, de forma democrática e muitas vezes anônima, os usuários puderam usufruir dela de acordo com suas intenções. Não é à toa que mais da metade dos crimes ocorrem por trás das telas. A tecnologia inova, as possibilidades de infração também. Entretanto, existe um lado da Internet muito bonito. É o lado digital do direito, que se utiliza da rede mundial como ferramenta de justiça. Como sabemos, o sistema penal é falho. Uns casos têm mais atenção que outros, devido a desigualdades e preconceitos sociais, de raça, gênero... O uso da internet para a veiculação, conhecimento e conscientização da criminalidade e onde ela ocorre é um grande passo para uma sociedade mais atenta, empática e justa.” adiciona Grani.

Na luta conjunta pela justiça, todos querem ajudar de alguma forma, mesmo que seja do outro lado do mundo. “Compartilhar, comentar, e ajudar o conteúdo a engajar nas redes sociais. Pesquisar de que outras formas você pode ajudar mesmo remotamente. Mas antes disso, tomar muito cuidado com a fonte e a veracidade das informações. Quem não questiona apenas contribui para a propagação do ódio e das fake news.” conclui Helena.