Maestro do Canão representa a periferia na cultura nacional

Produtores e admiradores de Sabotage destacam sua trajetória pessoal e profissional
por
Antonio Amorim
Bruno Caliman
Caio Moreira
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13/11/2025 - 12h

Mauro Mateus dos Santos, mais conhecido como Sabotage, transformou sua realidade com versos que misturavam denúncia social, poesia e esperança. Nascido em 1973, na zona sul de São Paulo, na favela do Canão, enfrentou a pobreza, a violência e o preconceito com suas composições. Sabotage ganhou destaque no final do ano 2000 com seu álbum “Rap é Compromisso”, e depois cantou e compôs ao lado de rappers como o grupo RZO e Rappin’ Hood, além de furar a bolha gravando com os roqueiros do Sepultura e Charlie Brown Jr. Também fez apresentações em grandes canais de televisão, algo que era mal visto por muitos do mundo do rap.

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Mauro Mateus, o Sabotage. Foto: Reprodução/Instagram/@sabotageoficial

O rapper não parou “apenas” na música, mas também atuou em dois filmes, “O Invasor” , lançado em 2002 e dirigido por Beto Brant e “Carandiru: O Filme”, que estreou em 2003, do diretor Héctor Babenco, onde protagonizou o personagem “Fuinha”. No seu primeiro filme, ainda foi cantor e compositor de boa parte das músicas e ganhou três prêmios de melhor trilha sonora: Festival de Brasília, Cine PE - Festival do Audiovisual e Grande Prêmio BR do Cinema Brasileiro.

Sua carreira foi interrompida em 24 de janeiro de 2003, quando foi assassinado às 5h50, na zona Sul de São Paulo, onde foi atingido por quatro tiros. Foi levado ao hospital, mas faleceu horas depois, aos 29 anos, e deixou seus dois filhos, Tamires Rocha e Wanderson Mateus, além da esposa Maria Dalva. Desde 2015, seu nome artístico Sabotage dá nome a um prêmio na CMSP (Câmara Municipal de São Paulo), que premia artistas do hip hop.

Em entrevista à Agemt, o produtor musical Rodrigo Brandão, amigo de Sabotage, afirma que o rapper já era uma lenda antes mesmo de lançar sua primeira música. Na época, Sabotage participava das apresentações do grupo RZO. Segundo Brandão, eles não se rotulavam como um grupo, mas como uma “banca”, em que cada integrante tinha liberdade para mostrar seu próprio trabalho. O coletivo era formado oficialmente por Hélião, Sandrão e DJ Cia, e contava com as participações de Negra Li e Sabotage. “Ele se destacava naturalmente, eu lembro que antes dele gravar toda a sintonia do rap já sabia cantar o refrão de Rap é Compromisso”. 

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Rodrigo Brandão no documentário "Sabotage: Maestro do Canão".
Foto: Reprodução/Youtube/Sabotage

Brandão relata a importância do processo criativo de Mauro, ao ressaltar que, além do domínio das técnicas líricas e vocais, Sabotage costumava adaptar melodias de músicas estrangeiras, escrevendo suas próprias letras sobre essas harmonias. “Na música A dama Tereza, uma grande parte da rima dele é um flow do Eminem e, se for comparar, o Sabotage é melhor”, afirma. O produtor frisa que, além do controle técnico do rap, ele tinha uma musicalidade intrínseca e se surpreendeu quando o cantor revelou que ouvia Chico Buarque e planejava regravar a música “O meu Guri”. 

Da música à vida pessoal, Rodrigo descreve o comportamento de Sabotage com os fãs, a comunidade e os amigos. De acordo com o produtor, o rapper emanava amor e enxergava beleza até onde parecia não haver. “Era abraço, sorriso, carinho, piada, é isso que vi dele”, conclui. Brandão também relembra um relato marcante de Sabotage sobre sua religiosidade. Em uma conversa na sala de sua casa, o rapper contou que, após a morte do irmão, entrou em um estado de inanição e precisou ser hospitalizado. Nenhum dos médicos conseguia fazê-lo se alimentar, até que um doutor negro entrou em seu quarto e o convenceu a comer. Após a refeição, os funcionários do hospital perguntaram o que havia motivado sua atitude. Ele explicou que um médico havia conversado com ele e fez com que reagisse, depois de descrever as características de um homem preto para as enfermeiras, elas afirmaram que não tinha médicos negros no hospital. “Sabota me contou que, em um passeio com a mãe, viu uma foto do homem que o salvou e confirmou sua existência. Sua mãe então explicou que a imagem se tratava de Oxóssi, uma divindade. Eu lembro disso como se fosse hoje, me marcou muito”, relata Brandão.

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Denis Feijão em entrevista para a Agemt. 

Em entrevista, Denis Feijão, um dos produtores do documentário “Sabotage: Maestro do Canão”, comenta sobre o quanto Sabotage era ligado às questões ancestrais e musicais. O produtor lembra que, assim como os rappers Thaíde e Rappin’ Hood, Sabotage fez a mistura do hip hop com o samba e com outras raízes populares africanas. “No final da carreira, ele estava muito ligado no techno, no trance, fazendo rock com Paulo Miklos. Tinha essa coisa mais romântica com a Sandy, ele gostava do Maurício Manieri, que era aquela coisa do rap mais romântico. Então era um cara múltiplo, um cara híbrido, não ficou parado no tempo e foi buscar coisas novas, conhecimento e aprimoração”.

Denis também destaca a falta de espaço da cultura periférica, principalmente em uma época que não tinha celular, internet e streaming. Segundo ele, Sabotage precisou “enfiar o pé na porta” no sentido de relacionar as músicas com a realidade periférica, com o intuito de mudar a situação da periferia: “ainda era um espaço marginalizado, então com certeza o Sabotage foi um dos grandes responsáveis, junto com essa liderança que veio desde o Mano Brown”. “Era um problemaço, dessa cultura ir para a televisão”, completa.

Além dos dois filmes nacionais, Sabotage participou do programa Altas Horas, da TV Globo. Denis acredita que o rapper transcendeu os meios de comunicação e a barreira do entretenimento, e caso estivesse vivo hoje estaria no cinema, seja na escrita ou na atuação de filmes. Através de sua mente aberta e habilidade de se comunicar com o público, Sabota amplificou o alcance da cultura hip hop e abriu o campo das artes para os moradores de periferias. “Hoje, vários cantores e rappers são atores de séries e novelas. Tem um cara muito legal, o Negueba, lá do Nós do Morro do Rio de Janeiro, que é ator da Globo e mudou a realidade dele a partir das músicas do Sabotage”, acrescenta o produtor de filmes.

Compromisso. Essa foi a resposta de Denis quando perguntado sobre definir o Sabotage em uma palavra. Ele faz alusão ao álbum e música “Rap é Compromisso” do rapper, e diz que Sabota teve compromisso com a vida dele, com sua trajetória no rap, com a realidade, comunidade, família, pessoas, entre outros. O produtor executivo conta que Sabotage sempre foi muito presente e nunca saiu da favela do Canão, além de trazer muito conhecimento. Mesmo quando enfrentou dificuldades familiares e financeiras, Mauro soube sobreviver e construir a família dele, com sua esposa e seus dois filhos.

“O legado dele é a nova geração, no sentido de criar acessos, de como a gente tem condição de mudar a nossa realidade, independente de qual seja. É um cara que tem que ser louvado, valorizado e lembrado. É isso. O legado dele é gigante... gigante”, finaliza.

 

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