Luzes das elas produzem as sombras do cansaço

O uso intenso de dispositivos digitais redefine a rotina de adolescentes, revelando impactos profundos no sono.
por
Carolina Hernandez
|
25/11/2025 - 12h

 

Por Carolina Hernandez 

No quarto de muitos adolescentes brasileiros, o brilho da tela é a última coisa que se apaga à noite e a primeira que se acende pela manhã. As notificações estalam como pequenas centelhas de urgência, ocupando cada minuto livre com vídeos, mensagens, memes, jogos, conteúdos infinitos rolando para baixo. O gesto repetido do polegar virou quase um ritmo natural de uma geração que cresceu com o mundo dentro de um aparelho.

Os números ajudam a desenhar essa paisagem: segundo o IBGE, sete em cada dez adolescentes entre 13 e 18 anos passam mais de cinco horas por dia conectados, além das atividades escolares. A pesquisa TIC Kids Online 2024 revela ainda que 23% dos jovens brasileiros entraram na internet antes de completar seis anos. Uma infância já moldada pela tela, antes mesmo de entender o que havia por trás dela.

E não se trata de um fenômeno isolado. É global. A Organização Mundial da Saúde aponta que adolescentes no mundo inteiro passam de seis a nove horas por dia diante de dispositivos digitais, em média. O excesso não é neutro: problemas de sono, redução de atividades físicas, dificuldade de concentração e maior risco de transtornos emocionais compõem o cenário.

Nas entrelinhas dessa nova rotina, a psicóloga Juliana Hernandez observa o que não cabe nos gráficos. Para ela, o cérebro adolescente, ainda em formação, responde de maneira intensa a esses estímulos digitais que nunca cessam. O excesso, acredita, altera circuitos ligados à atenção, à regulação das emoções e ao sono, abrindo espaço para ansiedade, depressão e queda no rendimento escolar. Ela destaca que, em muitos casos, as redes sociais funcionam como um espelho distorcido, capaz de agravar quadros como TDAH, transtornos alimentares ou ansiedade ao exibir vidas filtradas e inalcançáveis.

O sono é um dos primeiros a ceder. A luz azul que emana das telas antes de dormir atrasa a produção de melatonina, o hormônio que organiza o relógio biológico. Estudos indicam que esse hábito aumenta em quase 60% o risco de insônia e reduz em média 24 minutos de descanso por noite. Juliana aponta que muitos adolescentes chegam exaustos às aulas, incapazes de fixar atenção, com falhas na memória e dificuldade de aprendizagem efeitos silenciosos, mas persistentes.

Para entender essas consequências no cotidiano, basta olhar para a rotina de Olívia Abitante, 16 anos. Ela lembra que passava horas a fio em redes sociais, até perceber que sua capacidade de se concentrar nas aulas se dissolvia entre vídeos curtos e notificações incessantes. Após uma avaliação médica, recebeu o diagnóstico de TDAH, potencialmente agravado pelo tempo excessivo de tela. A adolescente conta que também enfrentou noites mal dormidas, queda no rendimento escolar e um isolamento gradual, trocando encontros com amigos por interações digitais mais fáceis, porém mais vazias.

A virada veio quando decidiu reduzir o tempo de tela e iniciar acompanhamento psicológico. Com o tempo, o sono estabilizou, as notas melhoraram e as relações presenciais voltaram a fazer sentido. Um retorno lento, mas possível, que mostra como pequenos ajustes podem transformar a dinâmica emocional de um jovem.

Fora do mundo real, as telas também moldam imaginários. Na série Adolescência, da Netflix, Jamie, um garoto de 13 anos acusado de um crime brutal, tem sua trajetória atravessada pelo peso devastador das redes sociais. A produção explora como ambientes digitais podem radicalizar comportamentos, espalhar discursos de ódio e amplificar ansiedade e solidão em jovens vulneráveis, um retrato ficcional que dialoga com problemas reais enfrentados nas famílias e escolas.

Mas, como ressaltam especialistas, o vilão não é a tecnologia. O problema está no uso sem limites, sem orientação, sem freios. Juliana defende estratégias simples: horários específicos para redes sociais, estímulo a atividades offline, rotinas de sono regulares e espaços de escuta para que adolescentes entendam seus próprios limites. Ela acredita que pais e educadores devem orientar sem demonizar. A tecnologia, afinal, pode ser aliada quando usada com consciência.

Os efeitos positivos aparecem onde há ação coletiva. Em escolas que adotaram programas de conscientização digital, observou-se diminuição de conflitos e aumento da participação em atividades presenciais. Pausas digitais, implementadas em horários de estudo, mostraram melhorias na atenção e na memorização, como se o cérebro agradecesse por alguns minutos de silêncio.

O desafio é, ao mesmo tempo, individual e social. Faz parte do mundo contemporâneo estar conectado, mas aprender a se desconectar é uma competência urgente. A tecnologia não precisa ser abandonada, e sim compreendida. Não como ameaça, mas como ferramenta que exige cuidado, responsabilidade e equilíbrio.

Juliana, ao refletir sobre a educação digital, costuma dizer que aprender a usar a tecnologia de forma consciente deve ganhar o mesmo espaço que disciplinas tradicionais. Essa habilidade, acredita, precisa ser ensinada desde cedo, envolvendo famílias, escolas e os próprios adolescentes.

No fim, a mensagem é simples: a conexão é inevitável; o equilíbrio, indispensável. Entre telas que piscam, noites encurtadas e vínculos que se perdem no fluxo de notificações, cabe aos adultos ajudar os jovens a reaprender a viver no próprio tempo, dentro e fora das telas.