A luta pela igualdade nas competições e premiações esportivas

“Enquanto houver desigualdade, teremos que recorrer às leis” afirma historiadora Aira Bonfim
por
Clara Maia
Flavia Cury
Larissa Soler
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29/03/2022 - 12h

O projeto de lei 321/2021 tem como ementa proibir o custeio com recursos públicos - em âmbito federal - iniciativas que não garantam entre atletas homens e mulheres valores iguais em competições e premiações esportivas. O descumprimento da medida sujeitará à multa no valor de 5 mil reais a 200 mil reais, que serão depositados em prol dos fundos de assistência à mulher no governo federal.

Brazuca, usada na copa de 2014
Brazuca, usada na copa de 2014 e exposta no Museu do Futebol. Foto: Flavia Cury

A autora da proposta foi a deputada Rosangela Gomes dos Republicanos-RJ. Em seu depoimento Gomes diz “Não se pode conceber a discriminação contra a mulher”. O projeto de lei foi aprovado pela câmara dos deputados no começo do mês de março de 2022 e aguarda a votação no senado federal.  

Segundo Aira Bonfim, historiadora do esporte, há outras iniciativas recentes que vem tentando equiparar as premiações, como no Mato Grosso do Sul onde uma proposta parecida já está em vigor e o próprio projeto atual que transita na câmara, desde 2016 com pequenas mudanças. “A diferença agora é que você tem um compromisso, onde qualquer evento esportivo que tem algum vínculo com o estado - direto ou indireto - , o recurso destinado para essa premiação ou mesmo um local público que receba o evento, vai receber esse tipo de premiação.”  

Para ela, essa pauta já está percorrendo os corredores de Brasília, já é uma vitória “A PL não vai resolver todos os problemas do dia para a noite, mas permite que nós conversemos mais sobre isso.” Bonfim ainda completa que essas desigualdades encontradas em diferentes modalidades, principalmente no futebol, sempre foram vistas como naturais e que nos últimos anos isso está sendo observado com mais clareza “Apesar de estarmos vivendo um governo muito conservador nos seus costumes, estamos conseguindo falar disso com mais clareza. A importância dessa lei está nesse sentido, percebemos que o estado, como um órgão que pode gerar exemplos, está fazendo a parte dele.”   

Relembrando da seleção feminina dos Estados Unidos, que em uma disputa por mais de seis anos, conseguiram equiparar os valores dos salários com os da equipe masculina, Bonfim comenta que o caso gerou impacto em escala mundial. Porém, é importante recordar dos fatos nacionais como os de ex-atletas que entraram na política buscando igualdade no esporte, “Um exemplo disso foi a Leila Barros, que foi jogadora de vôlei por 20 anos e era uma das redatoras desse projeto – de 2016 -”. A historiadora afirma que a pauta ser discutida amplamente e gerar visibilidade, mesmo com tantos desafios, já é uma vitória: "Na copa de 2014 masculina, o valor da premiação da FIFA foi cerca de 440 milhões de dólares, já na copa de 2015 feminina o valor foi de 15 milhões. Os Estados Unidos, eles levantaram não só a bandeira, mas entraram na justiça porque estava errado. Era necessária essa luta”.   

A pesquisadora enfatiza a importância do discurso voltado a uma visão feminista “Em 2015, de fato vai dar luz para esse problema das desigualdades em relação aos esportes, são as próprias mulheres, principalmente as mulheres militantes”. Bonfim ainda destaca que o momento histórico contribuiu para esse despertar “Com uma presidenta mulher, estaremos finalmente reconhecendo o feminicídio que ocorreu em 2015, que é o ano da Copa do Mundo feminina. São mulheres reconhecendo que elas não estão apoiando outras mulheres. Essa seleção onde elas nunca ouviram falar sobre um Paulista, um brasileiro de futebol. Então não é um problema de gênero, de orientação sexual, é muito mais grave”.  

Audioguia com colaboração de Aira Bonfim, exibido no Museu do Futebol. Foto: Flavia Cury
Audioguia com colaboração de Aira Bonfim, exibido no Museu do Futebol. Foto: Flavia Cury

Sobre as emissoras de televisão aberta estarem abrindo mais seu espaço para o futebol feminino, a historiadora conta que é importante lembrar que não são elas que estão na frente da luta por igualdade, mas que são uma contribuição importante “uma vez que você liga a televisão e passa a reconhecer o protagonismo de mulheres em qualquer competição”, e acrescenta “A gente está tendo isso no futebol feminino, mas veja quantas modalidades, ainda estão restritas ao universo de uma televisão paga ou de internet, etc.” Bonfim relembra que na década de 1990, a Bandeirantes já fazia transmissões de modalidades femininas, além de jornais que faziam a cobertura. “Esse movimento já esteve ascendente. Inclusive era muito mais tecnicamente completo dentro do jornalismo escrito. há um prejuízo ali nos anos 2000, algumas dificuldades e agora ressurge, porque ficou claro o interesse de consumo desses esportes, especificamente, o futebol.”  

A pesquisadora ainda relata um bom aspecto dessa nova onda de transmissões dos times femininos: "Estamos formando pessoas competentes para narrar, para falar, para conhecer o histórico dessas atletas.” Continua “esse tema passou a ser mais um que pode ser debatido publicamente, principalmente por maravilhosas personagens mulheres que têm falado tudo o que pensam, como a Ana Thaís Matos e a Renata Silveira”. Para Bonfim essa presença de mulheres nas transmissões é importante para se debater também a questão extracampo “você quer profissionalismo? Se queremos um alto rendimento de verdade, então teremos que melhorar essa questão”.  

Voltando a PL 321/2021, Bonfim apresenta um questionamento: O quanto essa lei conseguirá ser implementada em campeonatos que tenham parceria com órgãos particulares, “Não sei o quanto essa legislação consegue aferir sobre isso e evitar que estratégias de burlar a legislação aconteçam.” "Enquanto houver desigualdade, teremos que recorrer às leis. A gente vai ter que ir para as ruas, vamos ter que levantar as bandeiras", comenta a pesquisadora.  

Aira Bonfim
Aira Bonfim. Foto: Caroline Lima

Exemplo desta foi a Conmebol criando a lei onde, para se participar de campeonatos internacionais, o time deve ter o masculino e feminino profissionais. Bonfim dispara que a problemática é histórica e estrutural, torna-se necessário a criação de oportunidades de inserção feminina nesses espaços majoritariamente ditados como masculinos, “A criação de um time feminino dentro de um clube, de uma empresa que reconhecidamente é masculina, é um projeto de equiparidade, é um projeto de reparação histórica”.  

Aira Bonfim é produtora, pesquisadora e curadora. Mestre em História, Política e Bens Culturais pela Fundação Getúlio Vargas e especialista em estudos brasileiros e linguagem das artes. Trabalhou por alguns anos no Museu do Futebol, e dentre as diversas exposições que tiveram sua contribuição, está o audioguia “Mulheres no Futebol”, exposta atualmente no museu e publicada no Spotify, na Apple e no Youtube. “É uma forma de homenagear personagens vivos e personagens que já não estão entre nós no agora, que é a quando esse tema está mais exaurido.” 

 

Celebre a vitória com nossas meninas.
Celebre a vitória com nossas meninas. Foto: Flavia Cury