Lollapalooza Brasil 2023: desafios e problemas a resolver

Em sua 10ª edição, festival volta com os mesmos problemas de infraestrutura e exploração de trabalhadores.
por
Carolina Rouchou
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31/03/2023 - 12h

O aumento dos preços

Em sua 10ª edição, o Lollapalooza voltou a São Paulo com ingressos que variaram de 550 reais para um dia e 5.000 para os três dias no LollaLounge (área VIP), o que o concedeu o título de festival de música mais caro do Brasil. 

Quando começou, em 2012, o preço para um dia ficava em torno dos 150 reais e para os três, 500. A mudança de preço se justificou nas edições seguintes pelas grandes mudanças que o festival apresentou: os artistas convidados eram cada vez maiores - sendo necessário mudar o endereço do Jóquei para o Autódromo de Interlagos -, as instalações e ativações de marcas aumentaram em número e tamanho e o festival ganhou em 2018 um terceiro dia. Mas nas edições pós pandemia, o preço dobrou.

O passe de três dias meia-entrada, que nesta edição custou R$ 1.530, era oferecido por R$ 663 em 2019 e o público não pareceu satisfeito com a mudança. Maria Fernanda é fã do festival e conta que já é a quarta vez que vai: “Eu sempre gostei muito do Lolla, mas a cada ano que passa eu tenho menos vontade de vir. Os shows são sempre incríveis, deles eu não posso reclamar, mas é sério que com ingressos a quase 600 reais por dia eles não conseguem nada melhor que um banheiro químico?”. 

Sua revolta quanto a infraestrutura dos banheiros tem embasamento: “Daqui alguns meses vai ter o The Town, vai ser aqui no Autódromo, o ingresso para um dia está em torno dos R$ 350 a meia [entrada]. Eles vão fazer um encanamento só pro festival, para não depender de banheiros químicos. O Lolla fica quase o dobro com as taxas e eles nunca se preocuparam com isso”.

 

Difícil chegar, impossível sair

As objeções foram muitas, mas o que mais incomodou a audiência foi a entrada e saída do evento “A estação de trem fica um pouco longe daqui e essa distância parece dobrar embaixo do sol. Como que depois de dez edições a gente não viu uma iniciativa para melhorar esse caminho?” Relatou Giovanna Napolitano. 

E se a entrada foi turbulenta, a saída foi caótica. Com apenas dois portões e nenhuma sinalização, o final do festival apresentou muitos desafios para o público. “É uma loucura, assim que acabam os últimos shows, você tem duas opções: sentar e esperar a multidão sair ou se render a ela”, contou Luiza Cordeiro. Na sexta-feira, primeiro dia de festival, ela tentou sair pelo portão principal, na Avenida Interlagos, mas enquanto tentava chegar foi pega na confusão da saída do show da Billie Eilish e levada para o portão G. “Saímos pelo outro lado do Autódromo, no meio de uma comunidade. Começamos a caminhada para a saída às 23h e só chegamos lá as 2h”. Luiza explicou que apenas na metade do caminho entendeu que estava indo para o lugar errado, mas já era tarde demais, cercada por centenas de pessoas sua única opção foi seguir o fluxo: “Se eles tivessem colocado uma placa sinalizando que aquela saída levava para o portão G, eu nem teria seguido em frente”. A falta de sinalização também foi sentida no dia seguinte: “Hoje [sábado] eu só consegui encontrar a saída porque no meio da multidão vi uma funcionária do Lolla e pedi ajuda”.

Essa funcionária, que se identificou apenas como Bob, era responsável principalmente pela limpeza do evento, mas também auxiliou na montagem e desmontagem dos palcos e stands do evento. Quando perguntada sobre como é trabalhar no Lollapalooza, ela explicou: “Sábado é o dia mais tranquilo, a gente só tem que pegar o lixo do chão e deixar tudo limpinho, aí podemos ir embora. Eu cheguei aqui às 14h e vou sair perto das duas [da manhã], mas o difícil mesmo vai ser amanhã, que a gente vai ter que desmontar tudo isso, aí fica até terminar”. 

Saída do Lollapalooza pelo portão G. Imagem: Carolina Rouchou
Saída do Lollapalooza pelo portão G. Imagem: Carolina Rouchou

O trabalho no Lollapalooza

A questão do trabalho no Lollapalooza trouxe polêmicas. Dias antes da abertura do evento, cinco trabalhadores foram resgatados de condições de trabalho análogo a escravidão, mas mesmo assim encontramos relatos de exploração e insatisfação. Os nomes dos entrevistados foram alterados para preservar as identidades. Tamires Andrade, funcionária responsável pelas pulseiras que identificam maiores de idade, explicou que não voltaria a trabalhar no evento nas próximas edições: “Eu tive que chegar às oito todos os dias, fiquei embaixo do sol quente o dia inteiro com esse uniforme, morrendo de calor e quando chega a noite a gente morre de frio. Eu não pude parar nenhum segundo pra ver nenhum show. 22h é o horário que eu bato o ponto, mas até tirar o uniforme, devolver o equipamento e chegar na saída já são mais de onze da noite. É muita desorganização e cansaço para tirar só 140 reais por dia”. 

Rosana dos Santos, contratada como vendedora ambulante de produtos Sadia, também não voltaria: “A gente chega e é direcionada para o setor, tem um tempinho para dois lanches e um almoço, só isso”. Quando perguntada sobre as apresentações, ela responde de prontidão: “Se tenho tempo para ver alguma coisa? Imagina, a gente não pode parar”.

Para os funcionários contratados para trabalhar nos stands das marcas, a experiência foi diferente. Com turnos das 14h às 23h, o trio que trabalhou em um ponto de vendas da Budweiser disse que não vê a hora de voltar. “Esse é meu primeiro Lolla, estou amando! Consigo aproveitar o show e acabei conhecendo muita gente legal. Tá tudo muito bem organizado e eu amei o Twenty One Pilots. Quero muito poder voltar aqui ano que vem”, relatou Tiago.

 

As ativações

Além da Budweiser, o evento contou com ativações de outras marcas das mais variadas áreas. O stand da Coca-Cola trouxe o funk brasileiro e uma pista de dança para entreter o público entre os shows, enquanto a Braskem promoveu a reciclagem oferecendo pontos por cada item de plástico descartado corretamente, que poderiam ser trocados por brindes como doces e balas, copos e até mesmo capa de chuva. 

Mesmo com todas essas atividades extras, o evento não conquistou todo mundo, principalmente aqueles que presenciaram as edições anteriores. “Esse ano tá tudo muito caro, eu só vim porque ganhei um ingresso, que inclui só os shows né, comida e bebida é tudo a parte e se é de graça na questão dinheiro, é cara pro meu tempo. As filas de água do Bradesco estão impossíveis e eu prefiro assistir o show da Rosalía inteiro do que perder uma hora no copo customizado da Budweiser”, contou Giovanna Napolitano, que já presenciou quatro edições do Lollapalooza. 

 

 

A experiência VIP

A única pessoa entrevistada que não teve críticas ao evento foi Giovana Telles, que ganhou ingressos para o Lolla Comfort. Sendo essa sua primeira vez, disse que ficou muito impressionada com a infraestrutura dos shows e da área Comfort. “Para mim valeu muito a pena. A gente tem um espaço sensacional e eu pude curtir o show da Billie Eilish muito confortável. Lá dentro do Comfort a gente tem massagem, carregador portátil, água, banheiros melhores e uma vista incrível pro show, tudo incluído no preço do ingresso.”, que custa no mínimo 2.500 reais.

 

A popularização de grandes festivais de música em São Paulo traz um desafio para o Lollapalooza, que conta com uma infraestrutura antiquada, semelhante a de suas últimas edições. Além disso, os preços exorbitantes e a exploração dos trabalhadores abre espaço para que competidores como Primavera Sound, Mita e principalmente The Town, ofereçam alternativas viáveis para os fãs de música. 

Mas há esperança de mudanças. A edição deste ano encerrou a parceria entre o Lollapalooza e a empresa Time for Fun, que realizou oito edições do evento no Brasil. Quem assume o lugar agora é a Live Nation, responsável pelo clássico brasileiro Rock in Rio. A notícia provocou reações diferentes no público, uns comemoram a possibilidade de melhora na infraestrutura enquanto outros temem que o festival vá perder a originalidade dos Line-ups. 

A nova empresa responsável, no entanto, possui um ponto de convergência com a antiga: em 2013 e 2015 foram identificados funcionários em condições análogas à escravidão no Rock in Rio. Apesar de não existirem acusações tão recentes como a do Lollapalooza, nos resta a reflexão: As condições de trabalho no Rock in Rio melhoraram e portanto as do Lollapalooza também irão, ou os organizadores estão cada vez melhores em esconder esses casos, como aconteceu com Tamires?

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