Os ataques entre Hezbollah e Israel foram tema do discurso de diversos líderes mundiais presentes na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na última terça-feira (24).
O Secretário Geral da organização, António Guterres, criticou países que descumprem resoluções da ONU, sem citar Israel, e afirmou que eles não podem deixar que o Líbano vire outra Gaza. Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, acrescentou que uma guerra total no Oriente Médio “não interessa a ninguém”.
O embaixador israelense na ONU informou que o país não tem interesse em invadir o território libanes. Após discurso na Assembleia, o Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, condenou novamente as ações israelenses no norte do Líbano, na quarta-feira (25).
Iniciado em outubro do ano passado, o conflito entre o grupo Hezbollah e o Estado de Israel começou após a organização que fica localizada no norte do Líbano, atacar a região fronteiriça onde soldados israelenses estavam posicionados.
A ação ocorreu em resposta à guerra na região da Faixa de Gaza entre o grupo Hamas e Israel, que completa um ano no dia 7 de outubro. Desde então, o grupo Hezbollah e o Estado de Israel vêm trocando ofensivas, mas foi na semana passada que o conflito entre os dois se intensificou.
Um ataque terrorista ao sistema de comunicação móvel de integrantes do Hezbollah ocorreu na terça (17) e quarta-feira (18). O governo libanês e o Hezbollah acusam Israel pela autoria das explosões, já Israel nega qualquer envolvimento.
Na mesma semana, durante um ataque aéreo, na região de Beirute, o comandante da unidade de elite Radwan do Hezbollah, Ibrahim Akil, foi morto. Nos dois ataques pelo menos 82 pessoas morreram e cerca de 3.000 ficaram feridas.
Segundo informações do Ministério da Saúde do Líbano, 650 pessoas, incluindo, pelo menos, 35 crianças e 58 mulheres, foram mortas em ataques israelenses desde a manhã de segunda-feira (23). O número representa mais da metade dos libaneses mortos na guerra de 34 dias entre Israel e Hezbollah em 2006.
Em entrevista à Agemt, Rodrigo Amaral, professor do curso de Relações Internacionais da PUC-SP e pesquisador na área de política internacional no Oriente Médio, aponta que esses ataques podem ser uma tentativa do Estado de Israel de estender a conflitualidade contra o Hamas para a região norte do Líbano.
“Tendo em vista que Gaza está sob escombros, o Hamas não tem qualquer possibilidade de reação por lá. A ideia israelense é muito provavelmente, tudo isso na prova da probabilidade, destruir o outro inimigo regional mais próximo que é o Hezbollah.” explica Rodrigo.
Sobre as declarações dos líderes mundiais na Assembleia, Rodrigo diz que elas têm um impacto mínimo no conflito: “É um passo importante, porque significa que a comunidade internacional pode ser avessa ao que Israel está fazendo. Mas, não existe uma ação tão direta em decorrência das manifestações na Assembleia Geral das Nações Unidas”.
Amaral adiciona que as ações seriam mais eficazes se o Conselho de Segurança da organização determinasse uma resolução consensual para o fim do conflito, mas que “para que essa resolução ocorra, ela implicaria nos Estados Unidos barrarem as ações militares israelenses no Oriente Médio, algo que nunca aconteceu anteriormente” lembra o professor.
Hezbollah:
O grupo fundamentalista nasce no contexto da Guerra Civil Libanesa, sendo uma associação político islâmico-libanês.
“É uma organização política e social, então ele tem não apenas o braço paramilitar, que é o mais famoso que nós conhecemos, mas também um grupo que tem representação no parlamento libanês e que tem ações sociais de grande escala no sul do Líbano, onde esse grupo se desenvolveu” ,comentou.
O professor explica que o Hezbollah surgiu nos anos 80 e 90, para ocupar a deficiência do Estado libanês na época e acabou se tornando um dos principais grupos de oposição contra o Estado de Israel. “Eles têm como aliados indiretos o eixo da resistência no Oriente Médio, forças de mobilização popular no Iraque, os houthis no Iêmen e de forma mais direta o Hamas, mas que também não há qualquer conexão material de aliança, é só uma questão de serem “inimigos” de Israel. Há também uma conexão diplomática com o Irã, mas não há confirmação de ligação de cooperação técnico militar”.
O grupo político islâmico-libanês e o Estado de Israel já estiveram em conflito antes, durante a Guerra do Líbano, em 2006. O conflito, que durou cinco semanas, teve início após membros da organização sequestrarem dois soldados israelenses. Nessa época quase 1.200 pessoas morreram no meio da guerra, sendo a maioria civis.
Apesar da conexão diplomática entre o Hezbollah e o Irã, Amaral não vê o país entrando em um confronto com Israel: “Ele demonstrou que não tem vontade de fazer uma guerra direta com Israel e vice-versa. É improvável a inserção de forças militares iranianas, apesar de ser bastante factível o apoio indireto do Irã ao Hezbollah.”
Mossad:
O pesquisador aponta que os ataques ao sistema de comunicação móvel de integrantes do Hezbollah na semana passada podem ter sido organizados taticamente pelo Mossad - Serviço de Inteligência de Israel e um dos mais desenvolvidos do mundo. Na ocasião, pagers e walkie-talkies de membros da organização foram utilizados como explosivos que atingiram milhares de pessoas.
“O Mossad já atuou outras vezes na história de Israel, começou de maneira mais intensa a partir da Guerra dos Seis Dias em 1967 e desde então Israel tem ações de espionagem ativa contra os seus inimigos”. explica o professor.
Porém, essa é a primeira vez que um ataque desse tipo é tão bem articulado tecnicamente e taticamente, o que demonstra a força da organização “Vimos explosões simultâneas desses equipamentos, houve ali uma manipulação do hardware, de tecnologias que são dos anos 90, anos 2000 e que supostamente têm uma maior dificuldade de hackeamento”, comenta.
O que esperar:
Para os próximos dias, o pesquisador acredita que haja uma intensificação da ação militar israelense “há um risco alto dessa intensificação de operações aéreas militares se tornarem também operações em solo, lembrando que Israel já depositou a 98ª Batalhão das Forças Militares Israelenses na fronteira norte, que é a fronteira com o Líbano, portanto, acionou ali uma possibilidade de invasão, de ocupação, o que seria, basicamente, repetir o que aconteceu em 1982 e 2006”, finaliza.