Legislação que obriga ensino da cultura afro-brasileira não é respeitada

Especialistas relatam sobre como o a educação reflete o racismo estrutural no país
por
Carlos Eduardo da Cruz Pires de Moraes e Daniel Dias de Santana Martins
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05/09/2020 - 12h

 

O tema racismo nas últimas décadas mantem-se em pauta em todas as esferas da sociedade brasileira, mas nem sempre onde a regra manda. Para a professora Jussara da Cruz Pires de Moraes (51), "a lei que implica a obrigação de ensinar sobre a História e cultura afro-brasileira e indígena não está sendo respeitada". Moraes é aposentada da rede pública de ensino e, atualmente, leciona no Ensino Fundamental e Médio na rede privada de educação. A legislação sobre o ensino da cultura afro foi criada no governo Lula, durante a gestão Haddad à frente do Ministério da Educação.

“Quando se fala do povo preto nas escolas apenas é dito que eles vieram arrastados da África, em navios negreiros, com grilhões, que famílias foram separadas, morreram, que os negros também se escravizavam e fica nesse senso comum. Foi algo que realmente ocorreu, mas não foi apenas isso. O que parece é que todos aceitavam aquilo, não haviam revoltas por parte das pessoas pretas, não existia uma vontade de mudança, parece que as pessoas foram catequizadas e morriam, mas eles lutaram”.

Segundo Moraes para se mudar a situação atual, a educação é fundamental. “Eu acredito que primeiro as pessoas devam conhecer a sua própria história, procurar dentro da sua própria família as suas origens. Quem eu sou? De onde eu vim? Quem eram meus antepassados?”. A professora acredita ainda que essa é uma tarefa árdua. “Você pergunta para algumas pessoas pretas quem são os avós dela, alguns não sabem responder. Pega a geração de 50, 60, 70, a depender da região ele nem sabe. Ele não sabe porque o avô ou bisavô daquela pessoa talvez tenha sido um escravo. Dependendo do contexto social dessa pessoa, nem uma fotografia sobrou dessa história”.

Já Isabela Alves (18), que cursa arquitetura nas Belas Artes, cita como lida com casos racistas à nas instituições de ensino. "Até hoje nunca aconteceu comigo, mas já me deparei com comentários de amigos usando termos racistas no seu vocabulário. Quando isso ocorre tento conversar e mostrar como a frase está errada."

Seu estudo sobre  a luta negra iniciou-se enquanto pensava em um tema para o seu Trabalho de Conclusão de Curso do técnico: "Meu orientador conversou comigo e mais dois amigos sobre possíveis temas atuais que nos fizessem pensar. Chegamos a um que até então eu nunca havia realmente conversado com tanta profundidade, o racismo." O trabalho denominado Centro Cultural Quilombo Urbano, visava introduzir e enaltecer a história do negro no Brasil, desde a colônia até os dias atuais, além de incluir os imigrantes africanos .

O TCC fez com que Alves reparasse em outros detalhes da sociedade. "No técnico de 20 alunos apenas um era negro e agora na faculdade de 40 é a mesma situação."  O ano de 2020 vem sendo uma amostra de como a população pode apoiar a luta, independente de sua cor, porém para a universitária ainda faltam passos. "Muitos apoiaram as causas pelas redes sociais apenas por apoiar e não por realmente entender o peso dos atos."

Isabela Alves (acervo pessoal)

De acordo com dados do MEC de 2019, pela primeira vez pretos são a maioria no ensino superior público: 50,3%. Contudo, a estudante acredita que o governo ainda não investirá na questão mesmo perante às recentes manifestações" O sistema de educação não terá tanta atenção, mas professores, principalmente aqueles que se interessam pelo assunto, começarão a discutir em sala o tema".

Modelo Centro Cultural Quilombo Urbano (Liceu de Artes e Ofícios)

Para quem deseja iniciar a estudar sobre o assunto, qual seria o caminho ideal? "É legal começar pela base, ou seja, livros escolares, e a partir daí, procurar aprofundar mais, lendo a respeito de grandes nomes como Malcolm X, Martin Luther King, Zumbi dos Palmares e Djamila Ribeiro", concluiu Alves.

 

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