Lançamento de “Retomadas” expõe veto do Masp a obras do MST, em 2022

Livro reúne obras proibidas pelo museu na exposição "Histórias Brasileiras" e propõe reflexão sobre arte, política e representatividade no Brasil
por
Inaiá Misnerovicz
|
06/05/2025 - 12h

 

"Retomadas", uma obra coletiva que documenta e analisa um dos episódios mais controversos do circuito artístico brasileiro nos últimos anos, foi lançado no final de março. A publicação é fruto de um processo de resistência e reflexão desencadeado após o veto de 2022, de obras que retratavam a luta de movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e de manifestações de povos indígenas. As imagens de fotógrafos como Edgar Kanaykõ Xakriabá, André Vilaron e João Zinclar foram alvo de censura sob o argumento de que poderiam "ferir a neutralidade institucional" - de acordo com nota publicada pelo MASP.

Como protesto, o núcleo curatorial Retomadas, coordenado pelas curadoras Sandra Benites e Clarissa Diniz, optou naquele momento por retirar inteiramente sua contribuição da mostra. A atitude provocou uma intensa onda de críticas nas redes sociais, manifestações públicas de artistas e movimentos culturais. 

Diante do impacto do veto, a equipe curatorial e os artistas envolvidos organizaram-se em torno da criação de uma publicação que não apenas resgatasse o conteúdo originalmente censurado, mas também refletisse sobre o papel das instituições culturais na disputa por memória, território e narrativa no Brasil.

O livro "Retomadas", publicado pela Editora Expressão Popular em parceria com os próprios artistas e movimentos sociais, reúne ensaios críticos, textos curatoriais, relatos de bastidores, manifestos, além das obras que haviam sido originalmente vetadas. Também faz parte da obra uma seleção de textos de intelectuais indígenas e militantes do MST.

No lançamento do livro, no início do ano, a curadora Clarissa Diniz destacou que “o livro é mais do que um documento histórico. É um instrumento de retomada simbólica dos nossos corpos e narrativas dentro dos espaços de poder.” E para ela, o livro vai além:  “Não se trata apenas de denunciar um ato de censura, mas de propor um novo modelo de diálogo entre arte, política e sociedade.”

Foto vetada de André Vilaron
Foto vetada de André Vilaron

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mas em entrevista à AGEMT, Clarisse afirma que a mudança não foi tão profunda assim:  "O MASP havia nos informado que haveria discussões autocríticas para as quais Sandra Benites e eu também seríamos convidadas a participar. Não chegou a nós nenhum convite ou informação sobre esse tipo de movimento. Receio dizer que não duvido que pouco (ou nada) tenha mudado na instituição, apesar de acreditar que algumas das pessoas que viveram essa experiência foram, elas sim, transformadas.”

A publicação de Retomadas marca não apenas a superação de um episódio de censura, mas a consolidação de uma articulação mais ampla em torno do direito à representação nos espaços culturais. O título faz referência às retomadas de terra por povos indígenas e pelo MST, mas também às retomadas simbólicas dentro das instituições: espaços que ainda hoje resistem à presença de corpos racializados, periféricos e insurgentes.

O livro está disponível em formato impresso e digital, e será acompanhado por uma série de debates, oficinas e rodas de conversa em diferentes cidades do Brasil, com o objetivo de levar a discussão a universidades, escolas, ocupações e territórios em luta.