Julgamento de Depp e Heard tem tratamento desigual

Caso ajudou a explicitar que homens e mulheres são tratados de forma diferente em situação de abuso sexual e violência doméstica pelo “tribunal da internet”
por
Helena Cardoso Guimarães
Maria Burunzuzian
|
30/06/2022 - 12h

“Na sociedade, a violência masculina é mais aceita”, diz Carrie N. Baker, advogada experiente em assédio sexual, em entrevista à BBC News Mundo. O caso de Johnny Depp foi levado ao tribunal após um artigo da ex-mulher, Amber Heard, para o The Washington Post, em que a atriz se colocava como uma “figura pública que representava o abuso doméstico”. Mesmo sem ter citado o nome de Depp, o ator utiliza a matéria como o principal argumento do processo que abriu em 2019.

É notório que o caso, que estava sendo transmitido em tempo real na TV aberta americana e no Youtube para o resto do mundo, ganhou muita visibilidade, sendo um dos assuntos mais comentados nos principais veículos de notícia e nas redes sociais, com memes e vídeos difamando Heard. De acordo com uma matéria da revista Vice em parceria com a organização The Citizens, o jornal conservador estadunidense The Daily Wire gastou entre 35 e 47 mil dólares em campanhas pró-Depp, com anúncios no Facebook e Instagram. Os artigos mostravam apenas a versão do ator, e foram muito compartilhados, tendo cerca de quatro milhões de interações online.

O ator, mesmo após ser cancelado na internet e demitido de duas franquias, Animais Fantásticos e a sequência de Piratas do Caribe, conseguiu conquistar o público com os novos capítulos do julgamento. “Ele é uma figura pública e obviamente teve problemas comportamentais, e está tentando recuperar sua reputação”, afirma Baker, que acredita que o sistema é parcial e a favor dos homens.

Depp conseguiu, com muito sucesso, se colocar como a vítima nos tribunais e ganhar destaque da sua versão da história. Seus fãs e apoiadores subiram hashtags no Twitter, pedindo justiça e liberdade. Enquanto isso, a atriz de Aquaman recebeu, desde o início do julgamento, diversas ameaças e comentários cruéis na internet, e é vista como desequilibrada e mentirosa pelos espectadores.

“Certamente, as mulheres podem cometer violência contra os homens”, acrescentou a advogada, considerando que há quem afirme que ambos foram violentos. Porém, ainda é possível perceber a diferença de tratamento entre o ex-casal na mídia, uma vez que as acusações e palavras de Heard não estão sendo tratadas com seriedade ou até sendo analisadas em excesso por pessoas sem experiência no assunto. O ator Chris Rock foi um dos que ridicularizou as falas de Amber em um show de comédia em Londres, “acredite em todas as mulheres, exceto Amber Heard”, disse.

Para Laís Morais, 23, jornalista, a “sociedade estruturalmente machista em que vivemos e a forma que homens e mulheres são criados para ver e perceber cada gênero” é o que faz a diferença de tratamento entre os acusados acontecer. Ela complementa que é extremamente importante que a situação seja analisada com muito cuidado, “Em casos como esse, são necessárias muitas fontes, documentos e provas para que pessoas que estão tentando ter sua voz ouvida, não sejam prejudicadas”.

No dia 01 de Junho, o júri chegou a um veredito para o julgamento de Johnny Depp e Amber Heard. O tribunal decidiu a favor do ator no processo de difamação, e a atriz foi condenada a pagar US$15 milhões, o equivalente a 72 milhões de reais. Porém, Depp também foi condenado, com uma pena bem menor, a pagar cerca de US$2 milhões (R$9,5 milhões) à ex-mulher, por difamá-la por meio de seu advogado.

Além de ter sido derrotada pelo júri nos Estados Unidos, Heard também não teve o melhor fim no tribunal da opinião pública. As consequências sofridas por Amber, podem ser prejudiciais e fazer com que mulheres que se identifiquem com o caso se sintam desencorajadas a denunciar situações de abuso sexual e violência doméstica, por terem medo de serem tratadas como a atriz. Além de expor e reviver um trauma, as vítimas podem ter medo de ter sua voz silenciada.