Judiciário enfrenta invisibilidade negra

Lucineia dos Santos, professora de Direito, aponta racismo e falta de representatividade na Justiça
por
Luiza Mazzer
|
15/09/2020 - 12h

“Sua letra é feia. Não quero te contratar”. Essa foi apenas uma das desculpas que Lucineia Rosa dos Santos, hoje professora-chefe do Departamento de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da PUC-SP, recebeu ao ter um emprego recusado no início de sua carreira. “Era mais fácil terem falado que o motivo era a cor da minha pele”.

“O racismo no Brasil não é político ou econômico, mas sim racial”, afirma Santos. Por isso, não importa o quanto dinheiro uma pessoa negra tenha, ela sempre será estranhada ao chegar em um restaurante de elite, por exemplo. E esta situação se torna ainda mais comum em cargos “respeitados” pela sociedade, como a de advogado ou juiz.

As situações de racismo mais divulgadas pela mídia - não menos importantes, todavia- são as dos réus,  dos milhares de negros condenados injustamente apenas por sua cor de pele. Porém, há racismo também do outro lado do tribunal, dentro do Poder Judiciário.

Enquanto 54% da população brasileira é negra, é a minoria que consegue um diploma universitário, ainda mais na área jurídica, onde apenas 28,8% dos estudantes de Direito são negros, caindo para 18,2% quando trata-se das faculdades com notas mais altas. E isso se explica, dentre diversos fatores, pela falta de oportunidades histórica que há para a população negra.

Contudo, a questão ainda maior, segundo a professora, não é apenas os números, mas sim a invisibilidade. Nem mesmo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) enxerga os advogados negros. Santos conta que, apesar de a quantidade de estagiários negros nos escritórios de advocacia brasileiros estar crescendo, “são apenas números”, pois quem realmente é efetivado no cargo ou ainda tem a oportunidade de promoção, são sempre os brancos.  Os juízes de segunda instância, do Supremo Tribunal Federal, são todos brancos. E a maioria do sexo masculino.

Santos conta que, em seu escritório de advocacia, onde atende principalmente causas trabalhistas, além de consultas para situações de violências e questões raciais, é muito comum que as pessoas peçam a diminuição de seu honorário por ser uma mulher negra. “Não é algo consciente, está no subconsciente das pessoas. É aí que falamos de racismo estrutural”. Quando trata-se de um homem branco, frase comum dita pelos clientes é “o preço dele é alto, mas é um ótimo advogado”. “É muito mais fácil pedir a diminuição do honorário para uma mulher negra”, afirma a professora-chefe. O racismo estrutural se mostra na falta de confiança na capacidade das mulheres advogadas, e ainda mais das advogadas negras. 

Em 2019 foi lançada a Associação Nacional de Advocacia Negra (ANAN), cujo objetivo é dar visibilidade aos advogados negros e orientá-los em diversos aspectos como de conhecimentos profissionais, intelectuais, pessoais, entre outros, além de combater o racismo na área jurídica, resultado de uma discriminação racial histórica. 

Estevão Silva, advogado negro e fundador da ANAN, afirma, em entrevista para o site Migalhas: “A ANAN também é um avanço histórico por que ela desvenda o racismo e discriminação na estrutura interna da Justiça, ela não é um encontro de advogados negros. É a declaração de que a estrutura judiciária não integra o membro negro altamente qualificado”.

 

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