Por Laila Santos
O professor José Willams, hoje na casa dos 40 anos, lembra com nitidez de sua adolescência no início dos anos 2000. Um sofá gasto, um filme da Sessão da Tarde, um pacote de biscoitos e a tranquilidade de simplesmente terminar o filme. Sem culpa. Sem produtividade embutida. Sem a sensação de estar devendo algo ao mundo. Naquele período, ele experimentava um tipo de ócio que considerava fértil. Enquanto a televisão rodava, criava desenhos, letras e formas, treinando sem perceber habilidades que carregaria para a vida adulta. Era um descanso que não precisava se justificar.
O mundo, porém, não oferecia a mesma liberdade para todos. Para famílias periféricas, pressionadas por jornadas longas e responsabilidades que extrapolavam a adolescência, parar era associado à preguiça. O tempo livre era visto como privilégio, não como direito. Ainda assim, para quem conseguia algum espaço, o ócio tinha outro significado. A rua organizava o dia: conversas na calçada, observação do movimento, brincadeiras improvisadas, pequenas descobertas. O silêncio não era incômodo, era espaço de criação.
Com o ingresso no mundo do trabalho, Willams percebeu como a sociedade moldava a ideia de descanso. O avanço tecnológico, a aceleração dos processos e a cultura da produtividade reforçaram a noção de que parar é falha. Ele lembra que, historicamente, esse pensamento ganhou força desde a Revolução Industrial, quando o trabalho passou a ser entendido como sinal de valor moral.
Ao longo dos anos, os empregos deixaram de representar apenas uma função e passaram a definir identidades. O que a pessoa faz se tornou quem ela é. Nesse cenário, qualquer pausa parecia perda. O descanso deixou de ser parte da vida e virou obstáculo. Para o professor, isso ajuda a explicar a culpa que tantos jovens sentem ao tentar descansar. Eles cresceram em uma lógica em que desempenho e reconhecimento se confundem, e onde a produtividade é usada como régua para medir caráter.
Entre adolescentes e jovens adultos, o descanso quase nunca é completo. O tempo livre é consumido por telas que oferecem estímulos contínuos. O cérebro segue trabalhando enquanto o corpo tenta relaxar, criando o que especialistas chamam de descanso ativo: uma falsa pausa, que não restaura e não organiza o pensamento. Os números ajudam a dimensionar essa sobrecarga. Estima-se que bilhões de e-mails circulem diariamente no mundo, enquanto cada pessoa lida com centenas de mensagens por aplicativos e redes sociais. É informação demais para um ritmo humano de processamento. A sensação de estar atrasado, ultrapassado ou improdutivo se intensifica, e descansar passa a ser visto quase como risco, como se a vida, lá fora, estivesse sempre acontecendo em maior velocidade.
A geração atual cresceu inserida em uma cultura que valoriza performance acima de tudo. A comparação constante, os conteúdos virais, as promessas de sucesso rápido e a exigência por atualização permanente criam um ambiente onde a pausa parece proibida. Willams observa que, enquanto os jovens tentam acompanhar esse ritmo, as máquinas são programadas para se aproximar cada vez mais da eficiência humana. A fronteira entre corpo e tecnologia se embaralha, e a sensação de insuficiência cresce. Nesse fluxo acelerado, o descanso ganha um novo significado: vira forma de resistência. Resistir ao cansaço imposto, às cobranças invisíveis, à ideia de que parar equivale a fracassar.
Para o professor, descansar deveria ser um direito básico. Mas, na prática, se tornou um privilégio, principalmente entre jovens periféricos, que lidam com jornadas múltiplas, falta de oportunidades e um tempo sempre escasso. A sociedade transformou a pausa em recompensa, não em necessidade. Quando isso acontece, o descanso deixa de organizar a vida e passa a parecer algo que precisa ser merecido. E ninguém deveria precisar merecer o próprio fôlego.
Willams defende que o ócio precisa voltar a ocupar o lugar que perdeu: o de tempo de existir, e não o de justificativa para existência. Para ele, quem consegue parar para respirar está, de fato, presente. Entre jovens, recuperar esse espaço pode significar desligar o celular sem culpa, aceitar o tédio como parte da vida e se permitir viver momentos que não geram conteúdo. Entender que descansar não é ausência de ação, mas presença de si. No fim, para o professor, sucesso não é alcançar o topo ou chegar primeiro. É conseguir seguir inteiro, mesmo com cicatrizes. E talvez essa seja a resposta mais urgente para a geração que vive exausta: antes de produzir, é preciso existir.