Entre os prédios do bairro de Perdizes e as praias do Guarujá, Jordí Martinez dedica seu tempo à família, sua cachorra Brisa e seu trabalho como desenhista. Espanhol radicado no Brasil, não é muito difícil reconhecer seu sotaque e o amor pela arte, área em que trabalha há mais de 40 anos.
Em entrevista exclusiva à AGEMT, o artista conversou por chamada de vídeo, em sua casa. Ao fundo, desenhos e livros enchiam o ambiente, sempre reforçando a sua presença artística.
Jordí acumula grandes títulos ao longo da carreira: desenhou quadrinhos do Sítio do Pica Pau Amarelo, Os Trapalhões, histórias de Edgar Allan Poe e o famoso Chacal. Hoje, o artista também desenvolve charges e caricaturas para seu perfil no Instagram, no qual usa de humor ácido para se posicionar politicamente.
“Meus desenhos para o Instagram não eram políticos, mas quando o Bolsonaro assumiu o poder, não consegui engolir aquele cara”, diz Jordí, com um senso de obrigação em se posicionar contra o que estava acontecendo na época, principalmente para mostrar o seu ponto de vista aos seus seguidores mais jovens.
O desenhista chegou às terras brasileiras durante o período da Ditadura militar. Votou pela primeira vez por aqui e vivenciou todos os governos desde então. Jordí, que afirma sempre ter um conteúdo novo para produzir, fazia de duas a três charges diárias para sua conta nas redes sociais. Hoje, com os preparativos para a CCXP24 a todo vapor, ele produz apenas uma por dia, mas sempre com doses de humor, recheada de opiniões e posicionamento político.
Jordí estará presente no evento todos os dias: “Esse convite da CCXP foi muito legal. Eu já trabalhei com publicidade, conheci e falei com muitas pessoas, então estou mais pro sossego hoje em dia (risos), não tenho mais a necessidade de estar envolvido nessa multidão”.
Mesmo assim, ele se mostra ansioso e dedicado ao falar sobre os seus preparativos. Martinez já participou uma vez do evento como convidado, mas afirma que dessa vez será diferente. Agora o artista terá sua própria mesa no Artists’ Valley, onde divulgará vários de seus trabalhos. “Vou conseguir vender o que eu quiser: alguns prints, cursos de desenho, talvez eu venda um original.”, afirma o ilustrador.
Além disso, ele também planeja outros lançamentos para o evento: “Já estou fazendo uma história nova. Eu não queria fazer, dá muito trabalho (risos), mas eu gosto.”
Segundo ele, o contato chegou depois da produção da CCXP ter se encantado com um de seus relançamentos mais aguardados, o Chacal. A obra foi muito bem recebida pelo público, mesmo depois de 43 anos de espera. “O desenho e a história já estavam prontos, então foi uma mão na roda! As pessoas adoraram! A capa é muito linda, tudo está muito bem feito”, ele conta.
Chacal, inicialmente publicado pela extinta editora Vecchi, conta a história de um caçador de recompensas implacável, no estilo faroeste. Esse foi um dos trabalhos mais marcantes de Jordí; não é à toa que diversas editoras, como a Ucha Editora, Skript e Tábula, o procuraram para lançar novas histórias do título.
“Foi uma conquista desenhar esse personagem. Na época, a editora Vecchi estava procurando artistas para desenvolver um personagem de faroeste. Eles fizeram um teste com vários desenhistas, foi difícil, mas eu caprichei. Ofereci qualidade e consegui! Gostaram do meu trabalho e ter a oportunidade de desenhar o Chacal foi magnífica! Até hoje tenho os desenhos do primeiro Chacal, feito a mão com bico de pena e pincel”, conta.
Além de Chacal, outro trabalho de Jordí foi republicado há dois anos atrás: “Manuscrito encontrado numa garrafa”, uma história de Edgar Allan Poe. A diversidade de gêneros nos trabalhos de Jordí é evidente, passando pelo infantil e aventura até chegar no macabro e erótico.
Quanto a esta ecleticidade, o desenhista comenta: “Isso [eu faço] pela sobrevivência, mas eu sempre gostei. Ninguém me dizia que eu não poderia desenhar dos dois jeitos. Eu estou habituado com revistas de humor desde garoto. Depois eu comecei a gostar dos desenhos mais sérios, acompanhei algumas revistas francesas de aventura”.
“Depois que cheguei no Brasil, tive a chance de entrar na editora Rio Gráfica (atual Globo). Ali comecei a desenhar personagens infantis, como os do Sítio do Pica-Pau Amarelo”, completa.
Jordí considera o desenho como seu melhor amigo, pois desenhou durante todas as fases da sua vida, desde a infância: “Quando eu não estou desenhando, estou criando; quando não estou criando, estou aprendendo; quando não estou aprendendo, estou dando aula. Tudo está muito ligado ao desenho”.
Ele percebeu que poderia realmente trabalhar com isso após sua mãe vender um de seus desenhos a uma loja de móveis. O artista trabalhou durante um período com agência de publicidade, mas o restante da carreira foi focado no lápis e no papel.
Jordí chegou ao Brasil com 18 anos, sem documentos, dinheiro e companhia. Durante muito tempo enfrentou desafios e lutou pelas suas conquistas. “Eu poderia ter feito qualquer coisa, poderia estar morto, poderia estar em uma cadeia (risos), mas eu sempre fui fiel ao desenho e o desenho fiel a mim. A folha em branco é tudo, ela recebe tudo que você dá para ela. Quanto mais amor você der, mais amor ela vai te dar.”
“Eu sobrevivi a vida inteira desenhando, e quando eu me aposentei, consegui ter tempo de realmente aprender a desenhar. Quando você tem que matar um leão a cada dia para sobreviver você faz de tudo e não tem muito tempo para aprender da forma tradicional. Eu ia aprendendo em cima da correria. Depois de um tempo aqui no Brasil, voltei para a Espanha e tive a oportunidade de visitar mais museus, estudar e conhecer mais da arte. Foi uma experiência muito enriquecedora”, finaliza.