Javier Milei vence as eleições presidenciais na Argentina

Com 55% dos votos, ultralibertário ganhou a corrida presidencial contra Sérgio Massa e toma posse no dia 10 de dezembro.
por
Manuela Troccoli
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21/11/2023 - 12h

Neste domingo (19), o candidato Javier Milei, da coalizão La Libertad Avanza, foi eleito o novo presidente da Argentina. Milei venceu Sérgio Massa, atual Ministro da Economia do país, candidato da coligação peronista União pela Pátria, que pleiteava uma vitória progressista nas eleições gerais de 2023.

Às 20h do domingo (19), com 98,93% das urnas apuradas, o deputado Javier Milei foi considerado eleito após receber 55,72% dos votos válidos contra 44,27% dos votos válidos recebidos por Massa. A diferença de quase 12% foi a maior vantagem de um candidato eleito a presidente nas eleições da Argentina.

No 1º discurso como vencedor, o presidente eleito agradeceu a Patrícia Bullrich - candidata que foi terceira colocada no 1° turno e declarou apoio a Milei no 2° turno - e Maurício Macei, ex-presidente do país. “Hoje começa a reconstrução da Argentina”, disse Milei, ao afirmar que começou “o fim da decadência”. 

Antes mesmo da divulgação dos resultados oficiais, Sérgio Massa reconheceu a vitória de Milei. Através de um discurso aos apoiadores, Massa agradeceu os votos recebidos e parabenizou seu adversário. “O mais importante que temos que deixar esta noite é a mensagem de que a convivência, o diálogo e o respeito pela paz é o melhor caminho que podemos percorrer”, afirmou o ministro da economia. “Hoje terminou uma etapa em minha vida política e seguramente a vida me prepara outras possibilidades, mas sempre poderão contar comigo defendendo os valores do trabalho, a educação pública, a indústria nacional [e] o federalismo como valores centrais da Argentina", concluiu Massa.

 

Milei celebrando vitória
Cr: Divulgação

Repercussão do resultado

A vitória de Javier Milei nas eleições presidenciais da Argentina gerou repercussão internacional e incertezas sobre o futuro do país.

Nos Estados Unidos, o The New York Times descreveu Milei como um "economista e ex-personalidade televisiva praticamente sem experiência política". O jornal americano classificou o presidente eleito com "um estilo ousado, uma adoção de teorias da conspiração e uma série de propostas extremas que ele diz serem necessárias para derrubar uma economia e um governo falidos".
O ex-presidente americano Donald Trump parabenizou Milei pelo resultado e afirmou que estava “orgulhoso”.

No Brasil, sem citar Javier Milei, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva exaltou a democracia, as instituições argentinas e desejou boa sorte ao novo governo. Vale lembrar que em declarações recentes, ainda durante a campanha, Milei chamou Lula de “comunista nervoso”. Abertamente, Lula apoiou o candidato Sérgio Massa, e manteve uma estreita relação com o atual presidente argentino, Alberto Fernández.

O ex-presidente Jair Bolsonaro - apoiador de Milei durante toda campanha - o parabenizou pela vitória. "Parabéns ao povo argentino pela vitória com Javier Milei. A esperança volta a brilhar na América do Sul. Que esses bons ventos alcancem os Estados Unidos e o Brasil, para que a honestidade, o progresso e a liberdade voltem para todos nós", publicou o ex-presidente em uma rede social. 

O novo presidente argentino também recebeu saudações do presidente chileno, Gabriel Boric, e do presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou.

Dentro da Argentina, os jornais apresentam pontos de vista de ambos os lados. Enquanto o jornal Info Bae define a vitória como “mérito sujo”, o Clarín afirma que sua eleição representa “uma vitória para o movimento global de extrema direita”.

Quem é Javier Milei?

Economista, libertário e representante do partido La Libertad Avanza, Javier Milei atualmente constitui a câmara dos deputados. Apesar de ter vencido as eleições e demonstrar força nas urnas, Milei se destacou graças a seu desempenho fora da política, na música e no futebol. O agora presidente argentino classifica seu discurso como “liberal libertário”, e foi através de suas aparições neste sentido que conquistou espaço na política Argentina.

O deputado surpreendeu ao lançar sua candidatura à presidência ainda em 2020, três anos antes da eleição. O anúncio foi crucial para a carreira política, visto que marcou a consolidação da coligação “La Libertad Avanza”. Milei surgiu como nova força política e suas propostas atraíram pessoas que estão descontentes com a situação atual e desejam um fator novo na política.

A Argentina enfrenta um momento econômico delicado, com inflação de 138%, desvalorização do peso argentino e cerca de 40% da população na pobreza. Foi justamente este cenário que enfraqueceu a campanha de Massa - atual Ministro da Economia - e deu fôlego a Milei. O novo presidente terá de apresentar medidas efetivas e de rápido efeito, para mudar o quadro econômico nacional.

Entretanto, sua postura combativa também assusta algumas pessoas, e muitas vezes é tida como “descontrolada”.Chamam atenção também as polêmicas nas quais Javier Milei já se envolveu. Entre elas estão os discurso acerca da portabilidade de armas, criminalização do aborto, criação de um mercado de órgãos e a eliminação de ministérios.

Sobre a portabilidade de armas, o economista defende a desregulamentação do porte de armas de fogo e argumenta, com ênfase, que um Estado com livre porte de armas tem menos delitos. No âmbito da saúde, Milei se demonstrou a favor da proibição do aborto no país e sugeriu a criação de um mercado de órgãos, tendo em vista aumentar o fluxo de compra e venda na Argentina.

Ponto central na campanha, Milei defende uma redução no número de ministérios, que passariam de 18 para apenas 8. Com o enxugamento, os ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação, Cultura, Obras Públicas e Mulheres, Gênero e Diversidade, seriam alguns dos dissolvidos. 

Os rumos da Argentina de Milei

A vitória de Milei simboliza uma sociedade que optou por se distanciar da política tradicional, elegendo um homem que nunca fez parte da estrutura que governou o país. O presidente eleito tem ideias econômicas que expressam uma variante extrema do neoliberalismo e com valores que, em muitos sentidos, contrastam com tudo o que parece irreversível na Argentina.

Durante a campanha, o candidato do partido Libertad Avanza falou sobre a “dolarização” da economia Argentina, dissolução de alguns Ministérios, 'dinamitar' o Banco Central, flexibilização Trabalhista, saída do Mercosul e afastamento da China e Brasil e a privatização de empresas e obras estatais. 

Segundo Milei, a “dolarização” será feita em dois anos e meio, é uma das propostas que mais recebeu holofotes. O ultralibertário afirmou que a medida irá retirar a Argentina da inflação, junto a flexibilização do mercado e com isso promover mais trabalhadores no país. 

Dolarizar um país significa adotar o dólar americano como moeda oficial, substituindo a moeda nacional, nesse caso o peso argentino. Isso implica em usar o dólar para transações cotidianas, preços, salários e demais atividades econômicas dentro do país, a fim de conter problemas econômicos e buscar uma moeda estável. Países como El Salvador e Equador já adotaram essa prática.

Entretanto, dolarizar um país é uma mudança complexa e envolve vários desafios, sobretudo constitucionais, e pode resultar na perda de controle sobre a política monetária nacional.

Seguindo a ideologia libertária, o novo presidente também falou sobre 'dinamitar' o Banco Central. Na prática, o que Milei defende é eliminar ou reduzir significativamente o papel e a influência do agente emissor de Pesos Argentinos - chamados por ele de "excremento" - na economia. O ultralibertário argumenta que o Banco Central interfere excessivamente no mercado financeiro e monetário, e que uma abordagem descentralizada será mais benéfica para a economia do país. 

Na política externa, o novo morador da Casa Rosada revelou a pretensão de se afastar de países de ideologias que classificou como “comunistas”, citando países como Brasil e China. "Não tenho parceiros socialistas" e “Eu não promoveria a relação nem com China, nem com Cuba, nem com Venezuela, nem com Nicarágua e nem com a Coreia do Norte”, foram algumas falas durante a campanha.

O novo presidente também falou sobre a retirada da Argentina do Mercosul, bloco econômico constituído por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Milei também se mostrou contra o ingresso dos argentinos no BRICS - grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

"A todos que estão nos olhando de fora da Argentina, quero dizer que a Argentina vai voltar a ocupar no mundo o lugar que nunca devia ter perdido", afirmou Milei em seu primeiro discurso após a eleição.

Dentre as falas voltadas à educação, se destaca a proposta da criação de “vouchers” para tirar dos jovens a obrigatoriedade de estudar, implementando uma lógica de "cheques educativos", presente no Chile. Os "vouchers de educação" referem-se a um sistema em que o governo subsidia a educação pública e privada, dando às famílias um vale para ser usado nas instituições de ensino. Este vale pode se dar de maneira monetária e mistura setores público e privado na oferta de educação, ou seja, pode ser usado para pagar a mensalidade em escolas particulares credenciadas ou em algumas escolas públicas que aderiram ao sistema.

O sistema de vouchers pode ser visto de maneira controversa: de um lado, tem aqueles que argumentam que o modelo leva a disparidades no acesso à educação de qualidade, enquanto outros veem benefícios na liberdade de escolha e na competição entre as instituições.

Em saúde, Milei falou durante toda a campanha sobre o desejo de eliminar o sistema de saúde pública. No entanto, em seu último discurso, três dias antes das eleições, recuou. “Não vamos privatizar a saúde. Não vamos privatizar a educação. Não vamos reformar o Incucai (Sistema argentino de transplante de órgão). Não vamos privatizar o futebol. Não vamos permitir o porte irrestrito de armas”, afirmou o presidente eleito.

Primeiro turno

As eleições argentinas possuem peculiaridades. Assim como no Brasil, são realizadas a cada 4 anos, no entanto, para ser eleito presidente no 1º turno, é necessário conquistar ao menos 45% dos votos válidos ou 40% dos votos com uma diferença de 10 pontos percentuais em relação ao segundo colocado. Como isso não aconteceu após a votação do dia 22 de outubro, quando Massa obteve 36,64% dos votos válidos contra 30,01% de Milei, os candidatos partiram para a disputa do 2º turno, que colocou Milei no posto de Presidente da República após receber maior quantidade bruta de votos.

Próximos passos

A transição de governo já começou, e o primeiro encontro de Alberto Fernández e Javier Milei aconteceu na manhã de terça-feira (21). No país, esta etapa segue um protocolo específico que prevê vários encontros e coordenação entre o governo em exercício e a equipe do presidente eleito, para garantir uma transferência eficiente de responsabilidades que visa assegurar uma transição suave e estável entre as administrações.

O presidente eleito assume a Casa Rosada a partir do dia 10 de dezembro de 2023. Como primeira movimentação, os cidadãos aguardam ansiosamente a formação do gabinete de ministros, o que dará uma fotografia interessante do que esperar nos próximos quatro anos. Até o momento já foram anunciados o advogado Mariano Cúeno Liberona, que assumirá o cargo de ministro da Justiça, e a ex-candidata ao governo de Buenos Aires, Carolina Píparo, que comandará a Administração Nacional da Segurança Social (Anses). 

Além disso, é importante reforçar que Javier Milei não possui maioria no Legislativo argentino. Na Câmara dos Deputados, o partido de Milei tem apenas 37 das 257 cadeiras, enquanto no Senado, a sigla tem apenas oito das 72 vagas. O partido de Sérgio Massa, derrotado no pleito, segue com maioria na Câmara (107 deputados) e no Senado (34 senadores). A segunda maior bancada nas duas casas é a do partido Juntos pela Mudança, do ex-presidente Maurício Macri, com 93 deputados e 24 senadores. A composição do legislativo indica uma fragilidade de Milei, que terá desafios para emplacar suas pautas.