O mês de junho, desde 2008, é o Mês da História do Povo Romani. A celebração, que ocorre em sua maior parte no Reino Unido, auxilia no combate ao preconceito e discriminação sofrida por esse povo. Através da conscientização, a data desafia os mitos e dá voz aos membros em geral.
Hoje, em pleno século XXI, os romanis ainda encontram dificuldades para sobreviver e viver em paz na maioria dos países, muitas vezes identificados como embusteiros e, até mesmo, ladrões. Embora as organizações internacionais e não governamentais tenham tentado melhorar os padrões de vida das comunidades roma em diferentes países, especialmente na Europa, a comunidade permanece em grande parte isolada da população em geral.
“Para mim, o Mês da História Romani é sobre capacitar nossa comunidade, olhando para nossa história de sobrevivência e como podemos continuar a prosperar mesmo depois de tudo o que passamos. Há uma visão geral do nosso povo de que olhar para trás não trará nada além de lembranças ruins do que passamos, e ter um mês dedicado à nossa história, nossas lutas e tudo o que introduzimos através de nossa cultura é incrivelmente importante. Isso mostra que somos um povo resiliente, não os estereótipos que as pessoas pensam de nós", afirma Olivia, romani de 22 anos, de Nevada (EUA).
Historicamente, existem diferentes formas de se referir ao povo romani, de acordo com as regiões que habitam. A origem do termo romani permanece incerta, mas remonta à segunda migração em torno do ano 500. Enquanto ao termo “cigano” vem dos nativos brancos europeus, que acreditavam que os imigrantes vieram do Egito - este termo é, muitas vezes, tomado como um insulto por parte de alguns membros da comunidade.
“Através dos séculos, os ciganos foram vítimas do isolamento e discriminação dos europeus nativos. Por exemplo, na Europa, foram submetidos a uma limpeza étnica, rapto de crianças e trabalho forçado. Na Inglaterra, os ciganos eram expulsos das comunidades, às vezes, pequenos ou eram até mesmo enforcados no início do século XIX. Na França, eles foram marcados tendo barbeadas as suas cabeças, na Morávia e Boêmia as mulheres foram marcadas tendo suas orelhas cortadas”, afirma Carla Cristina, pesquisadora em gênero, mulheres, condição social, relações sociais e políticas sociais, e doutora em Ciências Sociais.
Por que a representatividade dos rom é tão importante na mídia ?
Wanda Maximoff, popularmente conhecida como Feiticeira Escarlate, é uma super-heroína da Marvel Comics, criada em 1964 por dois escritores judeus, Jack Kirby e Stan Lee. Nascida em um acampamento romani, dentro de sua cultura e costumes, adotou o sobrenome Django Maximoff de seu pai em homenagem a duas lendas da cultura romani, Django Reinhardt e Matéo Maximoff.
Na adaptação da personagem para os filmes da Marvel Studios, Elizabeth Olsen, atriz branca e não pertencente aos roma, foi escolhida para dar vida à bruxa. Apesar de ser uma das super-heroínas mais poderosas no mundo dos quadrinhos, a escalação ainda gera, em especial nas redes sociais, debates em relação ao apagamento cultural e histórico da comunidade romani no mundo do entretenimento.
Em entrevista à AGEMT, membros da comunidade relataram suas experiências com as representações no meio cultural. "Acho importante elevar as vozes romani e mostrar às pessoas que não somos apenas criminosos ou que nosso futuro sempre será a pobreza. No ambiente cultural, isso mostra às pessoas que não somos uma cultura de ladrões, mas que somos capazes de ser heróis, de retribuir às comunidades externas e que não estamos perpetuamente presos à pobreza porque queremos", contou Itzel, 25 anos, do México. Maria Charlotte, neta de romani, também afirma que as representações perpetuam um ideal racista e estereotipado. "A maioria das representações que eu vejo na mídia, hoje em dia, são visões racistas do meu povo. Um exemplo disso é o personagem Dick Grayson, da DC Comics, que só sofreu o reboot como roma para ser hipersexualizado, ou até mesmo a adaptação extremamente ridícula de Buffy Caçadora de Vampiros, que constantemente bate na tecla de que romanis são sujos, sorrateiros e que vivem jogando maldições em gadjos. Claro que algumas representações funcionam, mas a maioria só leva estereótipos racistas sobre nós para a mídia.", relatou ela.
A eliminação da cultura romani é uma consequência dos anos de opressão sofridos pela comunidade durante o holocausto e os anos de linchamento por vários países. A representatividade faz com que as pessoas compreendam a discriminação e atrocidades cometidas contra o povo romani - que não duraram apenas décadas, mas centenas de anos - e se conscientizem em relação à essa problemática. Itzel também comenta que esse comportamento midiático menospreza sua cultura. “Eu vejo que a nossa cultura e identidade não são levadas a sério, sendo transformada em fantasia e tratada como uma piada. Não nos dão nenhum crédito pelo o que criamos - a menos que eles o associam ao crime -, então o apagamento é basicamente menosprezar nosso povo e nossa cultura; não somos bons o suficiente para uma representação precisa, basicamente.”
Personagens como Wanda e Pietro Maximoff, ou até mesmo Victor Von Doom, têm um papel importante para as produções culturais, pois contribuem para a diversidade das representações e quebram com o estereótipo racista. "Vejo muita importância em apagar estereótipos e redefinir nossa cultura através de nossas lentes. As pessoas sempre usam estereótipos e caem no racismo para se justificar, porque não temos representação. Na realidade, nunca temos a oportunidade de mostrar nossa cultura, nossa história e opressão através de nossa perspectiva. Também mostra a outros ciganos que eles não estão sozinhos. É importante mostrar nossa cultura através de nossos olhos para evitar racismo e estereótipos e elevar nossas vozes", explica Olivia. Maria Charlotte complementa: "[...] assim como toda representatividade de minorias étnicas, a representatividade romani serve para fazer as pessoas abrirem mais as mentes e nos aceitar mais."