Invisíveis perante a sociedade

Como a sociologia e a psicologia podem explicar o desprezo pela a população em situação de rua
por
Christian Pereira Policeno
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18/11/2022 - 12h

Não é novidade que a sociedade de modo geral, principalmente a brasileira, vive um momento extremamente difícil. Seja por conta do alto índice de desemprego, a alta inflação dos produtos mais básicos no mercado, a violência cada vez mais presente no dia a dia e muitos outros problemas que as pessoas vivem diariamente. Porém, toda vez que estas dificuldades são trazidas à tona, principalmente no período que houve no país recentemente (as eleições), existe um “grupo” de pessoas que sofre ainda mais que a população de modo geral, porém é esquecido historicamente, tanto pelo estado, quanto pela própria sociedade: a população em situação de rua.

Segundo o Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, (plataforma do Programa Transdisciplinar Polos de Cidadania da Universidade Federal de Minas Gerais), em maio de 2022, 184.638 pessoas viviam em situação de rua no Brasil, este número torna-se ainda mais problemático visto que em dezembro de 2021, o número de pessoas nesta condição era de 158.191 pessoas, ou seja, só neste pequeno espaço de tempo, a quantidade de indivíduos nesta condição aumentou em 26.447 pessoas. A capital paulista lidera este ranking de maneira isolada, possuindo ao todo 42.240 pessoas em situação de rua, um número quase quatro vezes maior que a cidade do Rio de Janeiro, que ocupa a segunda colocação, com 10.624 pessoas.

Todavia, apesar dos dados comprovarem que esta dura realidade é muito presente no país, e tem se tornado cada vez maior, a população de modo geral se acostumou com isto, tratando esta situação de uma maneira extremamente comum, fazendo com que as pessoas em situação de rua tornem-se invisíveis perante a sociedade. O pós-doutor em sociologia pela UNICAMP, Michel Netto, trouxe alguns pontos sobre o assunto:

“Sobre a questão do estado, não se pode trazer como apenas uma questão homogênea, ou seja, os diferentes governos que passaram pelo país nos últimos anos, tiveram diferentes formas de lidar com este problema, uns lidando de uma maneira mais correta, outros realizando ações completamente diferentes, tratando a população de rua de maneira completamente incisiva e violenta [...] Além disto, não se pode dizer que a relação da população e do estado é uma questão de causa e efeito, mas sim, existe uma influência por parte do estado nesta situação, além de outras questões”

Michel Nicolau Netto - Foto: ReserchGate
               Michel Nicolau Netto - Foto: ReserchGate

Outrossim, Michel trouxe a visão do Neoliberalismo sobre o assunto, que ajuda a entender a situação:

“A ótica do neoliberalismo, muito citada e estudada por Michel Foucault traz um aspecto muito subjetivo do ser humano, onde o indivíduo é o único responsável por efetuar suas próprias ações, seja no campo econômico, ou em todas as outras maneiras de enxergar o mundo. Isto também reflete em um certo egoísmo do ser humano, que acredita que só as pessoas que estão passando pela situação devem tomar as ações para resolver estes problemas, e é claro, acarreta em um pensamento parecido sobre a população de rua, visto que observando principalmente por um olhar meritocrático, as pessoas podem acreditar que apenas o próprio mérito deve ser o fator de transformação positiva para este grupo”.

Observando o assunto por outra ótica, é possível observar através de dados negativos, como a psicologia pode auxiliar a população a enxergar este assunto de outra maneira. Segundo dados da Fiocruz, e de outras seis universidades, sentimentos frequentes de tristeza e depressão afetavam 40% da população adulta brasileira, e sensação frequente de ansiedade e nervosismo foi relatada por mais de 50% destas pessoas no ano de 2021, estes problemas psicológicos que em suma maioria não são tratados no país, influenciam o pensamento e as atitudes da população com relação as pessoas em situação de rua, conforme explica o estudante de psicologia da PUC-SP, Davi Ruiz:

“Uma sociedade doente mentalmente que não busca olhar pra suas próprias questões mal resolvidas, dificilmente será capaz de olhar para a dor do outro, já que a nossa sociedade contemporânea puxa o indivíduo para olhar apenas para si mesmo”

Davi Ruiz - Foto: Instagram
                       Davi Ruiz - Foto: LinkedIn

Davi também trouxe a questão do neoliberalismo para o assunto:

“O sistema neoliberal capitalista contribui pra um esgotamento mental e para esse egoísmo no qual vivemos atualmente. Neste sistema, que acarreta em uma série de transtornos mentais, tornam o indivíduo voltado apenas para si próprio, tanto por trazer uma grande realização pessoal ao atingir os seus objetivos, como por uma grande frustração por não atingir este mesmo êxito. E a terapia/psicologia podem ser um refúgio extremamente positivo para que o indivíduo possa externalizar estas angústias, tendo um olhar menos egocêntrico sobre a sociedade, e as pessoas em situação de rua, e mais coletivo”.

Desta forma, observando por estes dois aspectos, é possível ao menos ter a ciência de que existem explicações sobre o por que a sociedade lida com esta circunstância de maneira tão egoísta, trazendo a responsabilidade do auxílio as pessoas em situação de rua apenas para ONGS, instituições religiosas, e para o governo. Porém, isto não isenta a população de se omitir tanto em meio a este assunto, visto que mesmo em meio a todas estas condições que colaboram para que as pessoas venham a ser cada vez mais individualistas, ainda é deplorável que a sociedade venha se isentar tanto dessa responsabilidade, e mais do que isso, venha aceitar que a população de rua se mantenha vivendo em situações completamente desumanas.