Em meio às responsabilidades profissionais, mulheres têm que lidar com outro trabalho, que é invisibilizado: o doméstico. Segundo uma pesquisa de 2021 publicada pela Think Olga em parceria com a Brastemp, a cada 100 homens que se casam, 12 já não lavavam roupa, e outros 38 deixaram de lavar. Já a cada 100 mulheres, 93 já exerciam essa atividade, sendo que apenas uma passou a fazer só depois da união matrimonial.
Entre lavar a louça e preparar refeições, mulheres lidam com grandes responsabilidades e acabam sobrecarregadas em meio à dupla jornada de trabalho. Apesar de tomar tempo e influenciar diretamente a vida das pessoas, esse afazer assumido majoritariamente por elas, não é valorizado e amplamente discutido, como explica a advogada e covereadora pela Bancada Feminista do PSOL, Paula Nunes: “Quando a gente fala sobre trabalho, sempre pensa no de fora de casa. Mas esquecemos que existe outra parte da engrenagem de funcionamento da sociedade, que é o trabalho dentro da residência, os serviços domésticos. Ele é invisível e fica nas costas das mulheres”.
Segundo pesquisa de 2019 feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), pessoas acima de 25 anos praticam 89,2% a mais de atividades domésticas do que os mais jovens. No entanto, 85% desses afazeres são realizados exclusivamente por mulheres.
Ainda de acordo com o Instituto, em relação às diferenças da distribuição dos trabalhos domésticos por gênero, a Região Nordeste é a que apresenta maior contraste, sendo praticados por 69,2% do total de homens e 90,2% de mulheres.
Em termos de cor ou raça, foi revelado que, entre as brancas, 91,5% realizam atividades domésticas, enquanto entre as pretas esse número corresponde a 94,1% e as pardas, 92,3%.
O fato das mulheres pretas se encontrarem em maior porcentagem nas comparações de cor, raça, gênero ou situação econômica é reflexo do machismo e racismo que estão estruturados na sociedade como um todo, como afirma Nunes: “Para as mulheres negras, que não são tão vistas como ‘o sexo frágil’, é imposto que trabalhem sem parar e quando elas chegarem em casa, que se virem. Isso porque não tem como relegar esses cuidados a outra pessoa. Esse peso recai muito mais forte para mulheres negras e periféricas”.
Segundo o relatório “Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade”, realizado pela Oxfam Brasil em 2020, a desigualdade econômica é resultado de um sistema sexista falho. Ele valoriza o acúmulo de riquezas concentrado nas mãos dos homens e descredibiliza as atividades domésticas não remuneradas e exercidas principalmente por mulheres.
Em consequência dessa sobrecarga, foi constatado pelas universidades dos estados do Arizona e Oklahoma que a saúde mental desse grupo se vê mais afetada. Segundo a psicóloga Tayara Maronesi, os impactos desse trabalho acontecem de diversas formas: “A sobrecarga é mental, emocional e física pela dupla jornada. A culpa pela sensação de que não é possível dar conta, pode gerar cansaço extremo, sintomas de ansiedade, depressão e burnout”.
Ainda de acordo com Maronesi, essas consequências acarretam na diminuição da qualidade de vida das mulheres: “Afasta delas o autocuidado. Diminui a autoestima, afinal, esse é um trabalho invisível. Muitas mulheres sentem que não estão fazendo nada. Logo, não deveriam se sentir assim, não deveriam reclamar”.
De acordo com a pesquisa “Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia”, de 2020, os afazeres domésticos aumentaram durante a crise sanitária. 23% das entrevistadas afirmaram que a participação de outras pessoas nos cuidados com a casa diminuiu nesse período. “A pandemia impactou seriamente em vários aspectos para as mulheres. Todo mundo ficou preso em casa e com relações doentes. Aquela mulher que tinha ajuda, como uma empregada, deixou de ter. Agora ela se vê mais sobrecarregada, uma vez que a sua carga horária de trabalho oficial não diminuiu. Isso é uma desumanização”, afirma a advogada Hellen Moreno.
Dessa forma, a implementação de políticas públicas que regulamentem essa atividade e visem a equidade de gênero é essencial, mas a mudança deve partir da estrutura social, como afirma Moreno: “A base da nossa mudança é a mentalidade da sociedade. Precisamos entender o quanto esse trabalho é essencial, mas invisível. Enquanto ela estiver fazendo isso sozinha e sem remuneração, nós vamos continuar perdendo, não conseguiremos empatar esse jogo nunca”.