“Eu sou Longun Edé. O grande príncipe herdeiro da raça dos meus pais! Tenho a sensibilidade e a inteligência de minha mãe e a bravura e a esperteza de meu pai. Caçador e pescador, sou minha própria natureza. Sou o único capaz de reunir todos os mundos. Sou o equilíbrio entre os homens e as mulheres. Sou cultuado nos axés do Brasil.”
Escreveu Anitta, homenageando o orixá em sua postagem do Instagram que anunciava seu novo clipe musical “Aceita”, no qual ela abrange temas de sua religião afro-brasileira, o Candomblé. Após a divulgação, a cantora perdeu mais de 200 mil seguidores na rede social. Essa não seria a primeira vez que ela mencionou a sua religião para o público, mas foi o primeiro trabalho em que ela a retrata abertamente na música.
Essa reprovação sofrida pela artista reflete à intolerância religiosa propagada no Brasil, um país majoritariamente cristão, que historicamente repele culturas de origens que não são brancas. Durante o período escravagista, os escravos cultuavam suas religiões e entidades africanas, que eram vistas como bruxaria pelo povo católico, de origem europeia. Entre as religiões originadas na África, estava o Candomblé. Vanderlei Aurora, que é parte do Candomblé há 12 anos, conheceu a religião por meio de uma amiga que o levou para conhecer um terreiro. Ao ser questionado sobre intolerância e preconceito, ele afirma que já ouviu falas discriminatórias a respeito do uso de roupas brancas: “As pessoas olham e falam ‘Olha lá os macumbeiros’” e relata, também os olhares tortos que recebe das pessoas na rua.
Sua prática do Candomblé é a conhecida como “Jeje”. Ele afirma que existem tipos diferentes de manifestar essa religião, a qual são organizados os terreiros com frequência quando há festas. A religião ainda é confundida com a umbanda por leigos por se assemelharem na origem africana e ambas terem orixás e, ao ser questionado sobre as diferenças, Vanderlei enfatiza que, enquanto a umbanda foi desenvolvida no Brasil, o Candomblé veio direto da África.
Como alguém que sempre foi alvo de críticas desde o começo de sua carreira, após perder parte dos seguidores, Anitta afirmou em seu perfil do Instagram que não recebe as críticas com negatividade: “Eu não acredito no céu e no inferno, não acredito no diabo... acredito que todos nós temos o poder de manifestar em nós o divino e a diabólico. Quando recebo mensagens de repúdio e intolerância religiosa, não sinto energia divina sendo emanada em minha direção, sinto a energia contrária. Eu tenho fé, não tenho medo.”
De acordo com a pesquisa Datafolha de janeiro de 2020, 50% dos brasileiros são católicos e 31% são evangélicos, enquanto 2% da população segue religiões afro-brasileiras, tais como a Umbanda e o Candomblé. As denúncias de intolerância religiosa vêm aumentando desde o ano de 2021, apesar da prática ser proibida por Lei. A maioria desses casos são direcionados a religiosos de origem africana, enfatizando a relação entre intolerância e racismo religioso. As manifestações de intolerância ocorrem desde piadas preconceituosas até atos de violência e vandalismo contra os terreiros e os praticantes. Além dos ataques sofridos pelos negros por seus cultos, o preconceito também é direcionado a religiões islâmicas, que ainda são alvos de muita crítica e desinformação sobre as práticas religiosas.