Após oito meses fechado para reforma, o Museu do futebol, no Pacaembu, reabriu suas portas em julho deste ano. De cara nova, o estabelecimento faz uma homenagem aos jogadores e times que foram essenciais para a história do esporte, dentre eles o Vasco da Gama, equipe de futebol que foi essencial para a luta contra o racismo na modalidade.
O futebol chegou ao Brasil no final do século dezenove, alguns anos após a abolição da escravidão, sendo algo exclusivo da elite branca do país. A inserção de pessoas negras no esporte era vista com maus olhos pela aristocracia brasileira, que não desejava dividir espaço com eles e por isso impuseram regras que dificultaram a participação desse grupo – e os que entravam estavam sujeitos a maus tratos dentro das equipes.
Não tardou para que a luta pela inserção dessa minoria começasse: em 1900 o time Ponte Preta foi fundado por Miguel do Carmo, Migué, conhecido como o primeiro afrodescendente a jogar em um clube de futebol. O time era originalmente um clube de bairro e tinha como marca dar oportunidade a jogadores negros que não eram admitidos em outras equipes, motivo esse que levou as torcidas rivais chamarem o time de “macacas”, que, em resposta, acatou com bom-humor como mascote do time até hoje.
O time Bangu também foi essencial na luta por igualdade racial no esporte. Em 1905, a equipe escalou o tecelão Francisco Carregal como um dos onze jogadores no elenco principal, sendo o primeiro de muitos negros que viriam a integrar o time, como Leônidas da Silva, por exemplo. Outro grande nome para o futebol afrodescendente brasileiro é Arthur Friedenreich ou El Tigre, como também era conhecido. Filho de pai imigrante alemão e mãe brasileira, Arthur conquistou o título da Sul-Americana para o Brasil em 1919, em uma partida contra o Uruguai. Por mais que fosse um nome grande, El tigre não estava livre do racismo no esporte, fato que o fazia alisar o cabelo e usar pó de arroz na intenção de parecer mais “europeu”. Em 1921 ele foi impossibilitado, junto de outros jogadores, a participar do Sul-Americano após decreto de Epitácio Pessoa, então presidente da época, que impossibilitava atletas negros e mulatos a representarem o país na seleção brasileira.
Mesmo o Vasco da Gama não sendo o primeiro time a ter negros em sua formação, sua atuação na democracia racial no esporte foi imprescindível. Em 1922, o clube disputava a segunda divisão com um time composto por afrodescendentes e operários, um ano depois já disputava a primeira junto de times consagrados, se tornando o campeão carioca de 1923. Em 1924, a AMEA (Associação Metropolitana de Esportes Atléticos) – fundada por clubes de elite, como Fluminense e Botafogo, impôs a exclusão de 12 jogadores do Vasco para aceitarem sua integração na associação, usando de justificativa a desculpa de que esses atletas não atendiam “condições sociais apropriadas para convívio esportivo”. Curiosamente, os nomes pertenciam a atletas negros e pobres.
José Augusto Prestes, presidente do clube na época, não concordou com as exigências pedidas e redigiu uma carta a próprio punho dizendo que o time estava desistindo da participação na AMEA, preferindo disputar em campeonatos com ligas alternativas, sem os clubes de elite. A decisão acabou no desmanche da associação e a volta do Vasco da Gama no campeonato de 1925.
A carta, que veio a ser conhecida como “Resposta Histórica”, se tornou um símbolo da luta antirracista no esporte por defender a permanência de afrodescendentes em uma época comandada pela aristocracia branca, o que culminou na popularidade do time, lotando arquibancadas sobretudo de torcedores oriundos de bairros suburbanos do Rio. Mantida hoje na sala de troféus de São Januário, a carta é o grande orgulho dos vascaínos.
Entretanto, a renumeração de jogadores negros só aconteceu em 1930, após clubes de elite perceberem o quão vantajoso era economicamente e estrategicamente ter atletas afrodescendentes em sua formação, pegando de referência as vitórias do Vasco. “Até então o futebol era um esporte de elite, você jogava pelo seu clube porque era rico ou de graça no amador porque não precisava do dinheiro, os negros não participavam disso, eles precisavam de um salário. Em algum momento, percebe-se que o talento desses jogadores era incontornável, os campeonatos cresceram e eles precisavam ser incorporados aos clubes” diz Renata Beltrão, monitora do museu, ao explicar a sala “origens”, incorporada ao local para contar a história do futebol, dentre elas a inserção de afrodescendentes no esporte enquanto apresenta personalidades importantes para a luta da igualdade racial, como Leônidas da Silva, jogador do Vasco mencionado acima que ganhou notoriedade durante a Copa do Mundo de 1928, na França.
Apesar dos negros terem se inserido na modalidade e conquistado muitos títulos ao longo dos anos, a discriminação racial ainda está presente no esporte. Em 2023, os ataques racistas contra Vinicius Junior no jogo contra o time espanhol Valencia chocaram o Brasil. No ocorrido, torcedores do time rival usaram palavras de baixo calão e sons de macaco para se referirem ao jogador brasileiro.
O caso resultou na prisão de três torcedores que praticaram a injúria racial e um pedido de desculpas para Vinicius Jr., além de uma multa para o Valencia. Aqui no Brasil se seguiram manifestações em prol do jogador na frente da baixada espanhola, enquanto na Espanha um cartaz com a foto de Vinicius foi vandalizado.
Desde sua chegada no país, o futebol progrediu em muitos aspectos. Entretanto, os casos de injuria racial mostram que parou no tempo em alguns pontos, tendo muito o que evoluir ainda. Ao propor essa volta ao passado, o museu abre essas questões sobre a origem da negritude no esporte brasileiro e sua importância para a propagação.