Indústria dos games acelera na contramão da crise econômica

A pandemia e o isolamento social potencializaram um mercado que há tempos deixou de ser promessa para se tornar uma lucrativa realidade
por
Geovanna Hora
|
02/06/2021 - 12h

A indústria dos jogos eletrônicos é, de longe, a maior do entretenimento mundial. Somente em 2020, o setor registrou um crescimento de 19% em relação ao ano anterior e um faturamento superior aos US$ 174 bilhões, de acordo com dados da empresa Newzoo, especialista em análises sobre o mercado dos games. Para efeitos de comparação, no mesmo período, o cinema apresentou uma queda de 72% e uma receita de apenas US$ 12 bilhões, segundo informações da consultoria americana ComScore.

Os resultados de 2020 foram afetados pela pandemia de Covid-19, que levou a maior parte dos setores a registrar queda no faturamento. Mas, enquanto as outras áreas do entretenimento sofriam com as medidas restritivas adotadas, os jogos eletrônicos foram beneficiados, justamente, pela necessidade de isolamento.

 

75,8% dos gamers afirmaram jogar mais durante o período de isolamento social
75,8% dos gamers afirmaram jogar mais durante o período de isolamento social. | Imagem: Freepik/Mego-Studio​​​​

 

“Esse período trouxe uma mudança positiva para o setor, pois à medida que as pessoas passam mais tempo em casa, a quantidade de horas gastas jogando aumenta muito, independentemente da plataforma”, analisa Renato Ramos, coordenador do curso de Jogos Digitais na PUC-SP e sócio fundador das empresas de desenvolvimento de games T4 Interactive e QUByte Interactive. 

A afirmação de Ramos está em sintonia com os resultados apresentados pela 8ª Pesquisa Game Brasil (PGB) o mais importante levantamento anual sobre o consumo de jogos eletrônicos, divulgado em 2021. De acordo com a PGB, 75,8% dos gamers afirmaram jogar mais durante o período de isolamento social. A pesquisa apontou ainda que 72% da população brasileira joga algum game e 42,2% dos entrevistados disseram que investiram mais dinheiro em jogos nessa época.

 

O contato virtual como alternativa para o isolamento 

 

O game “Animal Crossing: New Horizons”, da Nintendo, lançado em março de 2020, é uma prova de que as pessoas passaram a considerar o mundo dos jogos virtuais um refúgio para a realidade. Neste game, o jogador precisa criar um personagem para viver em uma ilha deserta e explorar o local, com a possibilidade de convidar amigos para jogarem juntos e interagirem em tempo real.

Segundo dados apresentados pelo portal de games americano Polygon, menos de dois meses após o lançamento, o título já havia vendido 13 milhões de unidades e, em novembro, ultrapassou a marca de 26 milhões de cópias vendidas, o que o tornou o segundo game mais comercializado da história do Nintendo Switch mais recente console da empresa japonesa, lançado em 2017.

O crescimento alcançado pela indústria de games já é surpreendente, mas esses números podem se tornar ainda mais expressivos com a rápida expansão do setor. Segundo previsões feitas pela Newzoo, este mercado deve ultrapassar a marca de US$ 200 bilhões em receitas até o ano de 2023. “A expectativa para a indústria dos jogos eletrônicos é enorme em qualquer área, mas principalmente nos setores de treinamento e educacional”, aponta Ramos.

 

O mercado de trabalho no mundo dos games 

 

Com a constante alta no faturamento, a indústria de jogos eletrônicos passou a ser responsável por gerar cada vez mais empregos. Só nos Estados Unidos, em 2019, cerca de 429 mil pessoas trabalhavam na área, segundo dados da Associação de Software de Entretenimento (ESA, na sigla em inglês), organização norte-americana especializada no mercado de games.

Já no Brasil, entre os anos de 2015 e 2018, a quantidade de vagas oferecidas por esse setor atingiu alta de 73%, de acordo com a plataforma de buscas de empregos Indeed. O crescimento alcançado desde o começo da pandemia provocou um novo aumento na demanda por profissionais da área, o que permitiu que muitas pessoas unissem a paixão pelos games à necessidade de trabalhar.

O gamer Arthur Silva, conhecido como Apeste, é um exemplo. Apesar de participar de competições profissionais desde 2012, somente em 2021 o paulista assinou o seu primeiro contrato como profissional da área. Agora ele faz parte do elenco do São Paulo de Pro Evolution Soccer (PES), jogo de futebol virtual que está entre os mais vendidos no Brasil.

“No geral, esse período foi positivo para os gamers, porque os patrocinadores e os clubes oficiais começaram a enxergar os e-sports como uma saída para atrair o público e vender o seu produto”, afirma Apeste. “Para alguns, essa foi a única saída para conseguir uma renda, já que muitas pessoas perderam os seus empregos tradicionais”, completa o gamer.

 

Arthur e Babi
A esquerda, Arthur Silva, o Apeste, e a  direita, Babi Micheletto | Imagem: Instagram/Reprodução. 

 

Para a narradora de jogos eletrônicos Babi Micheletto, essa época representou uma transformação na sua trajetória. Ela pensou em desistir do mundo dos games e voltar a trabalhar como educadora física, sua profissão de formação, mas, no início da pandemia, recebeu um convite para integrar a equipe de narradores da Gaulês TV, um dos maiores canais da plataforma de streaming Twitch, o que alavancou a sua carreira.

“Eu trabalho somente com a narração e vivo disso, com direito a todos os benefícios que um trabalhador de uma área tradicional tem'', conta Babi, que atualmente é contratada da equipe Case Esports. “Apesar de todo o desastre causado pela pandemia, o ano de 2020 foi o que mais impactou o meu trabalho, com oportunidades únicas, como ir para Dubai cobrir um campeonato mundial”, completa a narradora.