“Ser indígena na cidade é não ser”, disse Emerson Guarani, doutorando em Antropologia Social na Universidade de São Paulo (USP) no segundo dia da 14ª Retomada Indígena na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A palestra teve como tema “Povos Indígenas em contexto urbano: a luta pelo acesso às políticas públicas”, em que também foram convidadas Avani Fulni-ô e Selma Pankararu.
Ele acrescenta: “É ser isolado e ausente de tudo. Ninguém sabe quem você é e quem representa, onde está, seus costumes. Você não existe.” Em um país em que, de acordo com o Censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem cerca de 35 mil indígenas vivendo na Grande São Paulo, 25 mil apenas na capital paulista; Emerson se mostrou preocupado, mas não surpreso, com o atual cenário dos nativos. “Parece que as políticas indigenistas e que aquele nacionalismo prejudicial aos indígenas está voltando. Um governo em que o ministro do meio ambiente não gosta do meio ambiente, uma Fundação Nacional do Índio (FUNAI) que odeia indígenas. A extrema direita sempre fez parte da história dos povos indígenas, ela vai e volta, mas pra nós ela nunca nos deixou”.
Emerson ainda trouxe em debate a questão do racismo estrutural. Na capital de São Paulo existem avenidas, pontos turísticos, estátuas e outras formas de homenagear personagens da história brasileira que, principalmente para os indígenas, não deviam ser vangloriados. Ele falou como os povos deveriam contar o lado deles da História, e - assim como o nome do evento - retomar espaços públicos, como as universidades, os livros e a política.
Avani Fulni-ô, presidente do Conselho Municipal dos Povos Indígenas (COMPISP), iniciou a palestra dizendo que o desafio do cenário urbano começa quando “as pessoas não veem os indígenas que vivem nas cidades como indígenas”. Ava também comentou sobre as lutas e dificuldades que precisa passar, e embora ela presencie diversas discriminações por ser quem é e ocupar um cargo importante na política, a presidente segue firme e com orgulho de suas conquistas com os povos originários. Ela também ressaltou a importância de os povos nativos ficarem unidos, mas que nem todas as comunidades pensam da mesma maneira: “Estou falando de nós todos, nós todos somos parentes. Tem alguns que não aceitam e só falam ‘meu povo’, mas nós trabalhamos com indígenas não só com um povo”.
“É necessário começar a luta com identidade e união, e por isso é um desafio muito grande”, afirmou Selma Pankararu, assistente social do Projeto Casulo, sobre ser indígena no contexto urbano. Isso porque, segundo ela, os povos não tiveram nenhuma política pública de ‘mão beijada’. "O Programa Saúde da Família (PSF) para os Pankararu de Real Parque - localizados no Morumbi - foi conquistado, e a cada reajuste dessas políticas, nós perdemos direitos. Por isso devemos continuar lutando em conjunto para conquistar e defender nossos direitos básicos”, acrescentou.
Selma também contou como, de modo geral, os indígenas estão perdendo disparadamente os direitos sociais em todas as esferas políticas (municipais, estaduais e federais). Além de viverem um momento desafiador com as Secretarias, a assistente social denunciou a perda do direito de traslado e o acesso de medicamentos caros, a falta de reconhecimento e legitimidade do COMPISP (que foi votado) e a presença de uma pequena equipe de profissionais na UBS de Real Parque após a demissão de um médico em maio deste ano. “É se reconhecer como indígena apesar de tanta negação, violência e preconceito. É desafiador.”, finalizou.
“Os direitos de 1988 foram garantidos porque lutamos, por isso é importante estarmos em lugares democráticos para lutarmos por mais”, afirmou Selma, fazendo referência a Nova Constituição, estabelecida naquele ano. Os convidados aproveitaram para falar sobre as eleições e a importância de votar em candidatos indígenas ou que têm propostas para eles.