Inclusão e quebra de barreiras: o destaque dos atletas PCD no cenário dos games

Com avanços nas tecnologias e maior visibilidade, jogadores com deficiência conquistam cada vez mais espaço nos mundos dos games e no e-sports.
por
Lucas Leal
Ian Ramalho
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08/11/2025 - 12h

Os eSports vêm se consolidando como um dos maiores fenômenos do entretenimento mundial nos últimos anos, e a presença de jogadores com deficiência só destaca mais a importância da inclusão no cenário competitivo. Com o apoio de novas tecnologias adaptativas, atletas brasileiros e internacionais começam a transformar o conceito de acessibilidade nos games, provocando grandes mudanças e avanços na indústria dos jogos, quebrando diversas barreiras físicas e sociais.

 

“A evolução dos controles, com cada vez mais botões, ficou mais difícil a jogatina, mas sempre me desdobrava, jogando até com os pés” disse o jornalista do portal Nintendo Blast, Daniel Morbi. Evidenciando a falta de percepção dos desenvolvedores para esse grupo ao longo do tempo. 

Histórias como a de jogadores como RockyNoHands e BlindWarriorSven mostraram ao mundo que o talento vai muito além das limitações físicas.

Rocky ‘RockyNoHands’ Stoutenburgh, jogador norte-americano, ficou tetraplégico após um acidente, porém graças a inovação na indústria dos jogos conseguiu continuar sua paixão. Jogando com a boca por meio de um controle adaptado, ele não apenas voltou a competir, mas conquistou duas vitórias na Twitch Rivals uma série de torneios organizados por uma das maiores plataformas de criação de conteúdo no mundo, entrando para o Guinness World Records como o primeiro streamer tetraplégico a atingir o status de afiliado na plataforma.

Sven 'BlindWarriorSven' Van de Wege, jogador holandês cego desde os seis anos, é uma lenda viva no cenário de Street Fighter. Usando apenas o som do jogo para se orientar, ele compete de igual para igual com adversários de alto nível e de destaque no cenário do jogo. Sven se tornou símbolo global de acessibilidade e inspiração, mostrando que a leitura visual não é pré-requisito para compreender o ritmo da competição.

Setup de jogo Rocky ‘RockyNoHands’ Stoutenburgh usando controle adaptado quadstick (Imagem: PC Gamer UK/Divulgação)

 

Esses atletas provaram que a deficiência não limita a performance, apenas exige novas formas de alcançá-la. E seus feitos abrem caminho para que mais jogadores PCD encontrem seu espaço nos palcos dos e-sports.

Apesar dos avanços, o cenário competitivo ainda está longe de ser totalmente inclusivo. Eventos internacionais continuam apresentando barreiras físicas, desde palcos inacessíveis até a ausência de intérpretes de Libras e equipamentos adaptados. Além disso, o custo elevado de dispositivos como controles especiais e adaptados, que podem ultrapassar os R$1.500, dificulta o acesso de jogadores brasileiros, que em sua maioria dependem de iniciativas comunitárias para competir.

Outro obstáculo é o preconceito velado. Muitos atletas PCD relatam terem sido tratados com surpresa ou desdém, como se sua presença fosse exceção, e não parte legítima do ecossistema dos games. A inclusão, portanto, vai além da tecnologia e adaptações de acessibilidade, ela exige empatia, respeito e visibilidade, precisando ser mais discutida e pautada nessas comunidades.

Os e-sports, diferentemente dos esportes convencionais, são mais abertos a essa população, muito marginalizada em atividades físicas. Essa barreira é desconstruída a partir dos jogos eletrônicos, que na teoria equalizam as condições tanto para um PCD quanto um não PCD. Segundo o Estatuto da Pessoa com Deficiência também é direito possuir a inclusão ao lazer, e o mundo dos videogames entra nesta questão. Mas há um outro desafio: adaptabilidade dos joysticks e mouse e teclado para todos. 

A reivindicação para controles adaptáveis aumentou com a popularização dos games em competições de e-sports. Além disso, legendas ou audiodescrição não estão incluídas em diversos jogos, dificultando a vida dos jogadores.  

Em 2021, a Microsoft lançou no Brasil um controle adaptável para jogadores com mobilidade reduzida, compatível com Xbox Series, Xbox One e PC. “Quando todos jogam, todos ganham”, foi a marca da empresa na campanha de lançamento. O controle é uma base fixa para dispositivos, permitindo montar um controle personalizado conforme as necessidades do usuário. Outro equipamento é o QuadStick, que funciona por movimentos da boca, voz e respiração do usuário, principalmente para tetraplégicos.  

Controle adaptado criado pela Xbox para jogadores com deficiência Imagem: GQ Brasil/Reprodução)

 

“Ao passar do tempo começou a existir um movimento na indústria abrangendo os PCDs, mas também muito por lucro, onde equipamentos adaptados chegaram ao Brasil custando mais de mil reais, ou até mesmo precisando importar esses produtos, desincentivando um grupo que já é marginalizado na sociedade” , completou Morbi. 

O relatório State of the Game Industry 2024 da GDC revelou que os desenvolvedores de jogos estão cada vez mais preocupados com os esforços de inclusão e igualdade na indústria em geral. No Brasil, a Able Gamers, uma ONG vem proporcionando inclusão desenvolvendo dispositivos adaptados por meio de arrecadação de fundos a mais de 20 anos. Democratizando o acesso aos jogos eletrônicos e combatendo o isolamento social dessa população.   

Existem algumas normas a respeito da acessibilidade no Brasil que garante uma boa experiência em meios digitais e jogos eletrônicos para pessoas com deficiência: 

  • ABNT NBR 17060: estabelece requisitos para em aplicativos em dispositivos móveis, sendo um guia técnico para eliminar barreiras digitais. 

  • Lei de acessibilidade (Lei nº 10.098/2000, regulamentada pelo decreto nº 5.296/2004): determina normas e critérios para promover acessibilidade que não se limita a tratar da acessibilidade apenas em aspectos físicos, mas também em qualquer aspecto de comunicação, como na área digital.  

  • Lei nº 10.436/2002: Institui a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio legal de comunicação e expressão da comunidade surda no Brasil. 

  • Decreto nº 6.949/2009: Incorporou à Constituição Federal o Direito das Pessoas com Deficiência, obrigando o Brasil a promover acessibilidade às tecnologias da informação e comunicação.  

  • Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência, lei nº 13.146/2015): tem como objetivo assegurar e promover a inclusão social e a cidadania das pessoas com deficiência em todos os aspectos da vida.