Imigrantes brasileiros enfrentam a xenofobia em Portugal

Ausência de medidas governamentais levam ao aumento de casos de preconceito no país
por
Gabrielly Mendes
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13/11/2023 - 12h

Com a ascensão da extrema direita em Portugal imigrantes brasileiros têm percebido o aumento dos casos de xenofobia no país, estimulados por discursos nacionalistas de partidos de extrema-direita. Aluguéis caros e salários baixos também são dificuldades enfrentadas por quem busca se estabelecer em terras lusas. 

Atualmente, o Chega! é o partido de extrema-direita que mais conquista espaço na política portuguesa. A sigla fundada em 2019 possui pautas conservadoras e nacionalistas que são difundidas, principalmente, por André Ventura, atual presidente da legenda. Através de discursos xenófobos e anti-imigratórios, o deputado da Assembleia da República adota a mesma estratégia populista que elegeu à presidência Donald Trump, nos EUA, e Jair Bolsonaro, no Brasil. 

Em entrevista à Rádio Renascença, em maio de 2019, André Ventura disse que a Europa deve ser solidária, mas ao mesmo tempo manter o controle de suas fronteiras para que não se torne um espaço completamente aberto. “Para vir viver dos nossos impostos já temos cá muitos, não precisamos de mais”, opina. 

As declarações do líder do Chega! influenciam parte da população portuguesa. Dados de um levantamento realizado pelo Instituto Intercampus, que foram divulgados pelo jornal Correio Braziliense, mostram impressionante crescimento do partido -– que já é a terceira força da Assembleia da República, com uma bancada de 12 deputados.

O estudo aponta que as intenções de votos no partido de ultradireita saltou de 7,2%, há um ano, para 13,5%, ou seja, quase dobrou. Esse aumento confirma que o discurso inflamado do deputado André Ventura, presidente do Chega, está ecoando entre os portugueses, o que pode refletir no aumento da xenofobia contra imigrantes. 

Henrique de Barros (33), formado em cinema, decidiu sair do Brasil há um ano em busca de emprego. Ele conta que ao chegar em Portugal sofreu com violências verbais e generalizações depreciativas por ser brasieliro. "Já lidei com micro agressões como olhares feios e falas ríspidas; pessoas me chamando de pobre, oportunista e sem cultura. Além disso, pressupunham que eu era burro ou vivia em condições muito ruins no Brasil", conta. 

Barros trabalha como editor de vídeo, um emprego que se adequa à sua área de formação. Entretanto, ressalta que seu caso é uma exceção entre os imigrantes e os próprios portugueses, já que o país luso oferece poucas oportunidades para pessoas especializadas. “Quanto mais formação se tem, menos vale a pena porque a compensação não sobe igual.”. Ou seja, mesmo com um diploma o salário das pessoas continua limitado, o que as impede de arcar com o alto custo de vida no país. 

A disparada nos preços dos aluguéis ampliou as dificuldades dos imigrantes. Nos últimos anos, vários empresários compraram casas em cidades portuguesas para as transformarem em hospedagens e Airbnbs, o que tem feito os valores da especulação imobiliária dispararem. Segundo dados do EuroStat, os preços das casas aumentaram 46,9% nos países da União Europeia de 2010 até o 4° trimestre de 2022. A inflação acumulada ficou em 29,6% no mesmo período.  

Em um cenário de alta procura, os locatários portugueses não escondem sua xenofobia ao alugarem quartos ou apartamentos para imigrantes. “Já vi muitos depoimentos em grupos dizendo que não alugam boas casas para brasileiros ou, quando percebem que são imigrantes, dizem que as residências não estão mais disponíveis.”, relata Henrique de Barros.

Lis Barreto, que viveu dois anos e meio em Portugal, confirma a denúncia de Henrique. A pesquisadora de 32 anos, que foi ao país com o intuito de fazer uma extensão universitária, encontrou algumas dificuldades. Ela conta que devido aos altos preços de locação precisou compartilhar um apartamento com mais duas pessoas, a fim de dividir custos. Ela ainda destaca que o lugar onde morou era alugado informalmente, pois o proprietário era uma das poucas pessoas que alugava para brasileiros. 

Além de problemas relacionados à moradia, Lis Barreto relata episódios de xenofobia e machismo que sofreu no país. Apesar de não ter enfrentado agressões explícitas, as notava em algumas atitudes, como na diferença da abordagem reservada às mulheres brasileiras e às portuguesas durante uma paquera. “O machismo do português se manifesta de um jeito diferente do que o machismo do brasileiro. Fica na sutileza às vezes, mas você consegue perceber a diferença se comparar o tratamento que eles vão dar para outras mulheres. Não vão chegar da mesma forma.”. 

A pesquisadora também se recorda de sofrer generalizações, a exemplo das vezes em que se surpreenderam quando ela disse que estava fazendo doutorado no país; ou quando pressupunham que estava em Portugal com o intuito de encontrar um marido para ganhar cidadania. 

Henrique de Barros percebe a omissão do governo português diante dos casos de xenofobia, e diz que é raro ver algo sendo feito para evitar essas situações. "Sempre caminha para algo genérico no sentido de 'Vamos todos se respeitar', mas tem poucas ações públicas que eu vejo para integração positiva das culturas.", desabafa.

Infográfico de xenofobia contra estrangeiros em Portugal. Fonte: Poder 360

Além dos casos implícitos e presentes no cotidiano de diversos imigrantes, a ausência de ações concretas resulta em casos extremos. O engenheiro civil Saulo Jucá (51) foi agredido com socos e chutes dentro de uma cafeteria na cidade de Braga, Portugal, no dia 10 de junho deste ano. A data é considerada feriado nacional em que se comemora o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Embriagado, o agressor perguntou a nacionalidade do engenheiro, que foi agredido quando confirmou ser brasileiro. Nenhuma autoridade ou instituição oficial portuguesa comentou o assunto. 

 

O atual governo brasileiro já manifestou preocupação com o tema. Anielle Franco, ministra da Promoção da Igualdade Racial, anunciou que o Poder Executivo pretende reforçar a rede de enfrentamento ao racismo e à xenofobia cometidos contra brasileiros que vivem em Portugal em abril deste ano. Essa rede terá o apoio do consulado brasileiro naquele país. 

Um mês antes, Portugal havia anunciado a criação do Observatório do Racismo e Xenofobia. O projeto une o governo e universidades e tem o objetivo de fornecer conhecimento sobre o tema para auxiliar ações governamentais e entidades  no combate à crescente intolerância. 

Henrique Barros considera o período atual péssimo para brasileiros se mudarem para Portugal, mas entende que é importante conversar com outros imigrantes antes da decisão final. "Meu conselho é entender bem suas prioridades e falar com pessoas que amaram e odiaram a experiência para entender os porquês”, finaliza.