Imersão promete novos caminhos para a arte

O uso de novas tecnologias para experiências estéticas cria inúmeras possibilidades de diálogo entre a máquina, o simbólico e o humano.
por
Sophia G. Dolores
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23/09/2022 - 12h

A história das obras interativas começa nos últimos anos da década de 1960, quando os primeiros passos em relação a projetar obras de arte que fossem capazes de reagir em tempo real aos movimentos e sentimentos dos espectadores foram dados. As chamadas ‘exposições imersivas’ começam a se desenvolver como uma vertente da arte contemporânea e moderna, a partir da ideia inicial de levar ao público experiências que poderiam ser classificadas como intensas e polissensoriais, utilizando de diversas projeções de vídeos, luzes, cores, sons e até de essências olfativas, no intuito de envolver e incluir qualquer tipo de visitante por completo.

Não é à toa que essas experiências chamam a atenção do público até os dias de hoje, elas acabam ganhando cada vez mais espaço uma vez que atraem importantes investimentos e grandes artistas interessados na intersecção entre a arte, a tecnologia, e talvez o mais temido, entretenimento.

Foi o caso de Van Gogh, Cândido Portinari, Leonardo da Vinci e outros artistas que, embora não estejam mais no mesmo plano que seus admiradores, foram aclamados pela crítica e por milhares de espectadores que passaram em suas salas todos os dias enquanto a imersão durou. Alguns museus, salas e galerias do Brasil receberam nos últimos anos, instalações de grandes nomes que compõem a arte no cenário nacional e no mundo.

Portinari para todos, Maio de 2022 - Acervo Pessoal
Portinari para todos, Maio de 2022 - Acervo Pessoal

 

 A popularização das exposições imersivas acompanha o aumento geral da visitação de diversos públicos aos museus e demais espaços culturais. No momento em que praticamente tudo que é vivenciado é registrado e postado na internet, a experiência na arte, claro, não poderia ficar de fora. Enquanto esses fragmentos de pinturas tomam conta do espaço expositivo, a arte passa a ser vista também como um plano de fundo para os registros nas redes sociais. Seria esse um raso interesse, de fato, pelo mundo das artes? Luciana Nemes, graduada em Educação Artística e pós-graduada em Museologia pela Universidade de São Paulo e ex docente das disciplinas de Concepção; Planejamento de Exposições; e Montagem de Exposição; Sistema de Ações Museológicas no Centro Universitário Belas Artes acredita que todas as linguagens de hoje são interessantes, cabe aos curadores e expositores dialogarem com a melhor forma de representação sem distorcer a história de cada artista. “As exposições imersivas estão caminhando com a evolução da tecnologia, e é mais uma linguagem que as instituições culturais podem se apropriar para diversificar e atingir todo tipo de público [...] no mundo de hoje, a gente tem que usar isso da melhor forma possível. Por outro lado, a relação com o objeto, com a fatura produzida pelo artista é insubstituível. Quando a gente mescla as duas linguagens, pode ser muito interessante ao visitante, poder dar a oportunidade de chegar mais perto.”

Ainda que o número de visitantes e o montante dos lucros possa crescer, é importante questionar se o contato com a arte é enriquecido na mesma proporção pela busca dessas novas experiências. Se direcionarmos a questão para a absorção do conhecimento nas instituições culturais, e perguntarmos de que modo ela é aprofundada, revigorada ou fortalecida pelas imersivas, o que as pessoas têm aprendido verdadeiramente? Em outras palavras: “ as exposições espetaculares e envolventes estão atraindo grandes multidões, mas estão mudando a experiência dos museus? Estão impactando e tocando os espectadores da forma que os artistas que estão sendo homenageados gostariam de transmitir através de suas obras? 

Luciana, que já atuou diretamente com o público, e hoje coordena a área de Exposições do Museu de Arte Moderna de São Paulo, ressalta que a experiência é um assunto complexo. “Hoje em dia muito se fala sobre ‘qual experiência que eu quero que o público tenha em relação a uma exposição? Qual o meu objetivo?’ Se a gente pensar que essas exposições proporcionam uma experiência com o corpo, pode ser muito interessante sentir a projeção, uma música, um apelo visual, ou mesmo uma fotografia detalhista. Eu não gosto de limitar essas exposições, pois para um público que não têm a prática e vivência de visitar exposições, isso pode ser muito valioso, pode quebrar o estigma que museu é lugar de coisa velha, ou de um lugar que não é para todos [...] o ideal é pensar em como unir todas as linguagens, e se utilizar desses recursos que hoje estão nas nossas mãos.” Já Cauê Alves, curador da mais nova exposição do Museu de Arte Moderna: “Sob as Cinzas, brasa” e também docente do curso de História da Arte da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo acredita que de fato as experiências imersivas estão tocando e mudando a vivência de seus visitantes. “Os museus estão tendo que se reinventar, não só pelas experiências imersivas, acho que a pandemia acelerou esse processo, teve uma mudança enorme na relação digital. Já existia aquelas experiências em 3D, aquelas amostras que poderiam ser vistas pela internet, mas o museu digital sendo uma realidade, é claro como os acervos têm se preocupado em se mostrar visíveis nas redes sociais, a comunicação dos museus se transforma, ou seja, têm impactado as instituições e a relação que o público cria com as obras [...] é inevitável que os museus incentivem que as pessoas postem, fotografem, divulguem. O que a gente fala do antigo boca a boca, hoje em dia são os posts espontâneos. O caminho é apenas uma transformação do analógico para o digital, e mais a concepção de projetos que já nascem e se desenvolvem em meios digitais, claramente transformando não só os museus, mas a arte de uma forma mais ampla.”

As exposições podem carregar diversas linguagens e interpretações. Podem ser “instagramáveis” e servirem para curtidas na rede social, como também podem ser vazias de conteúdo e nada fotogênicas. Estabelecer e entender, principalmente,  que cada era tem a sua linguagem e independente de qual seja, elas conversam entre si, vai muito além da arte. Esse diálogo pode ser a resposta da sociedade que construímos e quais valores foram aprendidos. A arte dialoga com a arte seja ela qual for, e todas as relações e correlações serão possíveis independente da época.

Portinari para todos, Maio de 2022 - Acervo Pessoal
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