Doze bandas de emocore, popular gênero de rock dos anos 2000, lotaram o Allianz Parque, em São Paulo, para a estreia do festival I Wanna Be Tour, neste sábado (2). Diante dos palcos chamados "It's not a phase" e "It's a life style" ("não é uma fase" e "é um estilo de vida", respectivamente), 42 mil pessoas se reuniram para criar uma máquina do tempo movida a música.
“Eu queria vir porque são bandas que fizeram parte da minha adolescência e quando eu era adolescente e não trabalhava, não tinha condição de assistir a esses shows”, conta Kaio Gomes, doutor em química orgânica, de 30 anos. A maioria dos grupos internacionais que se apresentaram no sábado (2) já tinham vindo ao Brasil em outras ocasiões. Já Fresno, Pitty e NX Zero representaram a cena nacional nos palcos. “Foi uma oportunidade do eu do presente agraciar meu eu do passado”, completa.
Apesar da euforia nostálgica do line-up, composto por Plain White T’s, Mayday Parade, Boys Like Girls, Asking Alexandria, The Used, All Time Low, The All-American Rejects, A Day To Remember e Simple Plan, além das bandas brasileiras, os pecados de organização do festival não conseguiram passar despercebidos. Kaio comenta que o horário de entrada no estádio foi seu primeiro desagrado: “é impossível para um evento que deu sold out [ingressos esgotados] no Allianz Parque abrir os portões uma hora antes do início do primeiro show. Era óbvio que todas as pessoas que quisessem assistir ao primeiro show não iam conseguir entrar”. Para ele, a quantidade de catracas e de seguranças para realizar a revista também foram insuficientes.
A falta de sinalização, de pontos de hidratação gratuita e de comida nas lanchonetes dentro do Allianz também entraram na lista de reclamações. A pontualidade dos shows e a ativação da marca de calçados Vans, entretanto, balancearam a conta.
Com tênis destinados especialmente a skatistas, esporte que também compõe a cultura emo, a Vans aproveitou o evento para relançar um modelo dos anos 1990, se valendo do saudosismo do público com cabine para fotos instantâneas, adesivos com arte em grafite e um tênis gigante em branco onde as pessoas poderiam escrever com canetas coloridas – como os jovens do começo do milênio costumavam fazer na escola.
Durando por volta de 40 minutos, todas as apresentações cativaram o público, ainda que as bandas tivessem estilos diferenciados. Plain White T’s, Boys Like Girls, All Time Low e The All-American Rejects com batidas mais pop e letras sobre romances bem-sucedidos e frustrados; Mayday Parade, The Used e Asking Alexandria dentro do chamado hardcore, estilo mais próximo do punk e que beira o metal rock, com vocais guturais – técnica utilizada pelos cantores para gritar –, guitarras mais graves e ritmo mais acelerado.
Mesmo com o apelo da presença de bandas internacionais - muitas não vinham ao país há mais de dez anos -, Fresno, Pitty e NX Zero não apenas entregaram apresentações de calibre tão alto quanto de seus colegas estrangeiros, como relembraram a todos da força e da qualidade do pop rock nacional.
Gabriella de Carvalho, gestora ambiental de 29 anos, coloca o show da Fresno na sua prateleira de favoritos do dia: “é uma das minhas bandas preferidas e também uma das maiores representantes do emo nacional”. Esse título é verificável não apenas pelo sucesso da turnê solo do grupo, a “Vou Ter Que Me Virar”, em promoção do álbum homônimo e mais recente, mas também pelas complicações que o público teve para passar pelos portões com pressa, já que a Fresno era a primeira a se apresentar, às 11h. “Infelizmente eu não consegui assistir o show inteiro por conta dos atrasos na entrada, mas com certeza esse tem um espaço especial no meu coração”, lamenta a fã.
Com o show da turnê de celebração dos vinte anos de “Admirável Chip Novo”, seu álbum de estreia, a baiana Pitty exibiu toda sua versatilidade entoando músicas que adolescentes e seus pais gostavam e comandando um bate-cabeça tradicional. “Foi o melhor de todos”, comenta Kaio. “Ela toca na questão da nostalgia. Meu eu de 13, 14 anos gostava demais de Pitty e foi a minha trilha sonora de vários momentos de descoberta”, continua.
A Day To Remember, uma das atrações principais, é um dos grandes nomes do hardcore. Composta por Jeremy McKinnon (vocalista), Neil Westfall, Kevin Skaff (guitarristas) e Alex Shelnutt (baterista), a banda contou com a voz do público no palco “It’s a lifestyle” durante todo o show, mas também investiram em artifícios técnicos como chuva de fitilhos na abertura, com sua música mais ouvida nas plataformas digitais “The Downfall Of Us All”, e bolas gigantes lançadas à plateia durante “Rescue Me”.
O dia se encerrou com Simple Plan, banda canadense com público cativo no Brasil. Esta é a nona passagem do grupo pelo país, que inclusive se apresentou no programa Big Brother Brasil em 2007.
Além dos clássicos que foram trilha sonora das revoltas hormonais da adolescência dos (agora) adultos de 30 e 40 anos que os assistiram, como “Welcome To My Life”, “Perfect World”, “Jump”, “I’d Do Anything” e “Perfect”, o Simple Plan fez questão de homenagear outros nomes do pop punk com um pot-pourri de “All Star” (Smash Mouth), “Sk8r Boy” (Avril Lavigne) e “Mr. Brightside” (The Killers).
Gabriella conta que foi uma surpresa para todos quando o guitarrista Jeff Stinco tocou os primeiros acordes de “Vira-Vira”, música do Mamonas Assassinas, e Pierre Bouvier, o vocalista, pediu que a plateia o ajudasse a cantar. “Mostrou o tamanho do carinho que eles têm pelos fãs e também os fãs por eles”, ela completa.
A banda deu espaço para “What’s New Scooby-Doo?”, tema do desenho de mesmo nome, da Warner Bros., dividindo palco com fãs vestidos como o cachorro protagonista. E quem achou que essa seria a parte mais inusitada da apresentação, certamente demorou para acreditar quando o baterista Chuck Comeau, vestindo uma camisa da seleção brasileira, literalmente se jogou ao público.
“Foi um show impecável para fechar esse dia que com certeza vai ficar na memória. Absolutamente tudo foi pensado para entregar uma energia incrível, né?”, Gabriella se empolga no relato. “O festival para mim foi incrível, foi nostalgia pura do início ao fim. Todos os shows pensados justamente em trazer para o público a mesma emoção que era sentida lá atrás na nossa adolescência”.
“Você era uma daquelas crianças que escutavam a mesma música sem parar no seu quarto na casa dos pais? E eles diziam ‘pelo amor de Deus, desliga essa droga?’”, disse Pierre de cima do palco “It’s not a phase”, vestindo uma camiseta que adaptava o nome da música “I’m Just A Kid” para a realidade dele e do público: “I’m just an adult” (sou apenas um adulto). “Você então respondia algo como ‘vocês não entendem, eu amo essa música, essa banda’. E aí eles falavam ‘não se preocupe, é só uma fase’. Nunca foi uma fase!”
A I Wanna Be Tour esteve em Curitiba no domingo (3) e ainda passará por Recife na quarta-feira (6), Rio de Janeiro no sábado (9) e Belo Horizonte no domingo (10). Tanto Kaio quanto Gabriella (e os outros milhares de emos no Allianz Parque) aguardam ansiosos pelas próximas edições.