Hora de Jair...

A atual situação social do país é o próprio roteiro da não reeleição de Bolsonaro
por
Gabriela Figueiredo Rios
Victoria Leal
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30/10/2022 - 12h

O Brasil de Bolsonaro (Foto: Sergio Lima/ AFP)

            Ninguém aguenta mais ouvir, do Ipiranga às margens plácidas, que 688 mil mortes por covid-19 não foram suficientes. Jair Bolsonaro continua com 44% das intenções de votos, segundo a última pesquisa do DataFolha (28). Apesar do ex-presidente Lula estar à frente, com 49% das intenções, as eleições de 2022 para presidência se sustentam em um clima acirrado, mesmo que as opções existentes sejam o completo desastre ou a oportunidade de mudança.

            O presidente vem dando vislumbres do que será seu governo caso seja reeleito. O governo federal anunciou, na última sexta-feira de setembro (30), às vésperas do primeiro turno, um bloqueio de mais de 1 bilhão nas verbas de custeio para educação superior do país, por meio do Decreto 11.216. O contingenciamento na educação chega a 2,4 bilhões, somando com os bloqueios de 1,34 bilhão, anunciados entre julho e agosto. 

            Ainda, na última sexta-feira (14), a Polícia Federal prendeu os primeiros investigados por crimes relacionados ao orçamento secreto, este que o governo Bolsonaro usa para destinar verbas públicas a fim de atender deputados e senadores sem que sejam identificados. Em janeiro, o Diário Oficial divulgou a sanção do Orçamento anual contendo o fundo eleitoral - o qual Bolsonaro sempre criticou o uso, por ser dinheiro público, e hoje gasta milhões deste para se promover - e, ao mesmo tempo, cortes de 3,2 bilhões nos ministérios do Trabalho e da Educação.

 

Na investigação feita pela revista Piauí no caso das prisões, as prefeituras de municípios do Maranhão registravam atendimentos médicos que nunca existiram e enchiam o cofre com dinheiro advindo das emendas parlamentares do orçamento secreto, confira clicando aqui.

            No governo Bolsonaro, 33 milhões de pessoas passam fome, segundo a rede PENSSAN, mas para o Presidente, a fome é por desinformação, quem usa auxílio emergencial não passa fome. 

O claro interesse de Jair Bolsonaro em desmontar e inviabilizar por completo a educação pública - que sempre demonstrou resistência a governos autoritários - colocar sob sigilo de 100 anos um cartão de vacina, distribuir o dinheiro público por debaixo dos panos, beneficiando sigilosamente senadores e deputados, incitar a violência entre os eleitores e os responsabilizar pela situação de miséria instaurada no país, demonstram que seu objetivo é, e sempre foi, se blindar contra qualquer responsabilização criminal ou de negligência com a população brasileira, que é, em sua maioria, dependentes dos serviços públicos básicos do Estado, ou seja, a prioridade.

 

O QUE É, O QUE É, DEMOCRACIA ?   

 

A “democracia” de Bolsonaro não é democracia, e, além de se blindar e blindar sua família, o Presidente trabalhou quatro anos para destruí-la. Em entrevista, a historiadora e professora da PUC de São Paulo, Heloisa de Faria Cruz, aponta que “ela [a democracia] é um regime que respeita e dá lugar para as minorias, então, desde que ele [Bolsonaro] concorreu em 2018, teve como adversários políticos as minorias que pensam ou fazem diferente dele, logo essas pessoas deveriam ser abolidas”.

            “Bolsonaro tem um profundo desrespeito pelas instituições, ele diz que vai governar nas quatro linhas da Constituição, entretanto já fez diversas Pacs alterando a Constituição de 1988, para que ela seja moldada à sua maneira. Nós temos um congresso extremamente conservador hoje e se ele for reeleito, sem dúvidas, agora  com o orçamento secreto, grande parte do congresso vai estar com ele - Bolsonaro tem propostas de aumento de vagas no TSE para ter mais pessoas alinhadas com ele - servindo para manobras como o procurador geral da República, que ao invés de defender o povo contra os poderes defende os malfeitos do presidente”, completa a professora. 

            Quanto à um cenário de reeleição e a completa instauração de um governo autoritário, o cientista social e atuante da área de ciências políticas, Eduardo Viveiros de Freitas, afirma que “não se trataria, no caso desse desastre se concretizar [a reeleição], do golpe tradicional com articulação militar-civil e apoio externo, violência explícita contra opositores políticos etc. Mas do aprofundamento, com táticas de guerra híbrida, aprofundamento da "guerra cultural" e da instalação de um arremedo de democracia, uma fachada que não se sustentaria num mundo onde a informação e o debate políticos fluem na velocidade das plataformas digitais. Como diz o candidato a autocrata, o jogo seria jogado dentro das "quatro linhas" de uma Constituição descaracterizada, principalmente em seus fundamentos democráticos, mas em nome do que podemos chamar de “fakedemocracia”. O Poder Judiciário seria ocupado, no todo ou parcialmente, por esbirros do autocrata, e uma "vitrine" democrática seria mantida com eleições manipuladas e um Congresso servil, corrupto, submisso.”

            Eduardo ainda explica que “hoje uma ditadura se instala, ironicamente, apelando para valores que outrora sustentavam a própria democracia, como liberdade de expressão, de culto, de organização política, testando os limites democráticos - como aquele que viola o princípio básico, muitas vezes nem escrito nas Constituições, de que não se pode tolerar aqueles que não toleram nem respeitam a própria democracia, que pregam a destruição dos valores e das instituições democráticas”.

Ao se colocar como “Messias”, o Presidente firma sua imagem como dono da verdade e leva consigo seu público carente de uma personalidade para adorar. A estruturação dessa imagem se deu e dá, principalmente, entre os fiéis cristãos e ainda mais evangélicos, o que apenas explicita a desonestidade de Jair, que, enquanto compra apoio com políticas de endividamento populacional, canetadas que diminuem o preço da gasolina e se articula para continuar com o poder nas mãos, usa da fé do eleitorado como uma dessas ferramentas. 

A família Bolsonaro, não só colabora com a construção do que é Bolsonaro, usando do apelo aos valores e liberdade de expressão como justificativa para afirmações que ferem todos direitos humanos e fomentos que terminam em tragédias, como o caso Marcelo Arruda, mas entram nos esquemas, no mínimo, duvidosos e cheios de sigilo do Presidente, como a compra de 51 imóveis em dinheiro vivo. Novamente, os rastros para debaixo do tapete. 

tuites de Carlos Bolsonaro sobre "democracia" e liberdade de expressão
tuites de Carlos Bolsonaro sobre "democracia" e liberdade de expressão

            Sobre os perigos de reeleger Jair Bolsonaro, a professora coloca que “se ao longo de quatro anos ele veio desconstruindo e minando as instituições e as políticas públicas - políticas para saúde, educação, meio ambiente, direitos e liberdades civis - levará adiante esse processo de desconstrução do país e tornar isso institucional. A reeleição não significa mais quatro anos, mas sim a instauração de uma visão extremamente elitista, embora não apareça nas propagandas políticas. Sem dúvidas é um dos momentos mais perigosos que o Brasil já viveu em sua história”.

            Não que o eleitorado base de Jair esteja preocupado com quem passa fome ou espera na fila do SUS, ou não consegue respirar porque o Presidente negligencia e destrói a saúde pública enquanto faz piadinha com os internados da Covid. Enquanto se pode pagar para gritar “globolixo” de cima de um prédio em bairro nobre, o que dorme na calçada não é problema, mas só enquanto se pode pagar. O classe média que se ilude de empresariado, descansa no sofá com a arma na mão até o Presidente gritar que tá na hora de dar tiro de feijão. Até os 49% gritar, que tá na hora da boiada pastar.