A história e o legado de Ayrton Senna

No dia 1° de Maio de 1994, o mundo testemunhou o que seria uma das maiores perdas para o automobilismo mundial
por
Juliana Bertini de Paula
|
03/05/2024 - 12h

 

Nesta quarta-feira (01), completam exatamente 30 anos da morte de Ayrton Senna. Enquanto fazia a sétima volta e entrou na curva Tamburello, no circuito de Ímola, na Itália, Senna – na época correndo pela Williams – colidiu fortemente contra o muro. Exatamente às 13h17, o mundo se calou diante do trágico falecimento do ídolo, não somente brasileiro, mas de todo o mundo.

 

A primeira vitória de Senna em Interlagos, após uma corrida em condições extremas, levantando com dificuldade a bandeira brasileira – Foto: Fernando Pereira
A primeira vitória de Senna em Interlagos, após uma corrida em condições extremas, levantando com dificuldade a bandeira brasileira – Foto: Fernando Pereira

 

 

 

Trajetória

Ayrton Senna da Silva nasceu na cidade de São Paulo, no bairro de Santana, no dia 21 de março de 1960. Filho mais novo de Milton Teodoro Guirado da Silva e de Neide Senna, iniciou no kart quando tinha apenas 4 anos, e corria com o pequeno carro que foi construído pelo pai. O motor do veículo, que foi retirado de um cortador de grama, atingia até 60km/h.

 

Aos 13, enquanto corria no Kartódromo de Interlagos, – que agora leva o seu nome -- Senna conquistou o que seriam as primeiras de muitas poles positions e vitórias em sua carreira. Em 1974 e 1975, o piloto venceu o Campeonato Paulista de Kart, na categoria Júnior e, quatro anos depois, foi campeão brasileiro da modalidade. 

 

Em 1983, Ayrton se mudou para a Europa. Foi quando estreou e venceu a Fórmula 3 britânica, atingindo uma marca impressionante: das 20 corridas na temporada, foram 12 vitórias, 14 pódios e apenas seis abandonos. Ele não subiu ao pódio somente nas corridas em que não pôde completar a prova. Após esse desempenho impressionante, as oportunidades de competir na tão sonhada Fórmula 1 começaram a surgir.

 

Enquanto corria no campeonato inglês, Frank Williams – ex-piloto e fundador da equipe Williams Racing – convidou o jovem Senna para realizar um teste com um carro da principal categoria do automobilismo.

Senna, aos 21 anos, correndo no mundial de Kart em 1981. – Foto: Reprodução/Veja.com
Senna, aos 21 anos, correndo no mundial de Kart em 1981. – Foto: Reprodução/Veja.com

 

 

Fórmula 1 

No ano seguinte, em 1984, Senna iniciou sua carreira na Fórmula 1 com a equipe Toleman – que, anos depois, seria chamada de Benetton. Sua estreia foi realizada em solo brasileiro, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Devido a uma falha mecânica, ele foi obrigado a abandonar a prova. 

 

Porém, seus primeiros pontos não demoraram para vir. No Grande Prêmio seguinte, na África do Sul, ele passou pela bandeira quadriculada em sexto lugar, conquistando seu primeiro ponto. Neste ano, o piloto brasileiro terminou em nono, na frente do piloto Nigel Mansell, da Lotus, que já era considerado experiente na F1. 

 

Neste mesmo ano, Senna ganhou o título de Rei da Chuva e Mestre de Mônaco, na primeira vez em que correu nas pistas molhadas do GP de Monte Carlo, considerado por muitos o circuito mais difícil do calendário.  Largando em 13°, em 10 voltas já havia ultrapassado seis outros pilotos. Ele alcançou a terceira posição na volta 19, atrás apenas de Niki Lauda e Alain Prost.

Na 31ª volta, depois de uma colisão de Lauda, o brasileiro estava a apenas sete segundos do primeiro colocado, e foi quando o então atual diretor de provas da Fórmula 1, Jacky Ickx, interrompeu a corrida alegando que a chuva estava muito intensa e que não haviam condições dos pilotos continuarem a disputa.

Senna em sua Toleman, correndo nas pistas molhadas de Mônaco. – Foto: Reprodução/Getty Images
Senna em sua Toleman, correndo nas pistas molhadas de Mônaco. – Foto: Reprodução/Getty Images

 

Em 1985, seu segundo ano na categoria, Ayrton trocou a Toleman pela Lotus, onde conseguiu sua primeira vitória. No domingo chuvoso de 21 de abril, no GP de Portugal, ele garantiu seu triunfo com mais de um minuto de diferença para o segundo carro, de Michele Alboreto, da Ferrari. 

 

Em 1987, na sua última passagem pela Lotus, Senna foi o primeiro piloto brasileiro a vencer no sofisticado Grande Prêmio de Mônaco. Essa seria a primeira de seis vitórias nesse mesmo circuito – sendo, até hoje, o maior vencedor do traçado. 

 

Um ano depois, Ayrton Senna e Alain Prost dirigiam para a McLaren. Apesar de companheiros de equipe, a disputa entre os dois foi eternizada como uma das maiores rivalidades na história do automobilismo. Após a estreia na nova equipe, no Rio de Janeiro, Senna teve seu melhor desempenho até então, foi quando o brasileiro quebrou o recorde de mais poles em uma temporada, em 12 oportunidades. Além disso, depois de vencer oito, das 16 corridas da temporada, conquistou seu primeiro Campeonato de Pilotos. 

Senna venceu seu primeiro título de campeão mundial em 1988 e Prost comemorou o segundo lugar. – Foto: Reprodução/GE
Senna venceu seu primeiro título de campeão mundial em 1988 e Prost comemorou o segundo lugar. – Foto: Reprodução/GE

 

Senna também venceu os campeonatos de 1990 e 1991 com a McLaren. E, em 24 de março de 91, teve sua vitória mais emocionante. Com chuva e o carro preso na sexta marcha, Ayrton venceu pela primeira vez no Grande Prêmio de Interlagos. A corrida foi extremamente complicada e exaustiva para o piloto brasileiro, que precisou de ajuda para sair do carro e quase não teve forças para levantar o troféu e mostrá-lo ao público brasileiro, que foi ao delírio com a vitória do ídolo nacional. 

 

Em 1993, Ayrton fez a chamada “Volta Mágica - a melhor primeira volta de todos os tempos”, no GP da Europa, na Inglaterra – quando ultrapassou Michael Schumacher (Benetton), Karl Wendlinger (Sauber), Damon Hill (Williams) e Alain Prost (Williams) na pista molhada e em um intervalo de apenas um minuto e meio. O brasileiro venceu a prova com maestria, dando uma volta completa em 18 dos outros 19 pilotos, deixando somente Damon Hill, o segundo colocado da prova, de fora.

Torcedores brasileiros invadindo a pista do autódromo de Interlagos, para comemorar a vitória de Senna, em 1991. – Foto: Ormuzd Alves
Torcedores brasileiros invadindo a pista do autódromo de Interlagos, para comemorar a vitória de Senna, em 1991. – Foto: Ormuzd Alves

 

Porém, três anos depois, o GP de San Marino – atual GP de Ímola – estava fadado à tragédia. Na sexta-feira, Rubens Barrichello sofreu um grave acidente, que o deixou com uma luxação na costela e uma fratura no nariz. No sábado, durante o treino classificatório, o iniciante austríaco Roland Ratzenberger sofreu um acidente fatal, na curva Villeneuve. Mesmo assim, a direção de prova determinou que a corrida deveria ocorrer normalmente.

 

No início da corrida do dia 1 de maio de 1994, um primeiro acidente envolvendo JJ Lehto (Benetton) e Pedro Lamy (Lotus) deixou nove pessoas na arquibancada feridas por conta dos destroços que voaram da pista. A competição continuou e, na sétima volta, Senna colidiu com o muro da curva Tamburello.

 

O impacto quebrou a barra de suspensão de sua Williams e atingiu o piloto na testa, atravessando o capacete. Ayrton Senna sofreu uma morte cerebral instantânea devido ao traumatismo craniano. Por ter falecido na pista, a prova deveria ter sido interrompida imediatamente, porém, após o socorro retirar o brasileiro da pista, a corrida continuou e Schumacher conquistou o primeiro lugar e subiu no pódio sem comemoração, mesmo ainda sem saber sobre o estado de Senna. 

 

Reações

Após a notícia do falecimento do piloto, considerado herói nacional, foi declarado luto oficial de três dias e nos dias do velório, dia 4 e 5 de maio, as repartições públicas na capital paulista tiveram ponto facultativo decretado.

O corpo de Senna foi velado na Assembleia Legislativa de São Paulo e o cortejo levou o piloto e mais de um milhão de pessoas até o cemitério do Morumbi. Para carregar o caixão, vários pilotos vieram a São Paulo. Até mesmo Alain Prost, o maior rival de Senna, deixou de lado a competição e prestou suas condolências.

Emerson Fittipaldi, Alain Prost, Jackie Stewart, Wilson Fittipaldi, Rubens Barrichello, Damon Hill e outros pilotos conduzindo o caixão de Ayrton Senna, no Cemitério do Morumbi. Foto: Egberto Nogueira
Emerson Fittipaldi, Alain Prost, Jackie Stewart, Wilson Fittipaldi, Rubens Barrichello, Damon Hill e outros pilotos conduzindo o caixão de Ayrton Senna, no Cemitério do Morumbi. Foto: Egberto Nogueira

 

 

Senna na visão jornalística

Em entrevista à AGEMT, o comentarista de automobilismo do Grupo Globo, Rafael Lopes, contou como o piloto brasileiro teve relevância na sua vida. “Quem me apresentou ao mundo da Fórmula 1 foi a minha mãe, e quando eu tinha uns oito anos eu comecei a ver o Senna correndo. Se eu estou aqui hoje, falando sobre automobilismo, é por influência dele”, comentou.  

 

“Ele tinha muito talento. Para a população do Brasil, ver um outro brasileiro ser o melhor naquilo que fazia, era maravilhoso. A rivalidade com o francês Alain Prost aumentava ainda mais essa torcida, tendo um lado do ‘bem’ e do 'mal’. No nível mundial, acho que principalmente os ingleses e alemães reconheciam e idolatravam Senna por seu talento. Além disso, ele era muito adorado pelos japoneses, juntando multidões pelo país.”, disse o jornalista, com mais de 18 anos de experiência, sobre a grandiosidade do piloto, não apenas no Brasil, mas mundialmente. 

 

Rafael se emocionou ao falar sobre como era ver seu ídolo nas pistas, ele afirma que o piloto corria em outro patamar e superava os limites do próprio carro que dirigia. “Se eu pudesse escolher uma corrida do Senna para ir fazer uma reportagem, não teria como eu falar outra que não seja a de 1991, no Brasil. Aquela vitória foi histórica, foi como final de Copa.”, continuou.

 

Rafael Lopes em Interlagos, em 2019, com réplica da McLaren de Senna. – Foto: Arquivo Pessoal
Rafael Lopes em Interlagos, em 2019, com réplica da McLaren de Senna. – Foto: Arquivo Pessoal

 

Quando Senna sofreu o acidente no GP italiano, Lopes tinha apenas 10 anos, e falou como foi, tão novo, lidar com a morte de um ídolo no esporte: “Todos estavam esperando ele sair do carro, porque era o que acontecia. Depois começaram a chegar médicos, ambulância e o helicóptero, então pensamos ‘ele vai ficar fora de algumas corridas, mas depois ele volta’. Mais tarde veio a notícia do falecimento e eu lembro que eu e minha mãe choramos. No dia seguinte, só se falava sobre isso na escola, ninguém nem lembrava que o Schumacher tinha vencido a corrida, eu até fui repreendido pela professora por ter terminado de ver a corrida depois do acidente.”

 

O jornalista também falou sobre o legado que Ayrton Senna deixou na segurança no automobilismo: “Infelizmente, ou felizmente para os pilotos atuais, o legado dele foi a melhoria na parte de segurança do carro. Antigamente, era possível ver até os ombros dos pilotos e  os equipamentos de segurança não eram tão efetivos como são hoje. Depois da morte do Senna, só houve mais uma morte na Fórmula 1, e foi erro da direção de prova”.

 

Julianne Cerasoli, jornalista e dona da coluna ‘Pole Position’ no UOL, já atendeu mais de 160 Grandes Prêmios e também falou à AGEMT, sobre a figura de Senna: “Ele era um personagem muito interessante como um todo, capaz ao mesmo tempo de atos de muita generosidade fora da pista e extremo egoísmo dentro dela. De fala doce e de manobras arrojadas, ele também era marcado pelo perfeccionismo que elevou o nível do esporte”.

 

A jornalista comentou sobre quando assistia as corridas na sua infância: “Minhas lembranças são mais de criança mesmo, mais afetuosas, então não conseguiria apontar um momento em especial”. Além disso, ela destacou Senna como orgulho nacional, por conta do período desestabilizado economicamente. “Ele sempre fazia questão de passar uma mensagem de orgulho de ser brasileiro e de mostrar que nós também éramos capazes de fazer coisas boas.”.

 

Julianne contou como Senna a fez perceber a disparidade entre os pilotos e equipes europeias, quando comparadas aos brasileiros que estavam envolvidos no automobilismo, mas que ele também mostrou ao mundo que podemos ser respeitados.

 

Julianne Cerasoli na frente da placa Ayrton Senna Road, na cidade inglesa de Reading. – Foto: Reprodução/Instagram @myf1life
Julianne Cerasoli na frente da placa Ayrton Senna Road, na cidade inglesa de Reading. – Foto: Reprodução/Instagram @myf1life

 

“Ele elevou o nível do esporte como um todo. Não era apenas um piloto muito talentoso, mas era alguém também que trabalhava bem sua relação com os jornalistas e internamente nas equipes por que passou, que cuidava do preparo físico, da alimentação. Era um homem de negócios, se preocupava em usar sua posição para ajudar os menos privilegiados. Depois dele, esse passou a ser o novo padrão esperado de um grande campeão da F1”, a jornalista completou, sobre o legado de Ayrton Senna no mundo do automobilismo.


 

Fórmula 1 depois do Senna

Em 2014, Jules Bianchi sofreu um grave acidente no GP de Suzuka, no Japão, que o deixou em coma por 9 meses. Após uma bandeira amarela, um guindaste entrou na pista para remover o carro de Adrian Sutil, enquanto os outros pilotos ainda estavam correndo. Por conta do tufão Phanfone, uma forte chuva atingia o autódromo, Bianchi derrapou e bateu embaixo do equipamento. Ele foi o último piloto a falecer enquanto competia na F1.

Esse acidente fez com que novas medidas de segurança fossem tomadas, de maneira que protegessem melhor os pilotos enquanto estivessem no cockpit. Apesar de muito criticado na época,  a instalação do Halo – peça curvada que fica sob a cabeça dos pilotos – já salvou a vida de mais de oito pilotos, entre eles Lewis Hamilton em Monza, em 2021; Charles Leclerc em Spa-Francorchamps, em 2018; Romain Grosjean, na batida em que sua Haas partiu ao meio e explodiu no Bahrein, em 2020 e o mais recente, com Guanyu Zhou preso entre a barreira de pneus e o alambrado, em 2022, na etapa de Silverstone.

Ayrton Senna no GP do Brasil em 1993. – Foto: Paul-Henri Cahier/Getty Images
Ayrton Senna no GP do Brasil em 1993. – Foto: Paul-Henri Cahier/Getty Images

 

Desde a morte de Senna, em 1994, já foram 11 pilotos diferentes sendo campeões mundiais, oito equipes campeãs e 542 GPs disputados. A Williams venceu mais dois campeonatos de Construtores, enquanto a McLaren venceu apenas um. Senna ainda mantém alguns recordes até hoje, como mais vitórias em Mônaco, maior número de poles e primeira fila consecutivas.