Tendo seus primeiros registros conhecidos, datados de 1986, o RAP brasileiro surgiu nas periferias de São Paulo, como uma junção entre hip-hop e funk, e ao longo do tempo, foi se incorporando ao pop-rock e outros estilos musicais. Os principais pontos de encontro foram a Galeria 24 de Maio e a estação São Bento do metrô, onde os jovens se reuniam para declamar suas rimas.
Já nessa época, o RAP era mal visto pela sociedade, por se tratar de um estilo musical periférico e por conter, em sua maioria, letras com conteúdo violento. Mas como não ter letras violentas e duras críticas ao Estado e a polícia, uma vez que as canções relatam o cotidiano das periferias, com suas ruas de terra, barracos mal acabados, mães solteiras, crianças largadas à própria sorte, tráfico, crime e truculência policial?
Mesmo não sendo aceito por boa parte da sociedade, com algum custo, essa vertente musical conseguiu espaço na mídia radiofônica, a partir do fim dos anos 1980 e início de 1990.
Como destaque, alguns grupos e resumos de letras:
Thaide e DJ Hum - Primeiro grupo de RAP a produzir um disco no Brasil.
"Corpo Fechado" - Remete à necessidade de se impor perante a quem tentar lhe fazer o mal, dessa forma, cria um alter ego onde os orixás e até os demônios o protegem;
"Homens da Lei" - Crítica sobre a truculência policial contra moradores da periferia e a omissão perante aos verdadeiros foras da lei;
entre outros.
Racionais MCs - Se tornaram o principal grupo de RAP do Brasil.
"Pânico na Zona Sul" - Expõe o descaso do Estado/Município sobre as regiões periféricas da cidade de São Paulo, em especial os bairros da Zona Sul.
"Homem na estrada" - Relata a trajetória de vida de uma pessoa que desde criança se viu envolvido em crimes, em dado momento foi preso e ao cumprir sua pena, pretende mudar de vida.
Câmbio Negro
"Encarcerado" - Letra longa e complexa que descreve a trajetória do início ao fim, de um usuário de drogas e sua vergonha diante da mãe, namorada e filho.
Esses são apenas alguns dos destaques do cenário do RAP dos anos 80 e 90, mas inúmeros outros participaram com mais ou menos relevância.
Matheus Emygdio, de 22 anos, nascido em Jandira, é um rapper que batalha para conseguir seu espaço e reconhecimento.
“Eu tinha um tio que gostava de RAP e com seu filho assistia batalhas de rimas do Emicida. Com eles, comecei a acompanhar e me identifiquei muito com a realidade cantada nos versos dos manos. Em 2014 conheci uns caras e com eles criamos o grupo ‘Próximo Episódio’. No ano seguinte, já estava ‘envolvidão’ no movimento, e em 2017 começamos o projeto cultural ‘Batalha do Villa".
Muitas pessoas que se envolvem com o RAP, passam a ter uma outra visão de mundo e de ideologia. Com o entrevistado não foi diferente. “O RAP me trouxe uma visão ampla da realidade. Sinto que as pessoas que curtem minhas rimas, param para ouvir o que tenho a dizer e levam em consideração, mesmo que seja apenas como reflexão. Também me ajuda em questões pessoais como autoestima, autoconhecimento e hoje é meu ganha pão”, diz Matheus.
Atualmente, as denúncias por racismo e agressões feitas por autoridades, vêm numa crescente incontrolável. Quando se fala de Funk e RAP, existe muito preconceito com os artistas, simplesmente por terem vindo de favelas ou comunidades periféricas. Ao ponto de não aceitarem que essa vertente musical possa fazer sucesso. “Quando eu trabalhava de carteira assinada, sofria descriminação de seguranças do metrô, que me confundiram com vendedor ambulante, por conta de minhas roupas, meu estilo”, afirma Matheus.
“Hoje em dia trabalho com meu som e sei que tem um julgamento social, como se não fosse um emprego digno e honesto. Já me tiraram de usuário de drogas ou até mesmo traficante. Os movimentos culturais são frequentemente alvo de operações policiais. Denúncias de moradores que marginalizam a cultura e generalizam todos, por atitudes isoladas que não representam o movimento”.
Emygdio vê a sociedade idolatrando as pessoas erradas e cita qual o verdadeiro objetivo do RAP. “Nossa sociedade valoriza intelectuais racistas como Sérgio Buarque e Gilberto Freyre. O RAP é contra o preconceito. A causa do RAP nacional é a luta do brasileiro, do proletariado que sofre com os encargos da escravidão. O RAP luta contra o sistema, já o capitalismo, luta para manter o sistema. Como dizia Malcom X: não existe capitalismo sem racismo”.
Caelaine Cristina dos Santos, de 17 anos, nascida em Vila Brasilândia, cantora de RAP, diz que sofreu abordagens exageradas de policiais.
“Em várias batalhas de rimas em que participei, a polícia foi chamada, por pessoas preconceituosas ou mal informadas. Chegaram agressivos, nos revistando e falando coisas como: ‘Sua mãe sabe que você está usando droga aqui a essa hora? Você chama isso de cultura?". Além de sofrer esse tipo de abordagem, Caelaine por ser mulher, acaba tendo que lidar com mais um tipo de rejeição da sociedade.
“Por eu ser nova e ser mulher, as pessoas acabam menosprezando minha capacidade. A mulher sempre vai carregar esse peso na sociedade machista em que vivemos. Como acontece toda vez que sou campeã nas batalhas de rima, ouço dizerem: ‘Não foi por mérito e sim por ser mulher’ ou ‘Deram mole para ela’”.
O RAP veio com o intuito de igualar as classes sociais, mas muitas pessoas fecham as portas para esse estilo musical, sem ao menos ouvir. “A sociedade, infelizmente, ainda está dominada pelo preconceito, mas temos que plantar a aceitação e compreensão com atitudes que agreguem, atenção e respeito”, diz Caelaine.
Apesar de haver esse tipo de rejeição por parte da sociedade, as pessoas que vivem no mundo do RAP, sabem qual o verdadeiro objetivo da divulgação dessa arte. “O RAP é compromisso, qualquer erro será notado então não podemos dispersar. Há pessoas que se inspiram em nós, tem mina que se inspira em mim, e se quisermos um mundo melhor temos que fazer de acordo com que a geração futura esteja preparada. Essa é a esperança da comunidade Rapper”.