A Guerra às Drogas e seus efeitos

por
Fernando Figaro Garcia
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16/06/2021 - 12h

O Brasil tem hoje uma política atrasada e retrógrada no que se diz ao combate as drogas. Com o apoio da ideologia conservadora ministrada pelo governo Bolsonaro, o país ainda aposta na guerra e no combate armado, deixando de lado qualquer relação com o prisma da saúde pública.  

No entanto, para que se possa fazer uma análise efetiva, é preciso entender como nossa política chegou nesse estado de repressão. Na década de 1970, o “problema das drogas’’ se tornou pauta internacional quando o presidente americano Richard Nixon declarou que o abuso de drogas era o inimigo número um dos Estados Unidos da América. A partir desse ponto, formou-se uma aliança com os países integrantes da ONU, que interpretaram e declaram quais substâncias psicoativas eram legais e quais eram ilegais. 

Já na década de 1980, foi a vez do presidente Ronald Reagan declarar que a tolerância ao uso de drogas deve ser zero. E que as consequências para aqueles que usarem, comercializarem e distribuírem substâncias ilícitas seriam severas. A partir desse ponto as condenações em massa causa uma explosão na população carcerária. 

Dessa forma, iniciou-se um combate extremamente custoso e que efetivamente, não estava diminuindo o tráfico, a grande realidade é que o combate intensivo sofisticou e modernizou o mercado ilícito, encareceu os produtos vendidos e proporcionou uma nova era de “barões da droga’’.  

As nações foram pouco a pouco percebendo que o combate armado não era efetivo, já que o uso de drogas estava só aumentando e as mortes por overdose e outras consequências do uso contínuo estavam acontecendo em pessoas cada vez mais jovens.  

Portugal é um exemplo perfeito para se explicar o porquê da redução de danos, do apoio ao usuário e da discriminação das drogas serem um caminho efetivo para se controlar a epidemia de uso.  

No ano de 2001, nosso país colonizador decidiu parar de tratar usuários como criminosos, descriminalizando o uso e a posse de todas as drogas. Essa foi uma maneira de se contornar o fracasso do combate direto que se deu na década de 1990.  

Nesse período Portugal vivia uma epidemia de heroína, o uso estava descontrolado, e estima-se que na época, uma a cada cem pessoas era dependente de heroína. A alternativa então foi acolher, apoiar e reduzir os danos, dessa forma, a política pública passou a tratar o usuário como doente e não como criminoso.  

Mesmo sendo um exemplo efetivo de como lidar com esse problema, muitos países continuam apostando nessa guerra irracional, um exemplo, o Brasil. E aqui, a reportagem irá analisar as consequências e os danos causados ao tecido social, nessa aposta cega e cara. 

Apenas em agosto de 2006, o Brasil deixou de considerar usuários como criminosos. O Art.28 da Lei de número 11.343 do código penal determinou que aqueles que forem apanhados fazendo o uso ou com a posse de drogas ilícitas deveriam assinar o artigo, porém não poderiam ser presos, apenas teriam de prestar serviços sociais ou pagar algum tipo de multa para o Estado. 

No entanto, o problema desse artigo está localizado em seu segundo parágrafo, em que diz que a determinação do destino da substância se submete a interpretação do juiz, o qual analisará “à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.” Ou seja, existe uma enorme diferença entre um branco classe média sendo abordado com 10 g de maconha em Higienópolis e um preto periférico sendo abordado com a mesma quantidade no Capão Redondo. 

Tendo em vista que o Brasil é o segundo país onde mais se consome maconha e cocaína no planeta, um país com uma população periférica exorbitante, as condenações por tráfico de drogas (enquadrada no Art.33 do Código Penal) são as mais presentes no sistema carcerário.  

Segundo dados divulgados pelo G1, no ano de 2017 um a cada três presos no país respondia por tráfico de drogas. E ao observar que temos a segunda maior população de detentos do mundo, percebe-se que realmente tem algo de errado. Já que tantos traficantes estão presos, como o comércio, a distribuição e o consumo estão em níveis tão altos? 

A resposta para essa questão não é tão simples, já que existem muitos fatores contribuintes para essa situação alarmante. No entanto, aquilo que destaca o fracasso da guerra as drogas, é o mal direcionamento das buscas e apreensões.  

Enquanto a polícia militar enquadra traficantes “pé de barro”, ou seja, pessoas que estão na periferia trabalhando de aviõezinhos, fogueteiros, traficantes do chamado baixo clero, e até mesmo determinando tráfico no flagrante sem nenhuma prova que aquela pessoa estava realmente traficando drogas. Deixa-se lado os reais cabeças do tráfico, aqueles que estão em postos de alto escalão no governo, em grandes empresas etc. São eles  os responsáveis pela entrada e distribuição de drogas no país. No entanto, esses são os mesmos que comandam a política nacional e lucram com o combate armado e a morte de policiais, criminoso e civis. 

Para uma análise mais humana e menos numérica, a reportagem entrevistou duas pessoas que representam dois lados distintos da mesma moeda. Um policial e um traficante. Ambos não quiseram ser identificados, por isso foram dados nomes ficcionais. 

O policial Fábio, 29, tem uma opinião progressista e racional sobre a criminalização das drogas. Para ele, a legislação é inadequada, “mais atrapalha do que ajuda (...) ou mantemos esse mercado na ilicitude provocando violência ou legalizamos”. Essas afirmações vêm de uma pessoa que está na linha de frente da batalha. Uma pessoa que vê o desperdício de tempo, dinheiro e vidas em uma luta a qual não se combate nada. Na visão do entrevistado, integrante de uma instituição retrógrada e punitivista, é nosso dever “lutar por uma legislação que nos permita realizar um enfrentamento mais do que eficaz, um enfrentamento real e científico. Um enfrentamento somente no ambiento penal (prender, processar e julgar) de nada resolverá, apenas ajudará e/ou auxiliará senão no extermínio da juventude preta e periférica.” 

Do outro lado da moeda, o traficante de luxo, Márcio, 24, diz não ter opinião formada sobre uma possível descriminalização das drogas. Márcio se diz um traficante de luxo, já que faz suas vendas por delivery. Ou seja, ele claramente atende uma parcela selecionada de usuários, que compram drogas de qualidade muito superior comparadas as vendidas em biqueiras convencionais espalhadas pelo Brasil. Para Márcio, que há 10 anos além de vender cannabis, cultiva em seu apartamento em São Paulo, a descriminalização poderia ser uma deixa para pessoas que hoje são consideradas criminosos, se tornarem simples cultivadores, que plantam e cultivam sua planta para fins recreativos. 

A guerra que se instaurou no país parece estar longe do fim, mesmo com inúmeras propostas apresentadas no Congresso e no Senado, as autoridades parecem não se preocupar com um problema gritante que já demonstrou não se encolher diante da política combativa. 

Ou até se preocupam, mas o muro do conservadorismo e do obscurantismo cruel da sociedade brasileira barram qualquer tipo de proposta progressista.  

Nosso país vive hoje um genocídio da população negra periférica, as grandes cidades sofrem com a epidemia de crack, pessoas cada vez mais jovens estão usando drogas cada vez mais pesadas tendo em vista que boca de fumo não pede RG. E à medida que a questão fica mais popular e a pauta começa surgir em grande escala em manifestações populares como a “Marcha da Maconha” , percebemos que a política reacionária de Jair Messias Bolsonaro, sua trupe de negacionistas, a chamada bancada da bala e a bancada da Bíblia impedem qualquer discussão racional e razoável sobre uma questão tão grave que atinge a saúde pública de uma nação inteira.