Governo Bolsonaro X reforma agrária

Jair Bolsonaro diminui cada vez mais verba de investimento para distribuição de terras
por
Anna Beatriz da Matta, Beatriz Loss e Fernanda Fernandes
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15/12/2020 - 12h

Charge: Carlos Latuff

Em meio a tantas crises que vêm acontecendo nos últimos anos, uma questão que não deixa de causar polêmica no Brasil é a reforma agrária. A pretexto de apresentar diferentes elementos, essa reestruturação levanta diversos debates entre a população. As estratégias utilizadas como tentativa para colocar o programa em prática são alvos de crítica por uma parcela de pessoas. Com o objetivo de reorganizar terras no campo de uma maneira mais justa, esse sistema acaba sendo dificultado de certo modo, parte pelo governo, parte pela própria sociedade brasileira. 

  Através de uma pesquisa realizada pelo Censo Agropecuário, foi relatado que cerca de 45% da área produtiva no Brasil estava concentrada em 0,91% das propriedades rurais. Há uma desproporção gigantesca na distribuição de terras no país, e a concentração fundiária ainda é um impasse, prejudicando grande parte da população brasileira.  

O programa da reforma agrária tem um papel de extrema importância para assegurar os princípios de justiça estabelecidos na Lei n°4504/64, obrigando o Estado a garantir o direito de acesso à terra para quem vive e trabalha nela. Entretanto, ainda assim, apenas 1% dos proprietários detém cerca de 50% das terras no Brasil. 

A concentração de propriedades rurais nas mãos de poucos teve início com o processo de distribuição das capitanias hereditárias, que eram grandes porções de terras divididas  entre “capitães donatários”, homens importantes e ricos e, em sua maioria, pertencentes à Casa Real Portuguesa.

Essa divisão de capitanias durou até a Independência do Brasil, em 1822, e após este momento houve tentativas e diferentes planos para colocar em prática a reforma agrária no país. No entanto, os latifúndios continuaram concentrados nas mãos do governo e daqueles que tinham grande influência na época. E, foi apenas em 1988, quando o país já estava mais urbanizado, que o Estado brasileiro se comprometeu com a reforma agrária, colocando-a em sua Constituição. O órgão responsável pela realização dessa prática é o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), existente desde 1970. 

Apesar do programa estar presente na Constituição de 1988, tiveram alguns grupos de pessoas que compreendiam que o processo não ocorreria de uma maneira tão simples, visto que a reforma permaneceu na mão do Estado brasileiro, que historicamente é influenciado no âmbito político pelos grandes proprietários. Em razão da insegurança que permanecia em parte dos indivíduos, surgiram alguns movimentos sociais para impulsionar a distribuição de terras de uma maneira mais justa, entre eles, o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra). 

Com foco em questões do trabalhador, especialmente no que se refere à luta pela reforma agrária, o MST foi criado após uma série de lutas camponesas contra a concentração fundiária no Brasil durante a Ditadura Militar, em 1984. Atualmente, o movimento social se faz presente em 24 estados da federação brasileira. Sua formação aconteceu através da ocupação da terra como ato de resistência. 

Em adição aos seus objetivos principais relacionados à reforma agrária, o MST defende a inclusão social, planejando erradicar a desigualdade e a miséria causadas pelo passado do Brasil. A partir de 2007, passaram a lutar pela necessidade de implantar um projeto de Reforma Agrária Popular no país. Indo além da democratização de terras, o movimento quer assegurar a melhoria e autonomia da agricultura familiar e das pessoas que a realizam. 

“O ‘popular’ é para dizer o que vem depois, não adianta dar terra para uma pessoa que está desprovida de acesso (a semente, maquinário, saúde, educação). Então o ‘popular’ carrega todas as outras medidas que a gente entende que são necessárias para as pessoas conseguirem se manter na propriedade e produzir alimentos” afirma Nina Fidelis, uma das coordenadoras gerais do jornal Brasil de Fato.

A presença do MST é extremamente importante nas lutas, e também no mercado alimentício brasileiro, visto que são as pequenas propriedades de agricultura familiar que o abastecem. O movimento é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, e segundo dados disponibilizados pelo governo, 70% dos alimentos brasileiros são produzidos em terras de menor acesso a crédito e menor destaque midiático. 

Infelizmente, a entidade também é alvo de muitas críticas, difamação, tentativa de criminalização, perseguições e até casos de violência, como o Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará. Em 1996, a vida de 21 militantes foi tirada em um confronto com policiais. Hoje, a data em que ocorreu esse triste evento, 17 de abril, marca o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária. O caso mais recente de violência foi no dia 26 de outubro deste ano, o líder do movimento no Paraná, Ênio Pasqualin, foi sequestrado em sua casa e morto a tiros. 

 A Reforma Agrária Popular, defendida pelo MST, tem suas vantagens e benefícios, entre eles podemos citar a democratização das terras no Brasil, fazendo áreas improdutivas se tornarem produtivas nas mãos de pequenos agricultores, além de uma maior diversidade na produção de alimentos, mais práticas agroecológicas e sustentáveis e comidas mais saudáveis, geralmente sem agrotóxicos; além disso, a reforma agrária gera mais postos de trabalhos, e tem impacto também na economia do país, reduzindo a inflação e retomando o crescimento econômico com o desenvolvimento social. E ainda, reduz a fome e gera uma segurança alimentar.

  Para aqueles que são contra a reforma agrária, os argumentos são geralmente, que o direito à propriedade é inviolável, portanto, o MST não poderia “invadir" essas terras, mesmo que improdutíveis; além de o processo de reforma agrária brasileiro ser marcado por irregularidades e baixa fiscalização.

Desde sua candidatura, Jair Bolsonaro se mostra contra e critica a reforma agrária e os movimentos sociais, além de deixar claro seus interesses no fortalecimento do agronegócio. O discurso de ódio e violência ficam explícitos entre diversas de suas falas, em uma de suas declarações em 2018 afirmou, “bandidos do MST e MTST, as ações de vocês serão tipificadas como terrorismo. Vocês não levarão mais o terror ao campo ou às cidades”.

Sua campanha marcada por ameaças a esses grupos já mostrava os impactos que a reforma agrária iria sofrer com sua inserção na presidência do país, tanto no corte de medidas benéficas aos movimentos sociais, quanto no aumento da violência e dos ataques aos sem-terra. As atitudes de Bolsonaro encorajaram seus seguidores a realizarem intimidações e ataques durante o período eleitoral.

Nina Fidelis, que já cobriu a violência no campo, afirma que ela aumentou nos últimos tempos e comenta em relação a Bolsonaro, “as medidas dele vão na linha da violência, está autorizado matar sem-terra.  A sinalização que ele coloca é de que está tudo permitido. E do governo, do ponto de vista estrutural não vai sair nada, só retrocesso.” 

E acrescenta dizendo, “especialmente com relação a reforma agrária, quando o ministro do Meio Ambiente fala em ‘passar a boiada’ é algo que em vários estados do país vem acontecendo há muito tempo. Mas agora está autorizado, está sinalizado e incentivado, então vai passar a boiada, e vai passar em cima de indígena, sem-terra, seja quem for, para garantir os interesses das grandes corporações”.

Ao ser eleito presidente da República, não fez diferente do que já tinha dito, desde o começo de seu mandato implementou medidas prejudiciais aos movimentos do campo. As mudanças impostas por seu governo começaram antes mesmo de completar três dias de posse. Em janeiro de 2019, Bolsonaro suspendeu a reforma agrária por tempo indeterminado, as superintendências regionais do Incra receberam memorandos determinando a interrupção de todos os processos para compra e desapropriação de terras e outro exigindo que fossem enviadas a relação de todos os imóveis que podem ser destinados para a reforma agrária.

Porém, cinco dias após a suspensão da reforma e da repercussão negativa, o governo voltou atrás e cancelou a medida. Alegando que a paralisação foi realizada para aguardar a definição da nova estrutura do Incra, que no governo do presidente Jair Bolsonaro deixou a Casa Civil e passou para o Ministério da Agricultura. A mudança no Incra foi uma das medidas do governo, não benéficas ao MST.

Após o Incra ser vinculado ao Ministério da Agricultura, Luiz Antônio Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista (UDR) e secretário especial da Regulação Fundiária do Ministério da Agricultura, tornou-se responsável pelo programa de reforma agrária do governo. Sendo apoiador de Bolsonaro, é um perigo para o MST. Ao assumir chamou o movimento de “organização criminosa” e seu histórico com ele não é positivo, Garcia foi protagonista no embate com o MST durante a década de 1990 nas disputas por terra no Pontal do Paranapanema, em São Paulo.

Mudanças e implantação de novas medidas continuaram acontecendo. Em março o governo voltou a suspender a reforma agrária no país por tempo indeterminado, o novo memorando suspendeu as vistorias em imóveis rurais, devido à redução orçamentária prevista na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2019. Essa interrupção afeta de forma imediata pelo menos 250 processos de aquisição de terras para assentamentos rurais, segundo informações do instituto.

Entrando em 2020, medidas mais drásticas foram tomadas, como a publicação no Diário Oficial da União (DOU) do decreto nº 20.252, o qual enxuga significativamente a estrutura do Incra. Extinguindo o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), o programa Terra Sol e outros programas que davam incentivos aos quilombolas, assentados e comunidades extrativistas. 

Além disso, no mês de setembro o governo de Jair Bolsonaro enviou ao Congresso uma proposta de orçamento para o Incra em 2021, o qual reduz quase a zero a verba para a reforma agrária e ações destinadas a sem-terra e a melhorias dos assentamentos. E incrementa verba para ruralistas, elevando o dinheiro reservado para o pagamento de indenização judicial a fazendeiros que tiveram suas propriedades desapropriadas. Tal medida projeta um cenário de extinção da reforma agrária, com Bolsonaro e seus apoiadores no poder a situação tende a agravar a pobreza no campo, a desigualdade e os conflitos.

A cada governo vigente novas propostas são executadas, contendo conflito de interesses em todos os casos. A questão da reforma agrária é constantemente discutida no Brasil, sendo um assunto de extrema necessidade. Porém, opiniões contrárias em relação a reforma e as medidas corretas a serem tomadas existem e continuarão existindo. A posição política e as opiniões do atual presidente influenciam diretamente na perda de recursos para a reforma agrária e nos benefícios adquiridos aos grandes fazendeiros. Deixando os apoiadores do MST apreensivos com as novas propostas para 2021. 

 

 

 

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