Garimpo ilegal avança em terras indígenas

Território Yanomami tem 20 mil garimpeiros que violam a legislação e aumentam risco de Covid
por
Maria Clara Milano Pizzo
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29/06/2020 - 12h

O garimpo ilegal está aumentando em meio à pandemia de coronavírus. De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), a bacia do Xingu sofreu um desmatamento de 20.839 hectares em apenas dois meses. Além das consequências para o meio ambiente, o avanço da mineração tem colocado a vida dos povos originários da Amazônia em risco pela contaminação de Covid-19.

Garimpo é o nome dado à exploração, mineração ou extração de substâncias minerais, que utiliza poucos recursos e investimentos, muitas vezes com técnicas predatórias ao meio ambiente, como o uso de mercúrio para extração de ouro. No Brasil, a atividade é considerada uma forma legal de extração quando feita sob algumas regras e em locais permitidos. 

A atividade se torna ilegal quando realizada sem fiscalização e em áreas proibidas, como reservas ambientais e indígenas, o que acontece frequentemente no país. Um estudo realizado pelo ISA, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e revisado pela Fundação Oswaldo Cruz, relata que atualmente há 20 mil garimpeiros ilegais na Terra Indígena Yanomami. 

Além de lutar contra a presença de garimpos ilegais em suas terras, agora o povo Yanomami é ameaçado pela Covid-19 que os garimpeiros levam para a região. Aproximadamente 40% dos Yanomami vivem perto de áreas de extração ilegal e podem ser contaminados pela doença respiratória. 

Com o problema histórico do garimpo se transformando em uma questão de saúde pública, o Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana lançou a campanha #ForaGarimpoForaCovid com a intenção de mobilizar e pressionar o governo para uma ação de retirada dos invasores ilegais do território, de forma que o povo indígena consiga realizar o isolamento social recomendando para evitar a transmissão do vírus.  

Os garimpeiros, que são o principal vetor de transmissão da doença no território, viajam frequentemente de Boa Vista, em Roraima, para as terras indígenas por meio de barcos e aviões. Três mortes e 55 casos foram confirmados, até o começo de junho, em meio aos Yanomami, que se encontram em território mais vulnerável à doença por conta do sistema de saúde que atende o local.

Os postos de saúde do local estão avaliados com a pior nota de todo o Brasil, tendo a menor disponibilidade de leitos e respiradores. Os Yanomami possuem um alto grau de vulnerabilidade social, com uma das menores expectativas de vida ao nascer, baixa escolaridade e falta de acesso ao abastecimento de água e saneamento básico. 

Com a crise econômica mundial causada pela pandemia, o preço do ouro está alto, o que incentiva a prática da atividade ilegal. Quanto ao impacto na economia do país, o pesquisador do PoEMAS (Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade) e professor Luiz Jardim Wanderley explica que não há um cálculo que aponte especificamente isso, mas que grande parte da mineração garimpeira é ilegal ou irregular, com problemas de licença. “Em 2017 foram 17 ou 18 toneladas de ouro provindas de garimpo tanto legal quanto ilegal. A estimativa é que, dessas, dez tenham sido produzidas ilegalmente. O ouro ilegal entra no sistema facilmente”, explica Luiz. 

O garimpo tem um maior efeito sobre a economia local, onde a extração do ouro é uma atividade central. 

Na reunião ministerial do dia 22 de abril, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, reforçou a falta de preocupação do governo em relação às questões do avanço do desmatamento e atividades ilegais em terras indígenas. Estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa. Só se fala de Covid”, declarou Salles, acrescentando que, diante disso, o governo deveria aproveitar para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”. 

Porém, Luiz ressalta que tais mudanças não são tão fáceis assim e que o foco da cobertura midiática no coronavírus não é o motivo do avanço. “Não é como o ministro disse: ‘passar a boiada’. O que acontece é que já tem um avanço do garimpo no Brasil, que se dá sobretudo pelo agravamento das questões econômicas, o que implica mais indivíduos entrando para o garimpo.” 

Entretanto, Luiz acredita que as falas de políticos podem sim influenciar na intensidade da atividade, principalmente quando estão ligadas a uma diminuição da política de fiscalização, legitimando o discurso a favor do garimpo e com a intenção de legalizá-lo. 

Assim, o avanço da atividade ilegal é um efeito da crise econômica gerada pela pandemia, porém esse avanço também está atrelado à diminuição das ações do governo, como políticas de contenção e cuidado realizadas por órgãos como a Funai e o Exército. Com as medidas de isolamento, essa fiscalização está sendo realizada em intervalos de tempo maiores, o que é o recomendado, mas abre caminho para o aumento do garimpo ilegal. “De qualquer forma, o garimpo nunca foi uma atividade que se escondeu no Brasil”, reforça o pesquisador. 

O garimpeiro não deixa de ser um trabalhador precarizado, que realiza a atividade em meio às piores condições de segurança e saúde. Os donos dos garimpos geralmente são empresários e políticos influentes da região, e para Luiz Jardim é importante distinguir os dois, já que as máquinas utilizadas na extração custam muito dinheiro, exigindo um investimento de médio para alto, algo que não é acessível para a maioria da população. “Quem avança para as terras indígenas são os empresários”, ressalta Luiz.

Para o professor e pesquisador, as consequências do avanço do garimpo ilegal em terras indígenas não fogem muito da obviedade, como desmatamento, contaminação dos rios, remoção de terras e não recomposição das áreas degradadas. Os indígenas acabam sendo populações mais vulneráveis e distantes dos serviços públicos, e a rápida tendência de contaminação do vírus acaba provocando mortes. 

“Saúde indígena é um problema histórico do Brasil. São ainda muito concentrados, numa lógica de rede, a infraestrutura, a UTI, os respiradores. Estão localizados fora das terras, e o deslocamento até as áreas pode levar até semanas, o que é ineficaz contra doenças como o coronavírus”, comenta Luiz. “A doença só agrava uma condição já precária.”