Por: Rafael Luz de Assis
Quando falamos da ditadura civil-militar brasileira e movimento estudantil, lembramos de algumas instituições. A PUC pode não ser uma das primeiras a vir a mente, mas sua história é rica, e merece ser relembrada.
São casos bem famosos e sempre que falamos de resistência estudantil, algum desses já vem à cabeça. Mas e a PUC? A tradicional universidade católica de São Paulo tem seus causos e foi sim um polo importante de resistência à Ditadura.
Diferentemente de outras universidades do país, por ser uma Pontifícia amparada na Igreja, a Católica não sofreu com tantos assédios institucionais e desmonte de projetos acadêmicos. Claro passou basicamente ilesa. Devido ao fato de ter conseguido continuar com seu plano pedagógico e acadêmico quase completo, a universidade acabou recebendo uma boa parte de professores que eram perseguidos, expulsos e aposentados compulsoriamente de outras entidades, entre eles, destaca-se Paulo Freire, Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Maurício Tratenberg, Bento Prado Junior, entre outros.
Em 1965, o TUCA (teatro da universidade católica) é inaugurado com uma peça considerada extremamente subversiva, “Morte e vida Severina” de João Cabral de Melo Neto já no ano de 1968 recebeu Caetano Veloso cantando “É proibido, proibir.
O Ministério da Educação do regime, e a United States Agency for International Development (USAID, uma agência estadunidense de ajuda ao desenvolvimento) firmam um acordo educacional em que na verdade era um alinhamento da educação brasileira com os interesses estadunidenses, e que foi vendido como adequação brasileira as melhores práticas educacionais do mundo. Surpreendentemente, a implementação desse projeto na USP ocorreu sem maiores tormentas.
Já na PUC os alunos ocuparam as instalações da reitoria e dos jardins por dois meses e só após comissões paritárias entre professores e alunos, que propuseram novos currículos que visassem à formação de uma consciência crítica e comprometida com a realidade a manifestação cessou.
Já nos primeiros anos do regime ditatorial, ficou evidente que o movimento estudantil era um dos “inimigos” a serem caçados. Nas universidades públicas foram proibidos os DCEs (Diretório Central dos Estudantes) e CAs (Centros Acadêmicos) sob a alegação de que promover “qualquer ação, manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, bem como incitar, promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares”. A UNE também foi extinta.
Mais uma vez se aproveitando do caráter institucional da PUC que por ser católica passava batida pelo moralismo vigente, em 1977 os estudantes voltam a tentar se organizar e se posicionar referente a situação precária do ensino superior no país, a PUC cumpre o importante papel de sediar a 29ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que havia sido proibida de acontecer pela ditadura.
O marco de truculência da ditadura e da resistência na PUC também é em 1977. Depois de uma manobra audaciosa dos estudantes que promoveram uma série de encontros relâmpago para ludibriar os militares, que queriam barrar as reuniões, alunos de todo o Brasil se encontraram no campus Monte Alegre, eram cerca de 70 delegados estudantis de todo o país. Foi o primeiro ato pró-UNE depois de vários anos.
O movimento estudantil ficou em êxtase e como a reitoria tinha negado a abertura do TUCA justificando temer repressão policial, os estudantes fizeram um ato de “comemoração” em frente ao teatro. Cerca de 2000 estudantes segundo a CVPUC (Comissão da Verdade da PUC), estavam ao início da leitura da carta aberta quando o então coronel Erasmo Dias que chefiava o DEOPS (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) paulista e seus mais de 900 policiais, invadiram o campus Monte Alegre e levaram mais de 800 pessoas presas e fichadas no órgão.
Foi então que a reitora da instituição, primeira reitora de uma universidade católica, a senhora Nadir Kfouri, foi ao socorro dos alunos e ao chegar encontrou todos sentados esperando orientações e o Coronel veio em sua direção, estendeu a mão a cumprimentando, nesse momento Kfouri diz a frase que ficou marcada para história dessa instituição como resistência do movimento estudantil no país: “não dou a mão a assassinos”. A invasão da PUC é um marco da resistência dos estudantes, os “puquianos” se orgulham de lembrar que torturador tem que ser tratado como tal.
Vale deixar aqui a menção vergonhosa ao fato de o Governador do Estado de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) em uma via de entroncamento na cidade de Paraguaçu Paulista (cidade natal do coronel), faz uma homenagem ao "Deputado Erasmo Dias", personagem que segundo o mandatário nunca foi condenado por "atos praticados por sua vida pública pregressa". Lembrando que o Coronel nunca foi condenado pois a lei criminosa da anistia proibiu o julgamento dessa caterva.
Atualmente, foi criada no Memorial da Resistência em São Paulo uma mostra temporária como forma de relembrar a força e a luta vivenciada na PUC-SP durante o período da ditadura militar. A exposição, que vai até 2025, conta com cinco eixos de exploração: Invasão da PUC-SP e a resistência à ditadura; Docentes, artistas e intelectuais acolhidos pela PUC-SP; Comissão da Verdade da PUC-SP Reitora Nadir Gouvêa Kfouri; Arte e resistência no TUCA; e A defesa radical da democracia.
A democracia volta depois de anos, o regime repressor é expulso (não podemos dizer eternamente pois temos ainda hoje quem peça seu retorno), e a PUC não deixou a luta. Antes mesmo de se tornar realidade nacional, a instituição criou a própria comissão da verdade, CVPUC - Comissão da verdade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que, assim como a própria universidade, com suas marcações históricas imortalizadas, ainda segue como exemplo de resistência contra opressão de todas as formas.
Esta matéria foi produzida como parte integrante das Atividades Extensionistas do curso de Jornalismo da PUC-SP.