Fim do parcelamento sem juros?

Medida defendida pelo presidente do Banco Central gera discussão entre instituições privadas e o Poder Legislativo
por
Marcela Rocha
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11/09/2023 - 12h

Maquininha de cartão de crédito
Foto: Divulgação

Na falta de dinheiro na conta, o cartão de crédito é o maior “quebra-galho” da população brasileira. O recurso permite o rápido consumo de itens, desde para aproveitamento próprio, até para pequenos comerciantes que utilizam do cartão para reabastecer o estoque.

Em discurso para o Senado, Roberto Campos Neto, atual presidente do Banco Central, defendeu o fim da isenção de juros por compras parceladas no cartão, dizendo que a medida poderia evitar o endividamento da população por juro rotativo.

No último mês de julho, o juro rotativo (isto é, a taxa cobrada quando o cliente não paga o valor total da fatura do cartão de crédito) teve acréscimo de quase 9 por cento, passando de 437,0% para 445,7%. A taxa é uma das principais causas de inadimplência no país.

Esperando por votação no Senado após ser aprovado na Câmara, o projeto criado pelo deputado federal Elmar Nascimento (União-BA) e relatado por Alencar Santana (PT-SP) visa estabelecer um limite para o juro rotativo, com o objetivo de diminuir a taxa e evitar cobranças abusivas. No ofício aprovado consta o prazo de 90 dias para que as instituições emissoras de cartões desenvolvam propostas para regulamentação da taxa. Caso após o prazo a condição não tenha sido atendida, a taxa total deverá ser de 100%.

Especialista em consumo brasileiro, Cristina Helena Pinto de Melo, que tem experiência em economia política e crescimento e desenvolvimento econômico, relata que pensando no aspecto social, a compra no cartão de crédito normalmente relacionada com estímulos de processos psicossociais, como a falsa sensação de não estar de fato gastando dinheiro, já que ao pagar com o cartão o consumidor não vê o dinheiro saindo da conta imediatamente, mas também ao fato de grande parte das compras com cartão não oferecer descontos quando comparado ao valor pago à vista.

A escolha pelo pagamento no cartão pode ser impulsionada pela baixa renda que impossibilita o pagamento à vista. Dessa forma, o indivíduo opta pelo consumo presente, isto é, pela compra no agora, visualizando o que deixará de comprar no futuro, para que assim possa fazer uso dos produtos no presente. Esse pensamento explicado por Cristina como o “consumo presente”, é bastante abordado na teoria econômica como um prejudicial para o planejamento financeiro de consumos futuros.

De acordo com a economista: “uma parte significativa da população já tem comprometida parcialmente a renda futura com compras já realizadas (com cartão). Neste caso, não há impactos imediatos sobre as aquisições já feitas. Mas, considerando que parte dos recursos futuros já estão comprometidos, uma mudança de prática altera as condições para novas aquisições parceladas o que desafia a gestão do orçamento doméstico."

Sobre consumidores de classes mais altas que utilizam o cartão de crédito mesmo quando têm renda o suficiente para pagar à vista, seus estímulos são outros: o acúmulo de milhas para trocar por produtos e serviços. A estratégia não deve ser afetada, já que comumente quando utilizada por esta finalidade os consumidores realizam as compras no cartão em uma única parcela: “Hoje a venda parcelada é considerada na hora da precificação. Isso significa que o preço do produto embute juros do parcelamento. Uma mudança no crédito rotativo pode mudar a precificação, e, portanto, o acúmulo de milhas. Essa é a única possibilidade (de prejuízo). Muitos usam o cartão sem parcelamento com a finalidade de acumular milhas e este hábito não deverá se alterar em função de mudanças no parcelamento”, ressalta Cristina.

Quando se trata das classes mais baixas, a medida pode evitar endividamento por juro rotativo, mas tem sua eficácia questionada, pois ainda deve comprometer o orçamento. Segundo Cristina, a alteração de fim de isenção de juros por parcelamento “pode desestimular o uso do cartão como meio de pagamento. Isso evita sim o endividamento por juro rotativo”.

Apesar disso, não há evidências de que os consumidores de baixa renda deverão deixar de consumir com cartão, já que sem valores na conta para compras à vista, o cartão resiste como principal possibilidade de crédito, fazendo com que consumidores de classe C e D possam permanecer com a renda prejudicada e o orçamento exposto a risco de endividamento. A medida segue como uma grande questão.

A economista reforça: “Não podemos esquecer que a taxa de juros no rotativo é uma das mais elevadas na economia. Quem não consegue pagar as parcelas conforme acordado no momento da compra ou não atenta para a soma das várias parcelas e não consegue fazer o pagamento vê sua dívida crescer a um ritmo que impossibilita ao pagador honrar seus compromissos. Estamos falando de uma taxa de juros em torno de 15% ao mês, maior que a taxa básica (SELIC) anual. Portanto, administrar uma mudança na possibilidade de compras parceladas é importante e muito desafiadora.”