Fim do auxílio emergencial deixa pobres ainda mais vulneráveis

Redução do benefício, em setembro, já havia significado um baque para famílias que recebiam a ajuda do governo em meio à crise da Covid
por
Kaio Chagas
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29/12/2020 - 12h

O auxílio emergencial concedido pelo governo federal a partir de abril, ainda na fase inicial da pandemia, mudou drasticamente a forma como famílias de baixa renda conduziam suas finanças. O benefício, fixado inicialmente em R$ 600 e R$ 1.200 para mães chefes de família, tornou-se um dos pilares econômicos de milhões de residências, principalmente nas grandes periferias. Dados da Pnad Covid, do IBGE, mostraram que, em junho, o benefício correspondeu a 97,2% de toda a renda domiciliar per capita entre os 10% mais pobres. Em média, houve um aumento da renda familiar de aproximadamente 11%. 

A pesquisa informou também que, entre abril e junho, mais de 8,9 milhões de pessoas haviam perdido o emprego em comparação com os três primeiros meses do ano. Levando-se em conta que a maioria dos favorecidos pelo auxílio ficaram sem a renda do trabalho – em grande parte oriunda de postos informais no comércio e em serviços, os mais impactados pela pandemia –, o benefício representou não apenas a única possibilidade de renda durante os meses de isolamento, mas também também um aumento no poder de compra para famílias que viviam anteriormente com menos de R$ 600 ou 1.200 por mês. 

Maria de Lurdes, de 42 anos, residente da Vila Crett, bairro localizado na periferia de Carapicuíba, Grande São Paulo, comenta como o acesso ao benefício trouxe outras possibilidades para sua vida:

 “Aqui em casa somos em 12, contando comigo, meu marido, meus filhos e meus pais. Sempre foi muito difícil. O bazar de roupas usadas que tenho em frente à minha casa é o que sustenta todo mundo aqui. Graças a Deus consegui o auxílio. Nunca pude fazer uma compra grande para minha casa, uma feira, sempre só tinha o básico do básico. Com o auxílio, pude comprar mistura  e fazer uma compra do mês de verdade. Até danone, bolacha, essas coisas que nunca tinha aqui deu pra comprar”.

Lu, como gosta de ser chamada, ainda conta que com o dinheiro do auxílio conseguiu comprar ingredientes para fazer uma feijoada e revender no bairro, o que ajudou muito nas suas finanças.

“Quando eu peguei aquele dinheiro na mão fui direto para o mercado. Fiz dois carrinhos de compra, ainda consegui comprar as coisas para fazer feijoada e vender aqui no bairro. Já que o bazar estava fechado, precisava de algo para segurar as pontas aqui com o pessoal.”

Em setembro deste ano, quase seis meses após o início dos saques, o auxílio emergencial caiu para R$ 300 (e, no caso de mães chefes de família, para R$ 600). Além disso, mudanças nos critérios de recebimento deixaram mais de 6 milhões de pessoas sem o benefício. No fim de dezembro, o auxílio será suspenso para toda a população.

A redução ou a perda do benefício ocorrida em setembro se deu justamente em um momento em que a inflação avançava em um ritmo que há muito não se via. Em outubro, a prévia da inflação, medida pelo IPCA-15, atingiu 0,94%, a maior variação para um mês de outubro em 25 anos e o dobro da inflação registrada no mês anterior. 

Os alimentos responderam por metade desta alta, com destaque para a carne bovina (4,83%), óleo de soja (22,34%), arroz (18,48%) e leite longa vida (4,26%).

A redução do auxílio atingiu em cheio a rotina de Maria de Lurdes. “Nessa pandemia tudo veio à tona numa vez só. Por exemplo, minhas contas de luz aumentaram muito. Este mês já não vou conseguir fazer compras, vamos voltar a ter só o básico mesmo, arroz, feijão e ovo. Além do quê, eu peguei 600 reais e a conta de luz veio 570. Não vou conseguir pagar, né?” 

A alta dos alimentos, combinada com a diminuição do auxílio, ocasionou um encolhimento no consumo, principalmente em supermercados, com uma redução de aproximadamente 10% das vendas em redes de atacados e varejos nas últimas semanas. “Este mês todo mundo está chiando porque a venda caiu muito”, afirmou o diretor de mercado da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Omar Assaf. 

Durante esse período de instabilidade, crise econômica e aumento da inflação, a iminência do término do auxílio emergencial gera ainda mais preocupações, considerando as dificuldades já provocadas pela redução do benefício. Ainda com base na Pnad Covid de junho, o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) mostrou que, sem o auxílio, 29,8% dos brasileiros entrariam na pobreza. Sem nenhum benefício para substituir o auxílio, o primeiro semestre de 2021 começará cheio de desafios e incertezas econômicas.

Imagem da capa: “Poverty from afar” | Cristiano Oliveira | Sob a licença CC BY-NC-2.0 – Cretive Commons. Link: https://www.flickr.com/photos/40391082@N07/4373741891