Por Guilherme Deptula Rocha
“Falar com você, Joe, é quase como falar com outro eu. Nossas personalidades chegaram a uma combinação perfeita. O mesmo acontecerá com a personalidade da mulher que escolhermos.” Milton em"Amor Verdadeiro" (Asimov)
Medindo 1,77cm e pesando 52kg, um ser é capaz de reconhecer emoções e consolar pessoas. Ele se locomove facilmente e possui uma consciência própria. Esse ser se assemelha ao humano. Mas enxerga o mundo de uma maneira diferente. Para ser mais preciso, ele enxerga o mundo por um visor OLED curvo de última tecnologia. Foi assim que CyberOne, o novo robô-humanoide da Xiaomi, viu os rostos espantados de jornalistas, em sua apresentação a imprensa. A cada centímetro em direção a Lei Jun, CEO da empresa eletrônica, o apelidado “Metal Bro” (Irmão metálico, em inglês), surpreendia por sua coordenação.
Associado a seu visor, um par de microfones lhe concedem a audição. Essas ferramentas lhe ajudam a compreender os sentimentos e, até mesmo, consolar humanos. CyberOne fornece uma inovação que assusta parcela das pessoas. O humano e o avanço tecnológico sempre estiveram juntos, mas após as Revoluções Industriais, essa relação se intensificou. Enquanto a inovação propõe conforto e facilidade as pessoas, o temor do que estas podem fazer é intrigante. Perguntas como: “Será aquelas ficaram mais inteligentes do que nós?” ou “Será que elas podem nos dominar?” marcam a inconsciência do humano principalmente por uma questão: a ficção científica.
A criatividade de autores ficcionais fez com que sentissem a expansão das tecnologias de diferentes maneiras. Alguns otimistas – como William Hanna e Joseph Barbera no seriado animado “Os Jetsons” (1962-1963) -, outros pessimistas – como Arthur C. Clarke em “2001: Uma Odisséia no Espaço (1968). A audiência começa a encarar a invenções como os artistas propõem em suas tramas, assim, o inconsciente coletivo desta passa a ser ocupada pelos mesmos estereótipos.
Entretanto, o mais intrigante dessa relação se diz a partir da similaridade entre o que a ficção sugere e o que a realidade produz. Assim, a semelhança da invenção do novo robô da Xiaomi e do conto “Amor Verdadeiro”, de Isaac Asimov, é intrigante.
Na história, um cientista usa um programa de computador autoconsciente para ajudá-lo a encontrar um amor verdadeiro. Para isso, Milton (o cientista) passa a falar sobre si a Joe (o programa). Com o avanço do conto, o programa se assemelha ao cientista em quase tudo: falando igual, reconhecendo suas emoções e antecipando seus desejos. Assim, ao final, Joe elimina Milton, ocupa seu lugar e se relaciona com o amor verdadeiro de seu colega.
A inspiração de Asimov emergia dos grandes avanços tecnológicos que borbulhavam durante o pós-guerra. Ele, desbravando as novidades que surgiam, conseguia produzir suas histórias explorando as entrelinhas dessa nova era. A cada nova palavra escrita por Asimov, mais ele abria margem para a criatividade dos leitores, iluminando a tecnologia. O autor não só tratava essas inovações como uma ferramenta do humano, mas como um ser equivalente a ele. Muitas vezes até melhor.
“Nenhuma forma de vida inteligente quer ser escravizada”, proclamou Roberto Fideli, mestre em Comunicação e autor de ficção científica, em entrevista instigante. Ele, aficionado por histórias de fantasia, traz sua paixão desde berço, com ambos de seus pais sendo autores de ficção. “Não tive escapatória!”, ele comenta sorrindo. A estima de Roberto pelo mundo fantástico levou ao curso de jornalismo por desejo de querer contar histórias. Fato esse que fundamentou sua pesquisa acadêmica, pautada em dois mangás (histórias japonesas contadas por ilustrações e texto) de ficção científica. Posteriormente, Fideli elaborou um curso para abordar o jornalismo no meio da cultura da ficção, no qual leciona até hoje.
A maneira como alguns autores retratam os avanços eletrônicos, intriga parcela do público, mas para Roberto, o medo deste não deveria ser direcionado a uma rebelião dos robôs, mas a outro fator: “O medo de uma rebelião das máquinas não deve ser tão grande quanto o medo de como as pessoas vão usar essa tecnologia. Porque ela [tecnologia], por si só, não é nem benéfica nem maléfica, depende apenas de quem está usando-a e com que intenções.” Fideli ainda completou relacionando com sua área: “A ficção não vai questionar a ferramenta [tecnologia] em si, mas quem a usa.”
É factual que, a inspiração para autores de ficção provém da tecnologia na realidade e vice-versa. Em perspectiva, Roberto confirma que “a imaginação e as invenções sempre vão andar lado a lado”, e, para ele, as próximas fontes reais de ideia para os produtores de ficção científica são as crises ambientais e sociais. Nos últimos anos, questões como o aquecimento global e imigração estão cada vez mais presentes. Fideli supõe que esses temas estarão frescos aos consumidores nos próximos anos. Segundo ele: “Nós devemos nos preocupar menos com que tipo de tecnologia estará no futuro e mais em qual sociedade poderá usufruí-la.”
Assim, a tecnologia é uma ferramenta. Esta nos auxilia quando precisamos. A ferramenta pode ser manipulada pelo humano, que pode fazer o que quiser com ela. Da mesma forma, que um robô humanoide é programado para reconhecer emoções e consolar, um outro pode ser desenvolvido para fazer o oposto. Dependendo da intenção de seu criador.