Fantoches digitais

Livro Infocracia, de Byung-Chul Han, mostra como as telas nos manipulam
por
Rodrigo Silva Marques
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06/11/2023 - 12h

Infocracia é um termo cunhado por Byung-Chul Han para definir um sistema político onde o acesso à informação e a capacidade de manipulá-la desempenham um papel central no exercício da democracia. Neste contexto, o controle sobre a disseminação e interpretação das informações é crucial para influenciar a tomada de decisões e o apoio popular. O autor mostra que a digitalização da sociedade e a crise da democracia caminham juntas, especialmente no contexto das eleições. Isto porque, muito do que este livro trata é inseparável do atual avanço da extrema direita e do domínio que as redes sociais exercem na vida das pessoas.  

Segundo Han, "vivemos numa sociedade onde, mesmo que não se tenha consciência disso, as pessoas são constantemente controladas e dominadas pela forma como se produz e consome informação, interferindo em suas capacidades cognitivas e bloqueando, justamente, aquelas faculdades e capacidades que seriam tão indispensáveis para uma sociedade democrática". Por esses aspectos, é possível fazer uma relação entre o livro com características da sociedade brasileira, observada nos últimos anos.  

Começando pela questão mais óbvia, que é a disseminação de notícias falsas e desinformação, e como isso está se tornando uma preocupação crescente no Brasil, principalmente durante o período eleitoral. Isto tem levado a uma grave polarização política, com os cidadãos a recebendo informações tendenciosas e muitas vezes incorretas, dificultando o debate informado e a procura de soluções com consenso mútuo. Durante as eleições de 2018, por exemplo, a campanha do até então candidato à presidência, Jair Bolsonaro, destacou-se pela utilização de notícias falsas pelo WhatsApp, com a notícia sobre um ‘kit gay’ supostamente distribuído pelo MEC sob à presidência de Haddad.

Recentemente, inclusive, o ex-presidente provocou um grande alvoroço ao dizer durante a fase mais aguda a pandemia da Covid-19, que a doença era uma “gripezinha”. Tal fala, causou uma gigantesca onda de fake news, já que muitas pessoas passaram o uso medicamentos caseiros e desencorajando muitos a tomar a vacina e suas demais doses contra a doença, gerando um aumento considerável no número de óbitos pela doença. 

Relacionado a isso, se chega ao ponto da manipulação da opinião pública, onde a crescente presença das mídias sociais e a capacidade de direcionar mensagens políticas a públicos específicos podem ser usadas para influenciar a opinião pública no Brasil, gerando uma crise na democracia, a infocracia. Com a capacidade de atingir grandes públicos com interesses específicos em um simples lugar, ao mesmo tempo em que é possível se comunicar de forma pessoal com os indivíduos, as redes sociais se mostram muito atrativas, mas aumentam tensões étnicas, ressuscitando movimentos nacionalistas, intensificando o conflito político e até mesmo resultando em crises políticas. 

Em entrevista para a BBC, o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fabrício Benevenuto disse que "Se muitas pessoas compartilham uma ideia, outras tendem a segui-la. É semelhante à escolha de um restaurante quando você não tem informação. Você vê que um está vazio e que outro tem três casais. Escolhe qual? O que tem gente. Você escolhe porque acredita que, se outros já escolheram, deve ter algum fundamento nisso". Para a ideia exemplificar a ideia, pode usar como base a polêmica envolvendo a Cambridge Analytica. Há alguns anos, a empresa foi envolvida em um escândalo de coleta de dados de usuários e criação de perfis falsos no Facebook para manipular as eleições americanas de 2018, que resultou na vitória do ex-presidente Donald Trump (responsável indiretamente pela invasão no Capitólio em 2021) e a saída do Reino Unido da UE, o Brexit (deixando o país em crise e perto de uma recessão econômica). 

No Brasil, a empresa foi uma das responsáveis diretas pela campanha bem-sucedida de Bolsonaro a presidência, utilizando a disseminação de desinformação como um de seus trunfos, mas causando impactos negativos terríveis como resposta, como as campanhas antivacina da Covid-19, a invasão dos Três Poderes em 8 de janeiro, em Brasília. 

Como consequência do tópico citado acima, isso acaba criando um grande nicho de fanáticos que cegamente veem políticos como heróis/mitos e que nunca erram, deixando-as cegas. E como consequência quando são noticiados, principalmente quando tem seus nomes ligados a escândalos ou polêmicas, quem acabam sendo atacados é a própria imprensa, responsável por trazer a verdade. Ao ponto de ter havido um aumento, no Brasil, nas preocupações sobre as intimidações e os ataques a jornalistas e meios de comunicação que acabam minando a capacidade da mídia de monitorar e informar.   

“Nenhum político deve ser endeusado, santificado ou mitificado. É um erro monumental " afirmou o escritor peruano Mario Vargas Llosa para o GHZ 

Em resumo, Infocracia, traz alguns reflexos importantes sobre a sociedade brasileira atual. A desinformação, a extrema polarização política, a manipulação da opinião pública e as questões de proteção de dados e a relação com as mídias sociais são questões importantes que afetam a saúde da democracia brasileira. Por isso, a necessidade de regulação e incentivo adequado à educação para os meios de comunicação social são tarefas importantes para abordar estas questões e fortalecer as instituições do país.