Por Ana Gabriela Piva Campanella
A relação entre meio ambiente, saneamento básico e o coronavírus é mais simples do que se imagina. A falta de estrutura afeta diretamente a transmissão do vírus, que pode ser encontrado no ar e na água. No Brasil, deve-se acrescentar outra relação: a pobreza.
Durante a pandemia, a desigualdade social ganhou ainda mais evidência. De acordo com dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o número de brasileiros em extrema pobreza triplicou entre agosto de 2020 e fevereiro de 2021: o país saltou de 9,5 milhões para 27 milhões de pessoas.
Para essa população, seguir as recomendações convencionais de prevenção à COVID-19 não é tarefa fácil. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), 10% das casas têm falta de água, pelo menos, uma vez por semana. O acesso à água potável é uma das instalações de saneamento básico.
Raul Santiago, morador do Complexo do Alemão, criou a hashtag #diáriodeumfaveladonapandemia poucos dias após a Organização Mundial da Saúde decretar a pandemia em março de 2020. Na ocasião, o morador e ativista social na ONG Papo Reto estava sem água em casa havia 3 dias.
Nas redes sociais, Raul ensina os moradores a lavarem as mãos com a menor quantidade de água. Em um tweet de abril de 2020, explicou como ele e a família costumam encher baldes e outros recipientes para estocar água em casa.
Com as dificuldades governamentais da pandemia, como falta de auxílio emergencial justo, muitos moradores não conseguem cumprir as medidas de isolamento social. Em entrevista à matéria, o médico infectologista da Sociedade Brasileira de Infectologia Renato Grinbaum falou como a estrutura local afeta o saneamento: “Em geral, a falta de saneamento vem acompanhada de domicílios com muitos moradores e falta de ventilação”, explicou.
O projeto "Estação de Tratamento de Efluentes Sustentáveis do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia", da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), confirmou a presença do vírus Sars-Cov-2 em esgotos perto dos hospitais da cidade. Isso facilita a possibilidade de infecção pelo contato com a água não tratada - o vírus resiste até 10 dias nesses locais.
Em entrevista ao Contraponto Digital, o médico infectologista, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia e professor na faculdade de medicina do ABC, Munir Aiub, apontou que o esgoto rastreia o coronavírus nos bairros. “O vírus é excretado pelas fezes e pela urina. Com a coleta de amostras de esgoto, podemos inferir como está a distribuição da doença em determinada região”, afirmou.
Aiub comentou sobre projetos não concluídos de tratamento de esgoto e criticou o Estado por não investir o suficiente no saneamento básico. Para o infectologista, o governo pode melhorar a situação ao investir o dinheiro das "coletas de impostos e arrecadação pela União” nos serviços de esgoto.
O infectologista afirmou que o ciclo de doenças e internações continuarão existindo caso o governo federal, municipal ou estadual não olhe para o saneamento básico. Em 2018, dados do Trata Brasil registraram 233.880 internações e 2.180 óbitos por doenças causadas em função do contato com esgoto.