Extradição de Assange para os EUA é autorizada pela Justiça Britânica

Jornalista australiano está preso por divulgar documentos que comprovam abusos e assassinatos realizados pelo governo norte-americano e aliados
por
Camilo Mota, Luan Leão
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20/04/2022 - 12h

 

A justiça do Reino Unido emitiu nesta quarta-feira (20) a ordem formal que autoriza a extradição do jornalista e fundador do site WikiLeaks, Julian Assange, aos Estados Unidos, para que possa ser julgado pelo crime de espionagem. Durante a manhã, na frente do Tribunal de Magistrados de Westminster, manifestantes protestaram contra a decisão, entre eles estavam a esposa do jornalista, Stella Morris, o ex-líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn e membros da Anistia Internacional.

O australiano de 50 anos de idade está em uma penitenciária britânica desde abril de 2019, quando foi detido na embaixada do Equador, onde passou sete anos, após o presidente equatoriano Lenín Moreno retirar a proteção concedida pelo seu antecessor, Rafael Correia, em 2012. 

A acusação contra Assange é baseada na denúncia realizada pelo WikiLeaks sobre a atuação de tropas estadunidenses nas guerras do Iraque e Afeganistão, com a publicação de mais de 700 mil documentos confidenciais a partir de 2010. Nos documentos vazados, o site trouxe à tona atividades diplomáticas e militares estadunidenses que mostraram a brutalidade das ações de guerra. 

Em um vídeo divulgado em abril de 2010 e intitulado "Assassinato Colateral", parte do material divulgado pelo WikiLeaks, é possível ver forças militares dos Estados Unidos atirando indiscriminadamente de um helicóptero em civis de Bagdá, capital do Iraque. Neste ataque, um motorista e um jornalista da Agência de notícias Reuters e outras dez pessoas, morreram. 

A divulgação do vídeo desmontou a afirmação do Departamento de Defesa estadunidense de que as pessoas mortas no ataque eram "terroristas". Antes do vídeo, o site já havia publicado as Regras de Combate das Forças dos Estados Unidos no Iraque em 2007, as informações ajudaram na constatação de que as operações realizadas pelas forças de ocupação ocorriam fora do que estabelecem as regras internacionais que limitam as ações durante conflitos armados, em particular as Convenções de Genebra.

Outro escândalo vazado foi o da prisão, por anos, de pelo menos 150 pessoas mesmo sabendo que eram inocentes. Um deles foi o jornalista da Al Jazeera, veículo de comunicação do Catar, Sami Al-Hajj,  que ficou preso por anos em Guantánamo, em condições inumanas e sob a falsa acusação de ligação com o terrorismo, mesmo a CIA (serviço de inteligência dos EUA) sabendo que não havia nenhuma conexão. A prisão de Al-Hajj foi estendida para que o serviço de inteligência pudesse obter mais informações internas sobre o trabalho do jornalista. 

Esses são alguns dos diversos casos divulgados nos vazamentos realizados pelo WikiLeaks, que expuseram a estratégia dos Estados Unidos na chamada "guerra global ao terror".

Agora cabe à Ministra do Interior do Reino Unido, Priti Patel, a decisão final sobre a extradição ou não de Assange. Ela só pode negar o pedido com base na lei britânica de extradições, que estipula poucas exceções. O prazo para que ela se manifeste é de 28 dias. A defesa do jornalista tem até 18 de maio para apresentar suas alegações.

Caso seja extraditado, Assange pode ser condenado a pelo menos 175 anos de prisão. Vale lembrar que o governo dos Estados Unidos tem 25 acusações contra o australiano, e para eludir as críticas de ameaçar a liberdade de imprensa, diz que Assange é um "hacker" e não um jornalista.

A Secretária-Geral da Anistia Internacional, Agnes Callamard, afirmou em nota que a extradição de Assange poderia causar danos "irreversíveis" ao bem-estar físico e psicológico dele, e "seria devastadora para a liberdade de imprensa" no mundo. 

"As acusações contra Assange nunca deveriam ter sido feitas, em primeiro lugar. Nunca é tarde demais para as autoridades dos Estados Unidos acertarem as coisas e retirarem as acusações", afirmou Callamard. 

Assange foi um dos homenageados com o Troféu Audálio Dantas - Indignação, Coragem e Esperança, realizado pela família Kunc Dantas, Oboré e mais 30 entidades e 17 personalidades apoiadoras da democracia, da liberdade de imprensa e dos direitos humanos. O prêmio foi entregue no último dia 9, na Praça Memorial Vladimir Herzog, pelo radialista e ativista social ítalo-brasileiro José Luis Del Roio. 

Quem o recebeu em nome do jornalista australiano foi Carmen Diniz, coordenadora do Capítulo Brasil do Comitê  Internacional Paz, Justiça e Dignidade aos Povos, em solidariedade ao jornalista no país.

Na foto, José Luiz Del Roio entrega o prêmio a Carmen Diniz, coordenadora do Comitê Internacional Paz, Justiça e Dignidade aos Povos, capítulo Brasil. Foto: Camilo Mota.


Na foto, José Luiz Del Roio entrega o prêmio a Carmen Diniz, coordenadora do Comitê Internacional Paz, Justiça e Dignidade aos Povos, capítulo Brasil. Foto: Camilo Mota.

 

Os repórteres do Consórcio de Veículos de imprensa, criado para divulgar os dados sobre a pandemia após omissão do Governo Federal, também foram homenageados no evento. 

Antes da entrega a Assange, Del Roio enfatizou que a prisão de Assange, há 10 anos, é uma das grandes dores da humanidade. “Assange é um jovem, que teve coragem de denunciar detalhadamente torturas”. O radialista, que disse estar no Conselho da Europa quando as declarações de tortura chegaram a público, ressaltou que se soube “ dessas torturas detalhadas, como, quando e onde, feitas pelos EUA e seus aliados, sobretudo Inglaterra”, mas que o Conselho, mesmo assim, não denunciou os Estados Unidos. 

“Teve que ter um jovem jornalista que pegou aquele material e muitos outros, e denunciou o mundo. Ele é um dos prisioneiros mais perseguidos. Há 10 anos vive em quartos fechados ou em embaixadas, numa cela, que só arrisca passar o resto da vida num buraco nos EUA até morrer. Aqui tem muita gente que perdeu amigos, familiares, e tem gente aqui que foi torturada. E todos esses, não só o agradecem, mas agradecem a sua resistência”, acrescentou.

Ao receber o troféu, que será encaminhado à Inglaterra, Carmen Diniz realçou: “a gente só sabe que existe tortura na prisão do Iraque, por causa do Assange, do WikiLeaks. A gente só sabe que existiam soldados norte-americanos num helicóptero matando civis e rindo, como se fosse num videogame, graças ao Assange. (...) Não é contra o Assange, o que eles estão fazendo, é contra nós. Contra nós sabermos a verdade. Essa perseguição política ao Assange é contra nós também”, finalizou.

A Anistia Internacional enfatizou que “se a Ministra do Interior britânica autorizar a extradição de Assange, isso irá violar a proibição contra tortura e abrir um precedente alarmante para editores e jornalistas em todo o mundo”. Em nota, a organização ainda disse que o Reino Unido tem obrigação de não mandar ninguém para nenhum lugar em que sua segurança seja colocada em risco.

No Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa disse que a "perseguição ao criador do WikiLeaks é um gravíssimo atentado à liberdade de imprensa", manifestou "integral solidariedade a Assange" e denunciou "de forma vigorosa a arbitrariedade da qual ele é vítima" A ABI convocou os meios de comunicação brasileiros a "se somarem à sua defesa, que no momento se confunde com a defesa da liberdade de imprensa". 

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) se manifestou dizendo que o "suposto crime" que Assange cometeu foi o de "denunciar crimes de guerra, irregularidades e violações a direitos humanos do governo norte-americano". A associação ainda declarou que "sua extradição é um sinal muito perigoso dado para jornalistas que trabalham com documentos de interesse público", e "vê com muita preocupação essa extradição, pois ela podeum efeito intimidatório em outros jornalistas e a partir de outros vazamentos que denunciem crimes de guerra e violações de direitos humanos que devem vir à tona para que as sociedades possam agir", concluiu a presidente da Abraji, a jornalista Natalia Mazotte.

Sérgio Gomes, jornalista integrante do Instituto Vladimir Herzog de Direitos Humanos, amigo da família Kunc Dantas e fundador do Projeto Repórter do Futuro e da Obore, ressaltou que “mais de 30 entidades representativas dos jornalistas - incluindo a Oboré -, artistas e estudantes de jornalismo de São Paulo, se uniram para promover o Troféu Audálio Dantas – Indignação, coragem e esperança, que foi entregue para a Carmen Diniz, representante do Julian Assange". A entrega ocorreu no dia 9 de abril, na Praça Memorial Vladimir Herzog, localizada no bairro Bela Vista da capital paulista. "Isso significa uma manifestação unitária de todos os jornalistas, artistas e estudantes daqui de São Paulo", afirmou.