Exposição Reticências explora caligrafia urbana na Matilha Cultural

Lucas Mév e Jonas Tjon entrelaçam as histórias das revoluções latinoamericanas e de manifestações culturais populares
por
Amanda Tescari
Ingrid Lacerda
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27/03/2025 - 12h

Por Amanda Tescari e Ingrid Lacerda

Estreou na Matilha Cultural, na última sexta-feira (21), a exposição “Reticências", dos artistas Lucas Mév e Jonas Tjon, com produção de Jack Moraes. A mostra aborda a relação entre as revoluções da América Latina durante os séculos XVII e XX, e como elas se expressam em movimentos socioculturais como o Hip-Hop e o Punk, que funcionaram como ferramentas de enfrentamento coletivo e acolhimento diante das injustiças sociais. 


Painel “Revolução” (2024), de Lucas Mév, Jonas Tjon e Vitor Skimo/ Por: Ingrid Lacerda


Com homenagens a personalidades como Marighella, Carolina Maria de Jesus, Racionais MCs, RZO, Tina Punk e muitos outros, as paredes do centro cultural na República ilustram a “palavra” como elemento central dos movimentos políticos. 

A intersecção entre esses dois momentos na história é representada pelos artistas da zona leste de São Paulo. O legado político inspirou letristas, poetas e MC's, todos artistas da palavra, e que dela se utilizam para propor suas reflexões - assim como Mév e Tjon, que já vivenciam o hip hop e o punk e, sobretudo, o graffiti há muitos anos. 

Da ideia inicial até a inauguração foram mais de 8 meses de muito trabalho conjunto, encontros, estudos e correria, principalmente por se tratarem de artistas totalmente independentes. Sobre o processo de construção do trabalho, Mév destaca a dificuldade de conciliar o tempo e o lado financeiro, já que as horas que poderiam ser dedicadas ao sustento próprio e de suas famílias foram substituídas pelo processo criativo e as incertezas do trabalho. Tjon também aponta os desafios de ser um artista autodidata: “Ninguém fez curso nem nada, aprendeu tudo na rua, como pintar e tal, e se jogou mesmo. E pintar essas ‘paradas’, vai aprendendo mesmo no processo, né?”

Jack Moraes também descreve um pouco dos desafios do mercado da arte, “O mercado é um nicho muito fechado, e a proposta dos meninos sai de um padrão estético, acadêmico e galerista”. Ela conta que a dificuldade está em adentrar neste ramo apresentando uma proposta de projeto voltado para a cultura de rua , já que são poucas pessoas que apoiam. Apesar disso, a produtora fala também sobre a escolha de abraçar esse desafio e fazer acontecer. 

A PALAVRA COMO MUNIÇÃO 

A importância da palavra no contexto das revoluções é o cerne da exposição. A palavra opera, então, como ferramenta de conscientização e de denúncia nas sociedades, de modo que é indispensável para se pensar o contexto das revoluções. Para os artistas, são as palavras que fazem o caminho de levarem as ideias adiante, e, por esta razão, têm a capacidade de juntar pessoas em prol de um movimento social - seja no hip hop, nos grupos de resistência contra a ditadura ou ainda nas manifestações indígenas. 

Tjon  e Mév destacam ainda a particularidade de se viver numa São Paulo quando o assunto é a caligrafia urbana. A cidade apresenta uma cena diversa e cheia de referências no pixo e no graffiti, capaz de conectar a sociedade de diversas maneiras, criar novas referências para símbolos já existentes e construir a cultura underground. 

 


Abertura da exposição Reticências na Matilha Cultural/ Por: Ingrid Lacerda

 

O PROCESSO CRIATIVO 


As primeiras obras surgiram em 2023, mas a exposição foi produzida quase dois anos depois. A produção aconteceu de forma independente, na qual muitas vezes precisavam equilibrar a criação das obras com outros trabalhos para garantir o sustento dos escritores de graffiti. O quintal de Mév se transformou em ateliê, onde criatividade e determinação se uniam com o cotidiano dos artistas. 


Apesar das dificuldades, a coletividade se tornou um laço diário crucial para a construção das obras, com cada um contribuindo com sua visão e inspirações. “Entre os trampos temos que fazer da vida, o tempo que sobrava a gente tava se encontrando, pintando ou idealizando algumas coisas, falando sobre, discutindo. Estamos sempre trocando um papo.”, expõe Lucas sobre as perspectivas diárias dos artistas independentes.


Além disso, os contextos históricos e sociais foram essenciais. Após um intercâmbio no Chile, Mév e Tjon  cruzaram o caminho do outro letrista Dfes, assimilaram elementos das lutas sociais dos países do terceiro-mundo, expressando-os em suas artes. O dark lettering (inspirado pela  caligrafia gótica) e a pixação paulistana também representam formas de resistência, combinando registros que refletem a cultura de rua e as revoluções populares.


A exposição Reticências fica aberta para visitação até o dia 18 de abril, e conta com um calendário de atividades aberto para o público. 


Endereço: Rua Rêgo Freitas, 542 - República.
 

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