Exposição "Ouvidor 63" destaca luta por moradia e integração latino-americana

Em comemoração aos 10 anos de existência, a exposição reúne cultura e resistência através da arte
por
Daniela Cid
Maria Clara Palmeira
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13/11/2025 - 12h

Desde setembro de 2025, o Memorial da Resistência abriga a exposição “Ouvidor 63, habitar el arte”, uma mostra artística, gratuita, idealizada pelos moradores da ocupação, composta por imigrantes da América Latina e brasileiros, em conjunto com pesquisadores e estudantes do Departamento de História da Arte da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Esta parceria com a universidade se iniciou em 2023 através do projeto “Ocupaciones: arte, espacio y reinvención de la vida cotidiana”, com o apoio da FAPESP. 

A exposição trata da história da ocupação Ouvidor 63, recriando seus espaços dentro do museu, apresentando obras, registros, depoimentos e ações realizadas pelos artistas ocupantes. De acordo com seus organizadores, é um convite para que as pessoas se aproximem e conheçam a luta deste espaço mais de perto. 

No terceiro andar do prédio do Memorial da Resistência, a mostra se organiza em 6 principais temas: ¿Qué hacer si llega la policía?, Salón, Biblioteca, Cuarto, Cocina e Teatro. Cada um deles conta sobre uma parte da estrutura do prédio Ouvidor 63, sua importância e suas histórias. Além da exposição, o Memorial da Resistência ainda recebe ações artísticas que fazem parte da programação e são realizadas pelos próprios ocupantes, propondo diálogos sobre questões enfrentadas dentro da Ouvidor 63.

Visão Geral da exposição
Visão da exposição "Ouvir 63 - Habitar a arte". Foto: Maria Clara Palmeira/AGEMT

Nomadismo Artístico

A AGEMT acompanhou as performances sobre o tema Imigrações e Nomadismos. O fotógrafo João Vitor Pereira (Manga), natural de Ceilândia no Distrito Federal, que chegou a São Paulo há 6 meses, explica o conceito de Nomadismo Artístico: “Vim pra cá pelo ‘corre’ da arte. São Paulo é uma cidade grande, e posso crescer no meio artístico”. Após suas andanças pela América do Sul, declara: “O nomadismo me ensinou a não me apegar tanto a coisas materiais, e tem me trazido liberdade geográfica sem medo. Também me traz muitos pontos de vista, novas culturas e linguagens. Através deste conhecimento, do que eu vou vendo e gostando, minha arte se reflete”. 

Durante as performances, Manga recitou um poema de sua autoria:

“Nomadismo, itinerância e circo.
Sou passo,
sou vento,
sou estrada que canta o próprio nome.
Sou parte dessa América Latina em movimento,
onde o corpo é mapa e a alma é travessia.
Antes das fronteiras, os povos originários já sabiam:
ninguém possui a terra,
É ela que nos ensina a andar.”

João Vitor Pereira (Manga), participando das performances e ajudando seus companheiros da Ouvidor 63, no dia 08 de novembro, em frente ao Memorial da Resistência, durante a exposição Habitar a arte. Foto: Daniela Cid/AGEMT
João Vitor Pereira (Manga), participando das performances e ajudando seus companheiros da Ouvidor 63. Foto: Daniela Cid/AGEMT

Ivan Gamba, colombiano, de 31 anos, morador da Ouvidor 63 há 3 anos, apaixonado pelo Brasil graças à Seleção Brasileira de Futebol, fez sua performance circense equilibrando e fazendo malabares com diversas bolas. Antes de iniciar sua apresentação, nos fez viajar no tempo.

Viajando pelos ventos da história, chegamos nos tempos de Abya Yala! - O que é Abya Yala? (...) Antes da colonização, o nosso continente (América Latina), se chamava assim. O significado deste nome é ‘Terra em plena maturidade’".

Ivan Gamba, 31 anos, em performance circense, no dia 08 de novembro, em frente ao Memorial da Resistência, durante a exposição Habitar a arte. Foto: Maria Clara Palmeira/AGEMT
Ivan Gamba, 31 anos, em performance circense durante a exposição Habitar a arte. Foto: Maria Clara Palmeira/AGEMT

 

O artista cênico peruano Bryan Meza, de 34 anos, chegou até São Paulo após ouvir falar sobre a Ouvidor 63, em sua terra natal: “A Ouvidor brinda ao viajante, itinerante, uma família. Ressignifica também a ideia da casa, da família, te coloca em um lugar onde você faz parte do movimento, mesmo que você não tenha interesses políticos, nem que seu trabalho tenha uma narrativa contestativa”. 

Meza explica que passou a trabalhar com audiovisual, e que sua arte gira em torno de memória, território e reparação histórica, temas que se unem dentro da causa da Ocupação. O artista viu no nomadismo da América Latina, uma forma de entrar em contato com sua própria ancestralidade: “A gente está tentando transformar as fronteiras em pontes. O Brasil é o último país a abolir a escravidão, e também o país com mais genocídio indígena. Nós vemos isso e comparamos com outros países da América Latina. Temos estruturas de violências históricas similares. No fim, não somos tão diferentes.”. 

Ouvidor 63 - Maior ocupação artística da América do Sul:

Fundada em 2014 no centro de São Paulo, a ocupação abriga um movimento cultural de extrema importância. Formado por dançarinos, cantores, músicos, artistas plásticos e mais diversas profissões artísticas e culturais, o Ouvidor 63 une a luta por moradia à prática cultural. Entre os diversos cômodos do edifício coabitam ateliês, bibliotecas, estúdios e um teatro que servem como um disseminador de cultura, saberes e ensina sobre organização colaborativa, trazendo vida ao centro da capital.

Ativistas e artistas da ocupação Ouvidor 63 após a primeira intervenção cultural no Memorial da Resistência. Foto: Maria Clara Palmeira/AGEMT
Ativistas e artistas da ocupação Ouvidor 63 após a primeira intervenção cultural no Memorial da Resistência. Foto: Maria Clara Palmeira/AGEMT

“Para a gente morar ali dentro, temos que fazer parte de 3 pilares fundamentais para levar a ocupação para frente, que são: a manutenção do prédio, a parte jurídica, devido ao risco do despejo, e também a parte artística. A parte artística e cultural são as que a gente tenta resguardar e levar para frente, fortalecendo”, relata Ivan Gamba, morador da Ouvidor há três anos.

Edifício da ocupação Ouvidor 63. Foto: Daniela Cid/AGEMT
Edifício da ocupação Ouvidor 63. Foto: Daniela Cid/AGEMT 

 

Visão de quem mora na rua do Ouvidor, próximo à ocupação. Foto: Maria Clara Palmeira/ AGEMTVisão de quem mora na rua do Ouvidor, próximo à ocupação. Foto: Maria Clara Palmeira/ AGEMT
Visão de quem mora na rua do Ouvidor, próximo à ocupação. Foto: Maria Clara Palmeira/ AGEMT

Com um histórico de ocupações, desde a década de 1990, o edifício foi ocupado inicialmente pelo MMC (Movimento de Moradia do Centro) e depois, foi cedido à Unesp, mas permaneceu em abandono de 2007 a 2014, quando foi ocupado por um grupo de artistas de Porto Alegre. Com os moradores da Ouvidor, o prédio de 13 andares foi dividido e revitalizado, tornando-se um refúgio artístico no centro de São Paulo.

 

Confira mais sobre a exposição:

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Foto: Daniela Cid/ AGEMT

 

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Foto: Daniela Cid/ AGEMT

 

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Foto: Maria Clara Palmeira/ AGEMT

A exposição vai até 29 de março de 2026. As próximas intervenções estão programadas para os dias 22 de novembro, às 14h, com o tema Lutas e Resistências Sociais; e dia 29 de novembro, ás 11h, com Enfrentamento à violência de gênero. Os ingressos gratuitos podem ser reservados no site do Memorial da Resistência.

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