A exploração dos animais em busca do cosmético perfeito

A curtos passos, a discussão trazida pela campanha “Save Ralph” começa a mostrar sua eficácia
por
Ana Carolina Cesar Sousa, Livia Veiga Andrade, Mikael Resende, Thais Mollo Leoni, Victória Toral de Oliveira
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24/09/2021 - 12h
Salve o Ralph / Humane Society International
                      Figura 1: Salve o Ralph / Humane Society International

 

Em 2 de setembro, o México se tornou o primeiro país da América do Norte e o 41º país do mundo a proibir a fabricação, venda e importação de produtos testados em animais. Iniciado em 2019, pelo senador Ricardo Monreal Ávila, o texto teve apoio unânime dos 103 senadores, da organização Humane Society International do México e da organização não governamental, Te Protejo.

No Brasil o cenário é diferente, os testes em animais foram banidos em apenas oito estados, sendo eles Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pernambuco, Amazonas e Pará. E, no final do mês de abril, a produção em vídeo da campanha “Save Ralph”, focada em dezesseis países prioritários, realizada pela Instituição Humane Society International (HSI), viralizou nas redes sociais. O curta-metragem traz como enredo a “rotina” de um coelho cobaia, na voz do ator Rodrigo Santoro, cego de um olho e com um zumbido em uma das orelhas. Ele  chama atenção pelo diálogo que desenvolve e tem como objetivo conscientizar as pessoas sobre a crueldade dos testes realizados em animais.

Com isso, o Instituto busca o apoio de Senadores para alterar a Lei nº 11.794/08, vedando a participação de animais de qualquer espécie em atividades voltadas à produção e desenvolvimento de produtos cosméticos, de higiene pessoal e perfumes.

O Brasil é o quarto país com o maior mercado de cosméticos do mundo, com 2.794 empresas registradas na Anvisa em 2018. 47,8% eram controlados por apenas cinco representantes: Natura & Co, Boticário, grupo Unilever, grupo L’Oreal e Colgate-Palmolive. Donas de muitas outras subsidiárias, estas grandes empresas espelham a forma como diversas outras marcas farão seu marketing e venderão seus produtos. Provocar mudanças neste vasto mercado que perpetua regras e uma já estabelecida clientela fiel, não é simples.

A viralização do curta trouxe à tona a discussão da real necessidade dos testes em produtos cosméticos. Fabiana de Castro, revendedora de produtos corporais veganos da Avatim, traz a reflexão sobre a necessidade de estudar e conhecer a produção e os testes, e ressalta “é triste sacrificar tantas vidas para um produto, que muitas vezes nem é tão útil assim.” 

Figura 1: Divulgação Humane Society Internacional
Figura 2: Divulgação Humane Society Internacional

Dentre os diversos testes existentes há o Draize, criado em 1944. A modalidade de testes de irritação ocular consiste em medir a toxicidade aguda de substâncias, mantendo os animais conscientes, sem remédios para diminuir a dor e imóveis em uma estrutura. A substância a ser testada é introduzida na pálpebra inferior de um dos olhos do animal, causando uma forte queimação, irritação e dor. Em alguns casos essa aplicação acontece diversas vezes, com os animais sendo monitorados diariamente durante uma a três semanas para verificar o nível de irritação. Outra modalidade do teste é a exposição direta da pele do coelho. Para isso, todos os seus pelos são removidos com fita adesiva, o que retira também algumas camadas da pele, provocando dor, bolhas e sangramentos.

Em observações dos testes Draize descobriram que a chance de uma substância potencialmente perigosa passar no teste como segura, é praticamente nula – no máximo, 0,01%. Já a possibilidade das substâncias irritantes/suaves serem seguras fica entre 3,7% e 5,5%. Estas são etapas que podem ser evitadas, como afirma Camilla Guimarães, engenheira química e idealizadora da Gaia Cosméticos. Ela diz que não é mais caro produzir sem passar pelo processo da crueldade, os custos são os mesmos em todas as indústrias. 

Grandes empresas já abandonaram os testes com animais. A Boticário, por exemplo, abandonou a prática em 2000 e luta para que os concorrentes façam o mesmo. Apesar disso, ainda não se tornou completamente vegana, tendo em 2019 apenas 30% de sua linha sem substâncias de origem animal. Na opinião da Fabiana, por mais que haja uma preocupação com a produção cruelty free dentro da Boticário, empresa na qual já trabalhou, sente que ainda há uma diferença entre empresas nacionais e os pequenos negócios.

Já a Natura não realiza mais os testes desde 2006 e afirma que 83% de todos os seus produtos são veganos. Em seu site a marca informa que “para garantir a eficácia e a segurança dos produtos, investe constantemente em ciência, inovação, tecnologia e métodos alternativos.” Mas há a necessidade de se tomar cuidado com essas declarações, pois empresas de grande porte costumam utilizar-se da terceirização. As contratadas nem sempre seguem as mesmas diretrizes.

A terceirização dos serviços facilita  a produção de artigos de beleza e higiene pessoal, além de reduzir custos com matéria prima e mão de obra. A empresa contratada é responsável pelo registro e desenvolvimento do produto, ajustes de formulação, lote, teste de qualidade, distribuição e outros. A partir disso, o contratante pode escolher os ingredientes, as embalagens e o lote mínimo. Isso possibilita a criação de diversas fórmulas e o lançamento de uma marca no mercado sem a necessidade de montar uma fábrica. Em certos casos, como apontado pelo  People for the Ethical Treatment of Animals (PETA), pode acontecer de a mesma empresa ter suas divisões com marcas que testam e não testam em animais.

Para quem adere ao cuidado e a proteção dos animais, existem mais opções além dos produtos Cruelty free. Também há os veganos e os naturais, que são muito parecidos. Produtos veganos, além de não utilizarem testes em animais durante a formulação, também não utilizam nenhum derivado animal em sua composição. Já os naturais utilizam plantas, grãos, extratos, tudo que vem da terra, mas nem sempre excluirão os testes em animais de sua agenda. Marcas que produzem esses tipos de produtos se preocupam e preservam o meio ambiente. Os produtos que são cruelty free, mas, que possuem derivados animais, acabam sendo comuns e não tão criticados, por não fazerem uma apologia ao sofrimento animal, apenas usufruem de seus derivados, como leite, por exemplo. Assim, optar pelos produtos veganos é apenas uma questão de escolha, sendo de impacto optar por marcas cruelty free, não perpetuando os testes que são cruéis, pouco eficazes e, em sua maioria, desnecessários.

A necessidade dos testes em animais, ainda, indica que as substâncias que serão usadas são muito fortes, envolvendo álcool e ácidos, que podem chegar a queimar a pele, como aponta de Castro, revendedora da Avatim, “utilizar ingredientes do dia-a-dia é uma das melhores opções, grãos, sementes, folhas não agridem a pele ou o cabelo da mesma forma que estes cosméticos fortíssimos produzidos pelas grandes indústrias”.

Porém, o fim dos testes não é uma verdade, não é possível simplesmente vender produtos com a possibilidade de reações nas pessoas, isso poderia causar doenças e mortes. Mas há opções de substituição dos animais, por peles 3D, projeto desenvolvido pelo grupo Boticário para substituir os testes de seus cosméticos nos animais.

É uma tecnologia inovadora que promete reproduzir fielmente a pele humana para a testagem dos produtos prontos e até mesmo dos ingredientes. É um método reconhecido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea). É possível criá-la a partir do material descartado de cirurgias plásticas, com o consentimento do paciente, essas partes retiradas são levadas para o laboratório e lá passa pelo processo de criação de todas as camadas necessárias. Para complementar os testes, uma tecnologia conhecida como Organs-on-Chips (Órgãos-em-chip) simula diversos órgãos. O chip responde de forma similar ao organismo quando em contato com as substâncias. Agindo em conjunto com a pele 3D, eles identificam, com mais eficácia, reações alérgicas decorrentes dos produtos testados.

Há também outra possibilidade apresentada por Guimarães, da Gaia Cosméticos, a testagem em humanos voluntários, em clínicas especializadas onde é possível que os cosméticos passem pelo mesmo processo de testagem, dentro das normas internacionais e seguindo as regras do Ministério da Saúde. O custo não é muito maior do que os testes em animais e dependendo da complexidade dos cosméticos, é possível ter respostas ainda mais rápidas e eficazes, além de entender de forma ainda mais prática como as reações acontecem em diversos tipos de peles. 

A existência de testagens alternativas não significa o fim dessa prática. É preciso também anular as leis que permitem a testagem em animais e principalmente as que exigem esses testes, como é o caso da China, possuidora de um grande mercado consumidor. Para isso, é preciso ter o interesse do público em deixar de utilizar essas marcas, pondo fim no argumento de que os produtos naturais e cruelty free são sempre mais caros, uma verdade que já foi desmentida. É possível buscar informações em sites como da ONG Te Projeto ou Projeto Esperança Animal (PEA) para encontrar as marcas que seguem diretrizes cruelty free e veganas.

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