Estudante indígena rompe tradição cultural e assume luta LGBTQIA+

Um caso de luta e superação de problemas pessoais
por
João Serradas
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22/06/2022 - 12h

Por João Serradas

Mãe, indígena e participante do programa Pindorama,  Monalisa Barros conversou com alunos de Jornalismo da PUC/SP com o objetivo de discutir a importância do projeto Pindorama (criado para oferecer bolsas de estudos para a comunidade indígena).  A criação do Pindorama chegou com o objetivo de proporcionar a jovens indígenas, melhores condições de estudo e consequentemente, um melhor futuro profissional. Monalisa foi uma dessas pessoas que viram o projeto como uma grande oportunidade de vida. Porém o trajeto até ele não foi nada fácil. Ela conta que sua vida sempre foi difícil, fazendo com que ela tivesse sempre de buscar forças para conquistar seus objetivos. Sua jornada com o estudo superior começou quando ela decidiu cursar letras em uma faculdade em Pernambuco, Estado em que cresceu. Porém ela estudou por apenas 2 anos, sendo incapaz de terminar sua graduação devido a problemas técnicos e burocráticos de sua instituição. Deste modo, restaram duas opções a Monalisa, sendo forçada a escolher outra faculdade para continuar seus estudos ou escolher outro curso para seguir.

E foi nesse momento em que ela teve tempo para refletir e pesquisar mais a fundo as possibilidades que estavam abertas a ela. E entre essas oportunidades, Monalisa descobriu o projeto Pindorama, programa que a possibilitaria estudar na maior cidade do país, com bolsa de estudo em uma das melhores Instituições de ensino do Brasil. E foi assim que sua vida acadêmica na PUC-SP iniciou.

Contudo, para que isso se tornasse realidade, Monalisa teve que passar por um teste de conhecimentos para saber se estaria apta para estudar. Felizmente isso não foi problema já que ela conquistou sua vaga com um ótimo desempenho na avaliação, tendo ficado entre os 12 primeiros colocados em uma lista de mais de 50 candidatos. Logo após sua aprovação, Monalisa se mudou para São Paulo em 2016 e sua adaptação não foi nada fácil. Ela relata que sofreu muito para se encaixar na rotina caótica da cidade grande, além de ter sofrido casos de preconceito em seus primeiros meses devido a suas raízes indígenas. Monalisa conta que em ambiente acadêmico, sua relação com os colegas de sala era distante e sentia uma forte exclusão por parte da maioria por acharem que ela não seria capaz de acompanhar os estudos, e que nada poderia acrescentar em relação as dinâmicas de aula, porém os alunos com o tempo se renderam e ficaram mais abertos a sua presença quando enxergaram o potencial que ela apresentava. Alguns estudantes até mesmo começaram a se aproximar de Monalisa por simples interesse, mas com o tempo isso deixou de ser um problema para ela.

Em relação a rotina, ela diz que até hoje que é complicada a vida no condomínio onde vive. Segundo ela, seus vizinhos sempre a olharam com maus olhos, como se não fosse bem-vinda, inferiorizando-a por ser uma indígena. Monalisa relata que foi muito duro os primeiros meses, chegando ao ponto de ela querer desistir em certos momentos, porém ela sabia o que estaria perdendo se deixasse tudo para trás. Além do mais, ela não estaria apenas colocando sua vida em jogo, mas também a do seu filho de dois anos, Noah. Além de ter que lidar com seus problemas e sua nova vida em um lugar desconhecido e sem nenhuma ajuda para lhe amparar, Monalisa ainda tinha a responsabilidade de cuidar e criar de outro ser humano. Ela conta que o nascimento de seu filho não foi planejado, o que fez com que sua vida mudasse por completo, porém ela diz que ele foi uma das melhores coisas que já lhe aconteceram. Noah fez com que Monalisa amadurecesse mais rápido, psicologicamente e emocionalmente, o que lhe ajudou para que se tornasse uma boa mãe e que estivesse preparada para os desafios que a vida lhe traria agora nessa nova fase em São Paulo. Com a vida corrida, trabalho e estudo, ela não tem outros meios a não ser carregar junto a ela o seu filho para onde ela quer que fosse. Apesar de ser cansativo, foi algo que ajudou na relação dos dois, estando dessa forma, mias conectados.

A vida não estava sendo fácil, mas tudo era mais complicado quando ela ainda vivia em Pernambuco. Monalisa nasceu e cresceu com seu povo indígena Pankararu, com quem aprendeu todos os costumes de sua cultura. Apesar de ser muito grata por todos os conhecimentos adquiridos e o amor recebido pela maioria, a cultura indígena imposta pelo seu povo a proibia de fazer muitas coisas. Entre elas estava o casamento. Para o seu povo, o laço matrimonial deve ser seguido de uma forma totalmente retrógada em que a esposa deve ser submissa ao marido, estando ali para obedecer suas ordens e realizar seus desejos. E Monalisa estava casada e já sofrendo as consequências dessa união. Deste modo, ela se viu encurralada e por mais que amasse sua família, ela não poderia continuar a viver naquele local pois sua liberdade estaria em jogo. Uma vida como essa não teria espaço para ela correr atrás de seus objetivos em relação a carreira e estudos. Como dito antes, o casamento para o seu povo era simples, a esposa teria que obedecer e viver para o seu marido. Em visão disso, Monalisa procurou se separar de seu até então esposo, mas ele não aceitava essa decisão, tornando sua vida um verdadeiro inferno.  Ele não deixava ela respirar, ela até mesmo conta que teve diversos momentos em que ele se exaltava e a pegava pelo braço a força quando ela apresentava algum comportamento “inadequado”. Diante disso, ela se viu na obrigação de ter que fugir, e conseguiu, mas foram muitas tentativas até esse ponto. Monalisa relata em que algumas ocasiões ela foi ameaçada de morte por seu ex-marido, tornando seu dia a dia em Pernambuco uma agonia, nunca sabendo se no dia seguinte ela continuaria viva. Felizmente nada de ruim lhe aconteceu e ela conseguiu chegar bem em São Paulo.

Mesmo longe de casa, Monalisa ainda mantém contato com sua família e o restante de seu povo, sempre trocando mensagens e fazendo ligações, além dela também ter o costume de fazer ao menos uma visita por ano a Pernambuco. O que no começo não foi fácil já que seu ex-marido ainda guardava mágoas pelos acontecimentos passados, mas não durou muito e as coisas se acalmaram. Entretanto, suas visitas causaram um certo espanto quando souberam que Monalisa estava novamente comprometida, desta vez, casada e feliz, mas não com um homem como todos esperavam e sim com uma mulher.

O povo Pankararu ficou chocado com a notícia. Para eles, ser casado com alguém do mesmo sexo é algo fora do comum, como se esse tal ato fosse anormal. Mas nada disso abalaria Monalisa. Ela persistiu e explicou seu ponto de vista ao resto de seus entes queridos indígenas dizendo que não há nada de errado nisso e sim algo natural. Com o passar do tempo,  eles passaram a entender melhor sobre o assunto, chegando a pesquisarem sobre. Ficaram tão informados que surgiram movimentos em prol da questão LGBTQIA+. Monalisa até cita um momento emocionante que passou com sua família. Ela diz que seu tio de mais quarenta anos se declarou homossexual e que agora luta pelas mesmas questões que um dia ela teve que lutar. Ela diz que esse tal gesto mexeu muito com ela.

Casos como de Monalisa são exemplos de vida e superação. Mostra o que é preciso para alcançar seus objetivos, nada é fácil e precisamos ultrapassar barreiras se quisermos sair vitoriosos. Este relato em específico retrata como tudo se torna ainda mais desafiador quando você é pertencente a uma classe social “inferior” ou é de uma origem diferente dos demais. Sempre vão existir rótulos e estereótipos, mas cabe a nós termos a coragem de impor nosso modo de pensar através de atitudes e gestos para que assim o mundo mude.

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