Estado ainda falha na hora de proteger mulheres da violência

Avanço das leis contrasta com a lentidão dos processos e a falta de acolhimento a vítimas
por
Larissa Pereira José
|
10/11/2025 - 12h

 

Os números da violência de gênero no Brasil seguem alarmantes. Mesmo com leis consideradas exemplares, como a Lei Maria da Penha e a tipificação do feminicídio, o país ainda falha em transformar a legislação em proteção real. A demora nas medidas protetivas, a falta de monitoramento e a escassez de abrigos revelam um cenário de vulnerabilidade que se repete diariamente.

Segundo a 5ª edição da pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com o Datafolha, 37,5% das mulheres brasileiras relataram ter sofrido algum tipo de violência nos últimos 12 meses — o equivalente a cerca de 21,4 milhões de mulheres. Já o Atlas da Violência 2024, elaborado pelo Ipea e pelo próprio FBSP, mostra que, em 2021, 67,4% das mulheres assassinadas no país eram negras, o que confirma o impacto desproporcional da violência letal sobre esse grupo.

A desigualdade regional agrava o problema. Enquanto grandes capitais concentram centros de referência e delegacias especializadas, muitos municípios de médio e pequeno porte não contam sequer com atendimento psicológico ou jurídico voltado às mulheres. A ausência de equipes multidisciplinares e de plantões noturnos faz com que a resposta do Estado dependa do local onde a vítima mora — uma diferença que, na prática, pode custar vidas.

Pedidos de medidas protetivas demoram a ser analisados, ordens de afastamento nem sempre são fiscalizadas e o atendimento emergencial é limitado. Muitas mulheres, mesmo após registrar a ocorrência, retornam para casa sem abrigo, sem escolta policial e sem acompanhamento psicológico. Casos de violência psicológica e moral continuam sendo subnotificados, o que impede que a prevenção aconteça antes da agressão física.

Em entrevista exclusiva para a AGEMT, a advogada Aline Ribeiro, especialista em direito da mulher, reforça que o problema não está na lei, mas na execução. “A legislação brasileira é uma das mais completas do mundo, mas falta celeridade nas medidas protetivas e uma rede de acolhimento que funcione 24 horas por dia”, afirma. Para ela, “muitas vezes, a mulher tem coragem de pedir ajuda, mas o Estado não responde a tempo. Essa demora abre espaço para tragédias”.

Aline acredita que a prevenção é o ponto-chave: “a violência não começa com o tapa, começa com o abuso psicológico, com o controle, com a humilhação. Por isso, é essencial investir em educação de gênero desde cedo e em campanhas permanentes de conscientização”, defende. Ela também propõe o fortalecimento de delegacias e juizados especializados com equipes multidisciplinares, além de processos mais rápidos para afastar o agressor. “A Justiça precisa ser mais rigorosa. Quando o agressor entende que o descumprimento da medida tem consequência, ele pensa duas vezes.”

Além das falhas do Estado, a advogada chama a atenção para a cultura da naturalização da violência. “A gente ainda escuta que ‘em briga de marido e mulher não se mete a colher’, mas isso é um erro grave. Denunciar é um ato de amor à vida. A violência contra a mulher não é um problema individual, é um problema de todos nós”. Ainda segundo ela, oferecer apoio emocional, sem julgamentos, ajuda na reconstrução da autoestima das vítimas. “Acreditar nelas salva vidas.”

Pesquisas apontam que os impactos da violência vão muito além das marcas físicas. O trauma pode gerar ansiedade, depressão e sentimento de culpa, dificultando o retorno ao trabalho e à convivência social. “O dano psicológico é profundo. Muitas mulheres perdem a autoconfiança e passam anos tentando reconstruir a vida. Por isso, acolher é tão importante quanto punir”, destaca Aline.

Entre os direitos imediatos das vítimas, ela ressalta o afastamento do agressor, a proibição de contato e o acompanhamento policial, além de atendimento psicológico e jurídico gratuito. “A mulher precisa saber que não está sozinha. Há profissionais e instituições prontas para ampará-la. Meu trabalho é justamente orientar e segurar essa mão estendida no momento em que ela mais precisa”, conta, emocionada.

A atuação de coletivos feministas e organizações civis também tem sido essencial para preencher lacunas deixadas pelo poder público. Iniciativas como o Mapa do Acolhimento, que conecta vítimas a psicólogas e a advogadas voluntárias, mostram que a rede de solidariedade pode ser um caminho efetivo para a recuperação. “A sociedade civil tem feito o que o Estado ainda não faz de forma suficiente: escutar e amparar”, afirma Aline.

A advogada também fala sobre sua motivação pessoal: “Eu mesma fui vítima de violência doméstica. Por isso, luto para que nenhuma mulher precise passar pelo que eu passei. Cada vida importa.”

Converter leis em proteção real ainda é um desafio. O enfrentamento à violência contra a mulher exige agilidade, integração entre os órgãos públicos e políticas de prevenção contínuas. Até que isso aconteça, cada caso que ganha as manchetes segue lembrando que o país ainda falha em garantir segurança e dignidade para suas mulheres.