Estádios ultramodernos, leis ultrapassadas

As contradições do encontro do maior evento do futebol mundial com um dos países mais tradicionalistas do mundo árabe
por
Lucas Santoro Galvani
Matheus Pogiolli de Oliveira
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09/09/2022 - 12h

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Legenda: Estádio de Lusail Foto/Divulgação

         A Copa do Mundo é um evento realizado de quatro em quatro anos, que passa por diversos países ao redor do mundo. A sede do ano de 2022 é o Catar, que será o segundo país asiático a receber o torneio, além de também ser o terceiro país fora do eixo América-Europa a receber o evento (juntamente com Coreia do Sul/Japão e África do Sul). Também será a primeira Copa do Mundo a ser disputada em um país do Oriente Médio e declaradamente muçulmano.

         A edição de 2022 será, de todas as Copas já disputadas na história, a com o maior investimento financeiro. O governo catariano desembolsou dos cofres públicos 30 bilhões de dólares (117 bilhões de reais). Porém, nem todo este dinheiro foi destinado diretamente à construção dos estádios. Outro dado alarmante sobre o investimento massivo no evento é o de que aproximadamente 6,5 mil trabalhadores imigrantes morreram durante a construção das arenas e de outras construções correlacionadas, dados coletados pelo jornal britânico The Guardian.

        Se tratando de um evento com enorme diversidade cultural, no qual inúmeras nações, etnias e ideologias se encontram para a realização do mesmo, a legislação vigente do país pode, de certo modo, tirar a liberdade de algumas delas, e, em alguns casos, até acarretar em prisão.

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Legenda: Trabalhadores imigrantes nepaleses em situação precária Foto: Benjamin Best

 

E quais são essas leis?

 

         O Catar, assim como em muitos países onde o islamismo impera, é regido pela “Xaria” ou “Sharia” (em árabe “caminho para a fonte”), que é o sistema jurídico do Islã. É um conjunto de ordens baseadas nas orientações do Alcorão e de condutas pregadas pelo profeta Maomé. A Xaria serve como diretriz para os pertencentes da religião muçulmana, e deve ser seguida rigidamente por todos cidadãos. A Sharia determina para a população que realizem orações diárias, jejuns e doações para os mais pobres.

         Curiosamente, o Catar é considerado como um dos países mais liberais do Oriente Médio, talvez até por isso tenha sido escolhido pela FIFA para figurar no sorteio das sedes no ano de 2010. Em Doha, capital do país, as mulheres têm permissão para dirigir, frequentar estádios, candidatar-se a cargos públicos e podem optar se querem ou não utilizar a “abaya” (a “capa” presente nas vestimentas tradicionais islãs, um dos componentes da burca). 

          Quanto às legislações, a sede da Copa de 2022 ainda é muitíssimo retrógrada. Primeiramente, existem uma série de punições para diversos atos que, no Ocidente, são considerados “comuns”, e que podem ser muito conflitantes durante o evento. Beijos, abraços e carícias em público não são permitidas, relações homoafetivas são passíveis de prisão e qualquer publicação ou fala que defenda a comunidade LGBTQIA+ é considerada ilegal. Fotografar prédios e construções públicas com algum teor religioso também é proibido. O não pagamento de dívidas aos estabelecimentos hoteleiros também é passível de pena.

          O Catar tem a pena de morte legalizada para alguns crimes específicos, estes são: homícidio qualificado, estupro, terrorismo e crimes contra a segurança nacional, porém, ela é pouco utilizada, sendo a última execução realizada em 2020, após um espaço de 17 anos. Também há, por conta da Sharia, uma proibição ao consumo de bebidas alcoólicas em público, mas esta lei em específico não será aplicável dentro dos estádios, provavelmente em prol da lucratividade e do turismo.

          Conversamos com Carlos Machado, amante de Copas do Mundo, tendo estado em todas desde 2006, totalizando quatro copas presentes e três continentes conhecidos. Carlos estará presente no Catar para acompanhar a sua quinta Copa do Mundo. Quando perguntado se tem algum receio em relação à viagem, o empresário afirma que será uma Copa como todas as outras que já experienciou. Carlos também acredita que a edição de 2022 não será a sua viagem de maior risco. “Não, já estive em outras Copas onde o aspecto de segurança me preocupava mais, como na África do Sul, por exemplo, algo que é um ponto forte do Catar”, comentou o brasileiro. Apesar disso, o entusiasta do futebol diz que ficará atento às regras e costumes locais, respeitando-os ao máximo.