“O meu problema sempre estava na minha cabeça, eu treinava super bem, mas meus treinadores não entendiam o porquê que eu não aprendia saltar o que eu tinha para saltar, porque era algo totalmente psicológico e eu não entendia, eu realmente não entendia”. Esse é o depoimento da educadora física Ysnaira dos Santos, 23 anos, que até o ano passado era atleta de salto com vara e disputava diversos campeonatos nos Estados Unidos.
A jovem desistiu da carreira por conta da pressão por resultados, dores e a saudade de casa. A fala dela ecoa vários outros casos no meio do esporte, e, comprova a importância do cuidado com a saúde mental em uma rotina exaustiva, que leva o corpo e a mente aos seus limites.
Nas últimas olimpíadas, Simone Biles, uma das principais ginastas do mundo, decidiu não disputar as medalhas da competição para cuidar do seu psicológico. A decisão na época chocou o mundo, afinal ela era favorita em todas as disputas. “Acho que a saúde mental é mais importante nos esportes neste momento. Temos que proteger nossas mentes e nossos corpos e não apenas sair e fazer o que o mundo quer que façamos”, conta Biles sobre sua decisão.
O psicólogo Ricardo Picolli, especialista em psicologia do esporte, alerta para os cuidados sobre a saúde mental. Para o mestre, essa é uma parte importante da saúde como um todo de um atleta. Ele afirma que todo o desempenho e todo fazer de um esportista tem a saúde mental implicada nesse processo, logo se o atleta não tiver bem mentalmente, não terá um bom desempenho: “A saúde mental é a base para construção de outras habilidades e competências psicológicas ”, afirma Ricardo.
O especialista ainda exalta atitudes como a que foi feita pela ginasta Simone Biles ao falar sobre o seu caso. Ele acredita que dessa forma muitos estigmas e tabus podem ser quebrados: “Faz com que exista uma sensibilização da população e até mesmo um entendimento maior de que a falta de saúde mental não significa loucura nem fraqueza”.
Realidade de um atleta
Ysnaira começou no atletismo desde os seus 12 anos, ainda na escola que frequentava. Aos 13, foi convidada a integrar um dos principais clubes de São Paulo, o Centro Olímpico. Desde então começou a colecionar medalhas. Foi medalhista no campeonato brasileiro sub-16 de salto com vara, campeã brasileira sub-18, vice-campeã no sub-23 e em 2018 disputou o mundial em Marrocos. Mas mesmo com uma trajetória tão vitoriosa, a realidade vivida por ela não era fácil. O apoio aqui no Brasil era pequeno e ela conta que nem mesmo recebia um salário-mínimo e precisava conciliar a rotina de treinos junto com um outro emprego como telemarketing.
A decisão então foi agarrar uma oportunidade vinda de fora. A faculdade norte americana Vincennes University viu o seu talento e ofereceu uma bolsa para ela estudar educação física e competir pela instituição. Em 2023 ela embarcou para os Estados Unidos e iniciou uma nova etapa.
Porém o início não foi fácil. Logo que chegou sofreu uma lesão no quadríceps e a pressão para retornar e apresentar bons resultados aumentou ainda mais, já que dependeria do esporte para manter a sua bolsa de estudos. Ysnaira lembra que aquela não tinha sido a sua primeira lesão grave em sua carreira e que o processo de recuperação é sempre complicado psicologicamente: “É um processo muito lento, mexe muito com a nossa cabeça, com o nosso psicológico, porque você sai totalmente da sua rotina de treinos e planos”. A ex-atleta ainda complementa que o retorno às pistas é muito difícil: “Dependendo da idade que você 'tá' e se você não tiver todo um suporte, já não tem mais essa paciência de querer esperar esse processo saber?”. Ysnaira chegou à competição mesmo lesionada e ficou na terceira colocação.
A distância da família foi outro fator que Ysnaira sofreu em seu período como atleta nos Estados Unidos, chegando ao ponto de se sentir sozinha já que não sabia falar fluentemente inglês: “Eu sentia muita falta de casa, me sentia muito sozinha também pelo fato de não ter muita comunicação, não me aceitando comunicar muito bem com as pessoas”.
A jovem desabafava que a falta de resultados junto a esses dois fatores a fez repensar sobre sua carreira esportiva e o quanto aquilo estava fazendo mal psicologicamente para ela: “Eu percebi que o esporte, apesar de eu entregar muito, ele me devolveu pouquíssimo. Isso começou a se tornar muito desgastante para mim, porque é uma entrega tremenda, eu deixei coisas aqui para viver esse sonho”. “Então começou a ser algo muito frustrante, ter uma entrega diária e não enxergar o resultado”, complementa a jovem.
Importância do apoio de um profissional
Ricardo Picoli afirma que é importante que os atletas entendam o contexto em que eles estão vivendo e entendam também o que do contexto os faz bem e o que os prejudica. Além disso, os esportistas precisam ter consciência de que há mecanismos de ajuda para questões de saúde mental, como profissionais capacitados para fazerem esse atendimento e acompanhamento: “Se expressar, falar sobre isso dentro do seu entorno de segurança e buscar esses profissionais é bastante importante ”.
O psicólogo ainda declara que é também da responsabilidade dos clubes atuarem nessa questão, garantindo mais espaço para o atendimento especializado: “Ter uma equipe fixa relacionada à questão da saúde mental é de suma importância para essa população de atletas. considerando que eles são também seres humanos, mas que vivem num contexto que os afeta num grau muito maior”.
Ysnaira lamenta não ter usufruído mais da ótima infraestrutura da área de saúde mental esportiva fornecida pela sua universidade. Um jovem afirma que esse foi um dos erros dela em sua passagem pelo país: “Passei durante um tempo, mas não me adaptei ao psicólogo em si. Então eu parei e acredito que esse foi um erro meu dentro do esporte. Não adianta a gente achar que a gente consegue”. “Eu encontrei muito meu corpo, mas a minha mente ficou um pouco de lado e um atleta com a mente fraca… Você pode ter o corpo mais forte do mundo que as coisas não vão funcionar.” concluir a educação física.
O esporte não é o fim
No final de 2023, Ysnaira retornou ao Brasil. Atualmente ela estuda educação física e trabalha numa academia. Ela redescobriu uma outra área que sempre foi apaixonada: A musculação. Hoje ela se diz feliz e busca ser bem-sucedida nesse novo ramo: “(O esporte) Foi um sonho que eu vivi e hoje eu estou buscando viver meu outro sonho, ser um grande profissional no mundo da educação física”.
Ricardo conclui dizendo que um atleta precisa de um ambiente que o acolha e o faça feliz para que assim casos de transtornos mentais diminuam no contexto esportivo: “Penso que ter um ambiente acolhedor, um ambiente mais aberto a falar dessas questões facilita com o que a gente toma ações e faz alguma coisa para que isso seja diminuído e cuidado de fato”.