Por Isabel Bartolomeu Simão, Inara Novaes e Sabrina Legramandi
AgeMT: Como você lida com a exposição da sua vida pessoal na mídia? O fato de você ser mulher, interfere, de alguma maneira, nisso?
Soninha: O fato de ser mulher significa que vão querer saber algumas coisas ao meu respeito que não teriam interesse em saber sobre um homem. É um tipo de curiosidade, até de bisbilhotice mesmo. Se um homem viaja muito a trabalho, ninguém pergunta para ele “como ficam seus filhos?” porque supõe-se que não é problema dele. Agora, para uma mulher, vão perguntar se é difícil conciliar trabalho e filhos.
Eu sempre me perguntei “o que eu quero da minha vida pessoal que seja público e o que eu não quero?”. Nas primeiras vezes que eu fui procurada para dar uma entrevista, tive que lidar com isso e o critério que estabeleci para mim é: quando saber de um aspecto da minha vida pessoal puder ser útil na vida de alguém, então, tudo bem, eu aceito falar sobre isso. Se for só uma curiosidade boba, de fuxico, eu prefiro não contar.
Quantas vezes na minha vida me ajudou ler uma entrevista de alguém e saber que a pessoa estava vivendo um puta de um drama, porque tinha filhos pequenos, teve os filhos muito cedo, demorou muito para conseguir fazer faculdade e fez. Eu tinha vinte anos e tinha duas filhas já, às vezes eu entrava em umas de achar que minha vida estudantil parou, que nunca mais iria conseguir voltar a estudar. Nesse sentido, assim como eu já me impactei por entrevistas, alguma coisa pessoal que eu diga pode ser impactante para alguém também.
AgeMT: Você se formou em cinema e ficou muito conhecida pelo seu trabalho como VJ na MTV. Por que você decidiu trocar a área da comunicação pela política? Foi realmente um desejo de mudar ou, para você, uma área complementa a outra?
Soninha: Eu pensava em fazer política antes de pensar em trabalhar em televisão, porque, quando eu era pequena, acompanhava política por influência da minha mãe. Ela não tinha uma militância externa, não fazia parte de nenhum movimento organizado, mas era muito atenta, interessada, crítica. Então esse interesse e essa indignação vinham para dentro de casa.
Com o passar dos anos, eu olhava para a política e falava “Deus que me livre, eu não quero, eu quero ser uma pessoa engajada politicamente, mas não disputar um cargo político”. E, assim, eu toquei minha vida na escola, no teatro amador, na faculdade e na TV sempre com a política presente.
Se eu tivesse que abandonar a política para ser apresentadora de televisão, não teria dado certo. Tirar a política da minha vida era impossível, o que aconteceu depois foi que eu tirei a televisão da minha vida, decidi ser candidata a vereadora. Porque, naquele momento, concluí que eu queria ter mais poder e, para ter mais poder, teria que disputar um cargo eletivo. Conciliei a vida na área política e o trabalho em televisão enquanto deu. O resumo da história é: eu não conseguiria abrir mão da política para trabalhar em televisão, cinema, mídia esportiva, no que quer que fosse.
AgeMT: Você possui uma vasta participação na política. Como esses anos de atuação contribuíram para sua visão sobre o papel e o exercício da cidadania?
Soninha: Eu achava que entendia muito de política antes de me eleger vereadora, porque, afinal de contas, fiz política a vida inteira. Sempre fui militante, ativista, engajada, leitora, consumidora de noticiário político e foi só quando me elegi que descobri o quanto que eu nem imaginava. A gente tem que decorar a tabela periódica para passar no vestibular, mas não precisa saber quantos vereadores tem a capital, quantos deputados tem a Assembleia Legislativa. A gente não sabe nem o básico, nem a regra do jogo, muito menos como o jogo é jogado.
Eu sofri muito no primeiro mandato, porque era tudo muito diferente do que eu imaginava. Me preparei para confrontos diretos de ideia e achei que era isso que ia me fazer sofrer. Na verdade, enquanto você tinha duas ideias aqui em debate, o que influenciava a vitória de uma sobre a outra era tudo que estava acontecendo em volta.
Esse compromisso com o que realmente pode transformar a realidade é o que eu tenho mais claro hoje. Como a gente pode se engajar em alguma coisa de modo que aconteça a transformação que a gente espera? Então, acho que é coisa que só dá para aprender mesmo com o tempo, a idade e a experiência na pele.
AgeMT: Como você descreveria sua experiência na política considerando que este é um espaço ocupado majoritariamente por homens brancos? Como essa desigualdade de gênero é percebida no exercício da profissão?
Soninha: Quando eu me elegi a primeira vez, éramos cinco vereadoras num conjunto de 55 parlamentares. Então, imagina, uma mulher para cada dez homens. O resultado disso é espacial, sabe? Era muito comum você estar num ambiente e só ter homem. Era muito frequente você ser a única mulher em determinado lugar. Isso é totalmente artificial, antinatural, o mundo não é assim. A gente estava num espaço que é para ser representativo por definição e não era nada representativo em vários sentidos: o do gênero, muito marcante, mas não tinha nenhuma pessoa trans, ninguém que se afirmasse homossexual, jovens, éramos apenas dois.
Quando eu me elegi da segunda vez - teve 8 anos de intervalo entre um mandato e outro - no segundo, nós já éramos onze mulheres. Isso foi muito significativo e agora o número aumentou. Hoje é mais difícil acontecer esse retrato básico e absurdo: você aponta a câmera para um lado e só tem homem, mas ainda acontece, pode reparar. Os homens ainda são em número maior e, claro, que não é uma questão só do impacto visual e espacial, é a presença dos temas, a visão dos temas, a postura em relação aos temas, aos temas todos da sociedade.
AgeMT: Nas suas entrevistas – principalmente as mais antigas – você sempre se definiu como socialista. Você ainda se define assim? Se sim, de que forma? Se não, qual modelo político você defende hoje e por quê?
Soninha: Eu sou uma pessoa com visão de esquerda, o que significa o seguinte: o coletivo precede o individual. Eu não acho que o direito individual é o que vem primeiro. Então, como isso reflete na política municipal? Quando a gente discute transporte coletivo versus transporte individual, né? Os usuários de transporte individual ficam revoltados com qualquer tipo de restrição que você impõe à circulação de veículos, e eu acho que a gente tem que privilegiar o transporte coletivo, que atende a um número muito maior de pessoas e atende muito mais ao interesse da população de modo geral. Então, a visão se reflete em coisas práticas até.
O Estado tem um papel decisivo para garantir o acesso a direitos: moradia, educação, saúde. Eu acredito, também, muito mais nos modelos baseados em cooperação, colaboração e solidariedade do que nos modelos de competição. Muita gente acha que esse é o melhor jeito. Eu não acredito nisso. Agora, isso não quer dizer que eu defenda que o Estado tem que fazer tudo. Eu acho que existem vários modelos interessantes de parceria: setor público - setor privado - terceiro setor - sociedade organizada, que podem garantir o acesso a serviços públicos de qualidade, que podem garantir o acesso a direitos, sem ser tudo estatal.
AgeMT: Até meados de junho deste ano, você ocupava o cargo de chefe de gabinete da Secretaria de Relações Internacionais da Prefeitura de São Paulo, que tem Marta Suplicy como titular da pasta. Após a liberação de verba para a Motociata de Bolsonaro, que ocorreu na cidade, você foi exonerada do cargo. Esse evento repercutiu e recebeu críticas de grande parte da população paulista. Você pode falar um pouco sobre o assunto? O que ocorreu?
Soninha: Eu fiquei arrasada. Eu odiava saber que teria uma motociata do Bolsonaro sem nem imaginar que, por causa daquilo, eu perderia o meu emprego. Já era horrível a perspectiva do Bolsonaro desfilando de moto pela cidade de São Paulo, mas, o que aconteceu foi: por força das circunstâncias burocráticas, o dinheiro que seria originalmente da Secretaria de Turismo estava, vamos dizer, numa conta da Secretaria de Relações Internacionais, porque a Secretaria de Relações Internacionais foi criada no lugar da Secretaria de Turismo, que deixou de existir.
Então, era uma fase de transição, sabe quando você muda de endereço, mas não mudou as contas ainda? Estão no nome do antigo proprietário? Era mais ou menos isso. A gente estava lá, na casa que era da Secretaria de Turismo e os recursos da Secretaria de Turismo continuavam ali, na nossa conta. Quando eles precisavam de dinheiro, eles mandavam um processo dizendo “sabe aquele nosso recurso que está aí com você? A gente vai precisar dele agora para um evento assim, assado”. Era um mero trâmite burocrático, o dinheiro era deles, não era meu.
E, aí, eles precisavam do dinheiro porque seriam os responsáveis por alugar os gradis de proteção ao longo do percurso onde haveria a Motociata Para Cristo, que contaria com a presença do Presidente da República. Isso é o tipo de coisa que ninguém tem o direito de não fazer, não tem como dizer “eu discordo desse negócio, não vou colocar gradil porra nenhuma, se morrer alguém, que se dane”. Não existe isso, qualquer corrida de rua tem gradil protegendo o trajeto, quanto mais um passeio de motocicleta, quanto mais com a presença do presidente da República.
Então, a Secretaria de Esporte, Lazer e Turismo, mandou lá o pedido e eu disse “sim, claro” e autorizei o repasse. Quando aconteceu o diacho da motociata, algumas pessoas começaram a dizer assim: olha lá, quem deu dinheiro para motociata do Bolsonaro, a secretaria da Soninha e da Marta, a Marta Suplicy está dando dinheiro para o Bolsonaro desfilar de moto. Olha o caos, a distorção absurda: ninguém deu dinheiro para ninguém. A prefeitura, como órgão público, tinha o dever de fornecer estrutura mínima, básica de segurança, para um evento daquele porte, com aquelas características.
O dinheiro foi autorizado por mim, num despacho de um processo em que eu não tinha nem poder de decisão. Só que repercutiu tanto, virou um discurso do tipo: a Marta ajudou o Bolsonaro, a Marta ajudou o Bolsonaro e aí ela falou “olha, eu não admito, eu não suporto ser associada ao Bolsonaro e, para quem está vendo de fora, a culpa é sua. Estão dizendo que eu ajudei o Bolsonaro, porque você assinou o despacho”. Eu fiquei arrasada, eu fiquei indignada, eu fiquei revoltada. Eu queria muito que a Marta, que era minha chefe, dissesse para o mundo “vocês estão enganados, vocês estão malucos”, mas ela optou por fazer esse gesto para demarcar posição.
AgeMT: Quais são as expectativas para as eleições do próximo ano? Você acredita que, com o aumento da rejeição popular de Bolsonaro, é possível esperar a eleição de candidatos mais progressistas?
Soninha: Eu espero apaixonadamente que Jair Bolsonaro não chegue ao segundo turno. A eleição do Bolsonaro foi um desastre que se abateu sobre nós. Ela é um dos piores políticos da história do Congresso Nacional. Ele é medonho. Há muitos parlamentares cuja atuação eu desaprovo totalmente, mas eu não me lembro de ninguém pior do que o Bolsonaro. Até os políticos mais canalhas conseguem se comportar dignamente em um velório, em uma cena de desastre. Pode ser o pior patife, mas ele tem um pingo de humanidade para dizer: “meus sentimentos, minha senhora”. É uma coisa hedionda o que a gente viu durante a pandemia.
Felizmente, uma boa parte do eleitorado dele já enxerga isso. Muitas pessoas que rejeitaram Fernando Haddad se propõem a votar no Lula porque viram a catástrofe que foi. Eu sou uma dessas pessoas. Eu fui do PT (Partido dos Trabalhadores) e saí do PT com profundíssimas divergências, mas eu votei no Haddad contra o Bolsonaro no segundo turno de 2018. Contra o Bolsonaro, eu também voto no Partido dos Trabalhadores, eu voto no Lula. Mas eu espero, sinceramente, que Bolsonaro não chegue nem para o segundo turno. Eu espero que tenhamos cinco boas alternativas no primeiro turno para debater o país seriamente e, aí sim, no segundo, tomar a decisão necessária.
AgeMT: E quais foram as suas divergências em relação ao PT? Já que ainda estamos pensando em 2022, qual seria a melhor opção no primeiro turno?
Soninha: Eu tenho a felicidade de o meu partido ter um pré-candidato de quem eu gosto muito, o senador Alessandro Vieira. Ele é muito ponderado, é muito correto e tem uma qualidade: a honestidade intelectual, defender aquilo que ele acredita de verdade. Inclusive, esse foi um dos problemas que eu tive com o meu ex-partido.
Eu percebi que algumas coisas que o PT defendia não convergiam com a conduta do partido. Ele tem a dissonância de ter um discurso radical, mas, durante o governo, ter um discurso moderado.
Se o Alessandro Vieira não confirmar, eu digo que a candidatura do Lula, para mim, é a candidatura do segundo turno. É a minha opção ao Bolsonaro. Gosto muito de algumas proposições e algumas experiências de Ciro Gomes e, ao mesmo tempo, desaprovo alguns arroubos dele. Ele é muito inteligente, mas muito errático. Por isso, ele não tem meu voto para o primeiro turno. O Alessandro Vieira, por enquanto, tem o meu voto e, depois, veremos.
AgeMT: E você pretende concorrer a algum cargo nas próximas eleições?
Soninha: Eu estou cogitando seriamente em ser deputada federal no ano que vem. Mas, se eu pudesse escolher o cargo que eu quero exercer na minha vida, é como prefeita de São Paulo. Fui candidata duas vezes, fui nos debates, mas é impossível saber se eu vou ter a oportunidade de ser candidata de novo. Só isso já é um desafio.
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