Escola pública e universidade se unem no projeto Eduque-Ação

Com materiais simples e linguagem acessível, projeto leva atividades às crianças mesmo durante a pandemia
por
Ana Beatriz de Souza
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29/06/2020 - 12h

 

A interação entre escola e universidade é um passo importante para colocar o conhecimento acadêmico em prol da sociedade. Pensando nisso, Fabíola Freire, professora do curso de psicologia da PUC-SP, criou o projeto Eduque-Ação que desenvolve ações afirmativas com crianças no combate às violências estruturais da sociedade brasileira, tais como as de gênero e étnico-raciais. Além disso, leva informações sobre serviços disponíveis para mulheres e outras populações vulneráveis, por meio de gincanas, leituras, rodas de conversas e jogos lúdicos. 

Atualmente, o trabalho é feito com alunos da EMEF. Professor Enzo A. Silvestrin, em Pirituba, bairro da Zona Oeste de São Paulo. A intervenção da psicologia no dia a dia das crianças, de acordo com Fabíola, ajuda por exemplo a construir a autoimagem de muitas delas e combater estereótipos, especialmente em como os alunos negros enxergam a estética social, que não traz sua estética como bonita e potente. Em relação à mulher, há a intenção de mostrar como elas são importantes para a história do mundo científico e acadêmico.

Durante sua formação acadêmica em psicologia, Fabíola se interessou pelo diálogo entre sua área e a educação. Em 2004, após seu mestrado em Educação, Fabíola iniciou a carreira como docente e, em 2011, começo dar aulas no curso de Psicologia na PUC-SP. Ao orientar estágios e perceber a importância deles na formação dos alunos, passou a integrá-los ao ambiente escolar, no qual poderia desenvolver trabalhos relacionados à formação em Psicologia. Nas escolas onde implantou os primeiros estágios do hoje chamado "Eduque-Ação", levou metodologias democráticas como assembleias de classe, sendo um espaço de diálogo. Mais tarde, criou oficinas que oferecem interatividade entre alunos e estudantes. Escolhe-se uma temática que se levanta nas assembleias e que posteriormente incorporam as oficinas.

Após sua expansão na universidade, participam do projeto alunos de Psicologia e de Jornalismo, além de voluntários que colaboram com o enfrentamento da pandemia. Para seus alunos de psicologia, acredita que eles têm um momento privilegiado de ter contato com uma realidade muito diferente e distante socialmente. Segundo Fabíola, é possível ver "a mudança nos olhos dessas crianças participantes do projeto, em sua rotina, em seu cotidiano, em como elas contam como conseguiram superar suas próprias violências".

Ao trabalhar com instituições públicas, tenta-se trazer uma perspectiva da psicologia preocupada com as desigualdades sociais para tornar as relações entre as crianças menos violentas, desconstruindo os mitos preconceituosos que elas carregam sem se dar conta. “Às vezes, eles trazem a raiva como um sentimento que se apossa deles [...] como se pudesse justificar qualquer coisa, e a gente vai trabalhando, por exemplo, que a raiva é nossa, continua sendo a gente ali e ela não pode ser uma justificativa para tudo”, completa Fabíola.

A sintonia entre a escola e o Eduque-Ação facilitou sua implantação. Antes da pandemia, a escola já entendia seu papel junto à comunidade ao seu redor, pois abria a quadra aos finais de semana para estimular o esporte e o lazer de seus membros, bem como realizava feiras e bazares como estímulo à economia local. A reinvenção cotidiana dos professores e da escola, culminou em uma atuação que dialoga com as necessidades atuais dos alunos, da comunidade, produzindo, desta maneira, recursos para um enfrentamento conjunto às diversidades advindas ou potencializadas pelo surto do novo coronavírus. 

Com a pandemia, o trabalho foi adaptado para parear as ações do projeto com as atividades da escola, e para atender às necessidades dos alunos e da comunidade neste momento. Essa articulação com a realidade, na construção de narrativas acerca do cotidiano e de seus conflitos, faz com que o Eduque-Ação siga sua premissa mesmo fora da sala de aula. A gestão comunitária do ambiente escolar, particular da EMEF. Enzo Silvestrin, facilita e estimula o trabalho dos estagiários. Nos últimos meses, salas virtuais da escola se tornaram o ambiente em que as atividades e diálogos ocorrem. O compromisso da escola, apesar de localização em uma região periférica, segundo a professora, foi essencial para que o trabalho pudesse continuar com qualidade.

Os alunos entraram em férias em abril e a atuação da equipe voltou-se para garantir direitos básicos dos cidadãos que constituem a comunidade escolar, dando suporte às ações desenvolvidas pela própria escola. Posteriormente, com a retomada das aulas, passaram a apoiar o trabalho educacional que estava sendo construído pelos coordenadores e professores, buscando novas frentes de ação para o projeto, levando em conta o momento atual e suas demandas.

A escola também tomou a iniciativa de realizar ações de assistência tanto a curto prazo, com a doação de cestas básicas e máscaras, quanto a longo prazo, auxiliando a geração de renda na comunidade, com o mapeamento de necessidades e estímulo à economia local. Para Juliana Noir Trindade, estudante do 5° ano de psicologia e estagiária do Eduque-Ação, é imprescindível o olhar para as necessidades da comunidade nesse momento de incertezas: “é inevitável pensar nas necessidades básicas das pessoas, como a fome. Qual a importância da matemática, ensinada completamente dissociada da realidade, quando se está com fome?”. 

Outra frente de trabalho se dá nas salas de aula online. A escola dividiu suas aulas em eixos temáticos: cultura, economia, música, saúde, leitura e sociedade. Com o intuito de oferecer suporte aos alunos, bem como produzir conhecimento relacionado à realidade do isolamento social, os estagiários auxiliam os professores, com dicas de materiais já existentes, criação de novos ou dando aulas que colaborem com o olhar da psicologia.

Juliana participa do eixo “desenvolvimento pessoal”, que trata da educação socio-emocional, e explica como os estagiários desenvolvem o trabalho com as crianças. “Temos dois tipos de contato com os alunos: um indireto, apesar de impactá-los da maneira mais concreta possível, que se dá nas contribuições à comunidade; e o direto, que vivenciamos durante as aulas, em que é possível interagir com eles através da plataforma digital”. Para a estudante, as crianças têm a potência de tornar esse ambiente tipicamente escolar mesmo em condições tão adversas. Ao interagirem entre si e com os professores a partir do chat da plataforma ou pelo vídeo, criam a sensação de uma sala de aula tradicional.

As atividades de cada eixo são pensadas para que façam sentido no atual momento, sem sobrecarregar as crianças, auxiliando-as a refletir a partir desse contexto, bem como a trazer algum tipo de bem estar físico e mental durante o isolamento. Para ela, é isso que diferencia o projeto e as ações que a escola vem operando, da proposta de ensino à distância “enrijecida e estática” do governo. “Lá se pensa a educação formal como única função da escola e, com isso, não cabem mudanças que se moldem às necessidades desse momento ou que se preocupem com outros âmbitos da vida dos cidadãos, tornando-se uma projeto pensado apesar da pandemia e não no diálogo com ela, justamente o contrário do que nos propomos fazer”, completa.

Apesar dos esforços, apenas metade das crianças consegue acompanhar as atividades online pela limitação ao acesso à internet. Com essa situação, o projeto auxiliou no mapeamento da comunidade realizado pela escola,para a distribuição de insumos básicos, e pensou em estratégias de geração de renda para a comunidade. Também foi lançada uma vaquinha online para a compra de cestas básicas e máscaras de pano e. As propostas de economia solidária são disseminadas nas redes sociais do projeto e da própria escola. “O projeto, do modo como ele tem sido executado hoje, na atual situação de crise que estamos vivendo, me fez entender que o trabalho na e da escola vai para muito além da sala de aula”, finaliza Juliana.

 




 

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