Equidade salarial desagrada empresários, diz economista

Projeto de lei prevê aplicação de multa a empresas que pagarem remunerações desiguais a homens e mulheres na mesma função
por
Bárbara More
Larissa Isabella
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27/04/2023 - 12h

O Poder Executivo criou, em março, o Projeto de Lei (PL) 1.085/23, que garante o pagamento pelo empregador de salários iguais para homens e mulheres que exercem a mesma função. O PL foi assinado pela ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, e pelo ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho.  

Como consequência do não cumprimento do decreto, está prevista uma multa equivalente a dez vezes o maior salário pago pela empresa, elevada em 100% se houver reincidência na desigualdade salarial entre gêneros. O empregador ainda poderá estar sujeito ao pagamento de indenização por danos morais à parte prejudicada. O projeto segue em análise na Câmara dos Deputados. 

A deputada Sâmia Bomfim, do PSol-SP, já havia proposto o PL 111/23, pedindo a obrigatoriedade da equiparação salarial para funções ou cargos idênticos. Além dele, tramita na Câmara o PL 1.558/21, apresentado pelo ex-deputado Marçal Filho para ampliar a multa. O projeto chegou a ser aprovado, mas foi devolvido ao Congresso Nacional em 2021 pelo então presidente Jair Bolsonaro. 

A professora de economia Camila Kimie Ugino, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), , prevê que o projeto cause um impacto significativo. “Superimportante, porque a gente tem um quadro histórico no Brasil de diversas condicionalidades ruins para as mulheres. No geral, as mulheres ganham 21% a menos que os homens.” 

Segundo dados do IBGE, o Brasil contava em dezembro de 2022 com 89,6 milhões de mulheres com 14 anos ou mais, das quais 47,9 milhões faziam parte da força de trabalho. Ao analisar cada setor trabalhista, a maior diferença salarial está no campo da educação, saúde e serviços sociais. Nele, as funcionárias representavam 75% dos ocupados e ganhavam 32% a menos que os homens. A menor desigualdade estava no setor de administração pública, onde elas eram 40% dos ocupados e recebiam 15% a menos. Não é colocado como probabilidade a diminuição de mulheres nestes cargos. Portanto, este seria um dos recortes que teriam a maior ampliação de salários, levanta Ugino. 

“Apesar de ter bastante mulheres, a diferença é maior e eu tenho impressão de que as mulheres vão continuar sendo a maioria nesses segmentos, educação, saúde e serviços sociais, porque as mudanças não acontecem imediatamente, não é a questão salarial. A grande vantagem é que essa diferença enorme tende a diminuir.” 

Além da principal diferença citada no PL, Ugino  aponta outras formas de desigualdade enfrentadas pelas mulheres.  

“A participação das mulheres no mercado de trabalho é mais precária em relação aos homens. No geral, são as mulheres que perdem primeiro o emprego, por justamente estarem em posições majoritariamente de empregos informais. Por exemplo, as trabalhadoras domésticas, na grande maioria, são mulheres. Essa iniciativa do projeto de lei que foi proposto agora é importante.” 

No Brasil, os direitos trabalhistas dos empregados domésticos demoraram a ser implementados. Em 2013, a Proposta à Emenda Constitucional n.º 66, conhecida popularmente como PEC das Domésticas, foi instituída na Constituição. Entretanto, assim como é o caso da proposta de lei da igualdade salarial, demorou para ir à votação. Dois anos antes, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) já havia salientando a necessidade de pensar nos direitos trabalhistas deste grupo.  

A paridade salarial entre homens e mulheres é lei em 97 países, mas ainda está enfrentando um longo processo para sair do papel no Brasil e evoluir de um projeto para algo concreto.  

“As mulheres cada vez mais ocupam o mercado de trabalho. Não necessariamente conseguem chegar ao topo nos cargos de confiança ou públicos. É uma dificuldade enorme, porque, em um projeto de lei como esse, quais serão as parlamentares que vão defender as mulheres nesse processo lá na Câmara? É um imenso atraso esse projeto de lei vir agora. Esses projetos são uma tentativa de reparação histórica”,  ressalta a economista. 

Dentre as principais dificuldades enfrentadas para a aprovação da lei, está a iniciativa privada. Segundo Ugino, é comum os empresários não enxergarem essa realidade como um problema. 

“Isso é muito clássico no mundo. Deixa o Estado pagar, porque isso não é devido a mim. Sabemos que isso tem que recair sobre os empresários, a iniciativa privada. Eles vão usufruir da exploração do trabalho, então têm que custear também. É um projeto de lei que provavelmente terá um conjunto de reclamações dos empresários. É o custo necessário que temos que provocar na sociedade.” 

A Constituição Federal já proíbe a diferença de salários por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. Está previsto pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) que o juiz poderá determinar uma multa no valor de 50% do limite máximo dos benefícios do RGPS (Regime Geral de Previdência Social), a cargo do INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) no caso de discriminação.   

Incertezas 

Mesmo com a aprovação da lei, algumas incertezas ainda restarão sobre a sua efetividade. O projeto prevê que o descumprimento gere prejuízos aos empregadores, de modo a forçá-los ao pagamento correto entre os funcionários de igual competência. 

A economista levanta a necessidade da união de outros órgãos, além da criação de documentos oficiais para o apoio da cobrança sobre os empresários. Um dos pontos do projeto é o de um portal da transparência em empresas com mais de 20 funcionários. 

“Fica muito difícil garantir que a lei tenha efetividade na sociedade e seja cumprida. Para isso, é importante que, além do próprio projeto de lei, haja uma institucionalização da fiscalização das medidas pelo Ministério do Trabalho”. 

Sem que homens e mulheres de mesmo cargo   ganhem salários equiparados, se torna difícil as trabalhadoras lutarem por si só. A professora relata que já foi afetada pela desigualdade salarial ao descobrir que ganhava menos do que um colega.  

“Eu lembro que, quando fui trabalhar no Citibank, em 2006, eu e o rapaz que entrou comigo no mesmo dia fizemos a entrevista praticamente na mesma época e tínhamos o mesmo cargo, a mesma qualificação, e ele ganhava a mais. É frustrante, é dolorido, porque como você recorre a esse tipo de situação? Individualmente você não faz isso”.