Entenda porque a previsão do tempo parece tão falha ultimamente

Passando por vendavais repentinos e temperaturas mega variantes, fatores - para além do clima - fazem o tempo parecer imprevisível
por
Gisele Cardoso
Maria Eduarda Anjos
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08/11/2024 - 12h

Outubro foi um mês marcante para São Paulo. Na noite do dia 11, rajadas de vento de até 107,6 km/h surpreenderam a população paulista e deixaram sem energia elétrica mais de 496 mil residências na capital e 3,1 milhões no estado, além de gerar telhados arrancados, árvores derrubadas e um apagão que duraria até 5 dias em determinadas regiões. Ainda impactados com a destruição deixada, paulistanos foram notificados da possibilidade da queda de granizo e ventos a 60 km/h no final de semana seguinte. Na chegada da sexta-feira (18), o clima não poderia estar mais distante do previsto, apenas com uma leve garoa.

 

Esse cenário de inconsistência planta a dúvida: quais são os fatores que causam tamanhas alterações de tempo? Os sistemas de previsão ainda são eficazes para garantir que a população e órgãos públicos estejam preparados para lidar com crises climáticas?

 

Para entender a situação, é necessário compreender as movimentações maiores de clima e território. Por um lado, mudanças repentinas são mais comuns durante a primavera, por outro, seus efeitos em 2024 foram agravados por picos de temperatura inéditos. “As primeiras pancadas de chuva da primavera vêm com intensidade pois é o momento de virada entre o clima seco do inverno para umidade do verão. Tivemos um intenso período de estiagem e altas temperaturas no interior do Brasil, e quanto mais calor na atmosfera, mais energia para formação de nuvens de tempestade quando entra a frente fria" explica a especialista em meteorologia Maria Clara Sassaki.

 

A seca que a especialista menciona ainda afeta o país e compromete 55% do território nacional, segundo estudos feitos pela Universidade Federal de Alagoas. O Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais) relatou que, diferente do último recorde de secas em 2015, os impactos da falta de chuva e calor intenso não se restringiram ao norte e nordeste do país, mas se mostraram mais generalizados e intensos em todo território. No interior de São Paulo, as queimadas durante o mês de agosto deixaram a umidade do ar abaixo de 20% e temperatura acima de 35°C. O Monitor do Fogo do MapBiomas estima que a área queimada no Brasil cresceu em 150% em relação ao ano passado, totalizando uma área equivalente ao estado inteiro de Roraima.

 

A intensificação das secas impacta nos ventos extremos em São Paulo. fonte: Cemaden

 

Eventos extremos, como os ventos que passaram por São Paulo, são esperados pela meteorologia, mas o acúmulo de gases estufa na atmosfera, que é liberado pelas queimadas intensas - e por atividades humanas, como o uso de combustíveis fósseis -, agravam o aquecimento global e aumentam a frequência com que esses episódios acontecem. "O aquecimento global e mudanças climáticas tornaram esses eventos extremos mais recorrentes, e para isso, o modelo matemático usado para a previsão não estava preparado, como foi o caso do Rio Grande do Sul. Se o modelo não viveu aquilo antes, é difícil ter precisão nos impactos", comenta Sassaki, “são eventos que raramente acontecem e agora os detectamos com menos de um ano de intervalo entre si".

 

Maria Clara também afirma que os modelos matemáticos são constantemente atualizados para se adaptarem ao ritmo das mudanças temporais, e que ambos os vendavais em São Paulo foram previstos e notificados, mas se perderam em meio as notícias climáticas sobre o furacão Milton que atravessava os Estados Unidos naquela mesma semana. Sendo assim, até mesmo o espaço midiático contribuiu para um contexto de despreparo da população. “As atenções estavam voltadas para esse fenômeno que estava acontecendo com o furacão Milton. Havia um aviso da defesa civil e ele foi circulado entre os grupos, mas acabou se perdendo no meio de tantas notícias do furacão, foi uma falha na comunicação.”

 

Os alertas sobre esses eventos climáticos intensos, são emitidos pela Defesa Civil de acordo com os cenários mais preocupantes previstos, para que a precaução seja feita da forma mais eficiente possível. Por isso, no dia 18 de outubro houve a sinalização de uma segunda tempestade que não ocorreu, mas preparou as cidades caso acontecesse.

 

A analista de marketing, Maria Eduarda Frazzato, mora em Dolcinópolis (interior de São Paulo) e trabalha de forma híbrida para uma empresa localizada na capital. Com o alerta sobre a tempestade, sua empresa preferiu manter os funcionários em casa: “Eu voltaria para São Paulo na quinta, pois sexta seria meu dia presencial. Porém, com o alerta, meu chefe dispensou a equipe e mantemos o home office para evitar problemas na volta para casa”, relata Frazzato.

 

Algumas melhorias podem ser feitas para uma melhor previsão do tempo, como mais investimento para o aprimoramento das inteligências artificiais e modelos meteorológicos utilizados. “O Brasil tem pouquíssimos radares meteorológicos comparado com os Estados Unidos, por exemplo. Então se a gente aumentar essa quantidade, coletamos mais dados iniciais e abastecemos com com mais precisão os modelos que fazem as previsões", explica a especialista.