ENFF completa 20 anos de luta e internacionalismo

Neste ano de 2025, a Escola Nacional Florestan Fernandes, localizada em Guararema (SP), celebra suas duas décadas de existência, sendo um dos principais exemplos de centros de formação política e pedagógica na América Latina 
por
Inaiá Fernandes Misnerovicz
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09/06/2025 - 12h

As festividades pelos 20 anos da ENFF não se limitaram à sua sede. Durante a reunião da Coordenação Nacional do MST, realizada de 20 a 24 de janeiro em Belém (PA), cerca de 400 dirigentes participaram de atividades comemorativas que ressaltaram a importância da formação política na luta por uma sociedade mais justa.

Para o segundo semestre de 2025, está prevista a realização de um Seminário Internacional de Formação Política na própria Escola. O evento reunirá militantes e educadores de diversos países para debater os desafios contemporâneos da formação política e reafirmar o caráter internacionalista da escola e do Movimento Sem Terra. 

A ENFF é marcada por princípios de sustentabilidade e trabalho coletivo desde o seu início. Ela foi erguida pelas mãos de mais de 1.200 militantes. “A Escola se constituiu numa referência de trabalho voluntário, solidariedade e de internacionalismo desde o seu processo de construção até os dias atuais, pois o método político-pedagógico se reafirma, nas dimensões do trabalho, da organicidade, da mística, da arte e da cultura, do estudo e da prática dos valores humanistas e socialistas. A colaboração de todas as pessoas que se fazem presentes na sua estrutura física.” explica Selma Santos, dirigente do MST que compõe a CPP, a Coordenação Política e Pedagógica da ENFF. 

Essa vivência coletiva se expressa também na rotina da escola: “as pessoas participam das limpezas diárias, preparam as místicas, estudam em núcleos de base. Vivenciam o cotidiano da ENFF de forma coletiva, respeitosa e solidária”, complementa. A organização cotidiana da escola é garantida pela Brigada Apolônio de Carvalho, formada por militantes do MST, e pelo apoio da Associação de Amigos e Amigas da ENFF, que mobiliza solidariedade em diferentes formas — de contribuições financeiras a doações de livros e roupas. 

Os edifícios foram construídos com tijolos de solo-cimento produzidos no próprio local, reduzindo o impacto ambiental e o custo da obra. O financiamento veio de doações de apoiadores da Reforma Agrária no Brasil e no exterior, incluindo a venda de fotografias de Sebastião Salgado e o livro Terra, uma parceria com o cantor Chico Buarque. “A arquitetura da ENFF é extraordinária. Ela apresenta uma outra lógica de construção em diálogo com a preservação ambiental”, destaca Selma. “Durante a construção, muitos militantes aprenderam essa técnica e a implementaram em seus assentamentos. A ‘máquina de tijolos utilizada ali, está sendo experimentada em [países de] África e, em breve, na Venezuela.” 

Foto: Sara Sulamita
Foto: Sara Sulamita

Desde sua inauguração, a escola já formou cerca de 70 mil pessoas, em parcerias com 35 universidades brasileiras e internacionais. Também são oferecidos programas de mestrado e doutorado em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe, em colaboração com a Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Esse resultado é positivo quantitativa e qualitativamente. Ele se reflete no fortalecimento das organizações populares que tiveram militantes formados pela escola, tanto no Brasil quanto em outros países da América Latina, atuando nas lutas estudantis, das mulheres, da moradia, da educação e nos processos de construção de poder popular”, avalia Selma. 

A ENFF também é um espaço de articulação internacional, que recebe militantes de diversos países e promove o intercâmbio de experiências entre movimentos populares. Esse caráter internacionalista reforça seu papel estratégico na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. 

A formação na escola é fortemente influenciada pelo pensamento de Florestan Fernandes e Paulo Freire. “Os dois mestres se colocam na perspectiva da prática–teoria–prática, da ação–reflexão–ação, que parte do estudo teórico enraizado em uma prática concreta. Por isso, o principal critério para participar de um curso na ENFF é ser militante ativo em uma organização popular, com o objetivo de qualificar sua atuação”, explica a coordenadora. Segundo ela, Florestan Fernandes é um grande referente intelectual para o movimento por ter afirmado sua opção pelos pobres e excluídos. Seu trabalho trouxe à tona questões da causa indígena e negra, enquanto defendia a educação pública e a superação do capitalismo. Todos esses temas seguem atuais e necessários.” 

Por fim, Selma destaca a importância da cultura e da mística como parte da formação integral dos sujeitos: “Elas reafirmam valores, constroem sentido coletivo e ajudam a formar seres humanos completos, capazes de sonhar e lutar por um mundo diferente. É o contraponto à lógica do ter. O mais importante é o ser — humano e integral.”, conclui.