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Neste 7 de setembro, o feriado da Proclamação da Independência do Brasil tomou rumos inéditos na história nacional. Com a mobilização de aproximadamente 150 mil pessoas de todo o país para protestos a favor do governo, a data foi marcada pela forte presença do bolsonarismo nas ruas, com ênfase na Avenida Paulista, em São Paulo, que começou a ser preenchida às 11h por apoiadores do presidente. Os manifestantes seguravam faixas e cartazes com dizeres como “Voto impresso e auditável”, “Bolsonaro 2022”, “Abaixo à ditadura da toga”, “STF vergonha nacional”, “O STF é o Talibã do Brasil”, entre outros.
Algumas placas, transparecendo ainda mais a confiança dos manifestantes de extrema-direita, grafavam orações em inglês, espanhol e até mesmo italiano e francês, o que mostrou a busca por uma projeção internacional que, até o final dos atos, não veio como almejavam. Além disso, no local também havia protestantes que pediam o fim do comunismo, apesar desta ideologia política e socioeconômica nunca ter chegado próximo à iminência em toda a história brasileira registrada até hoje.
Em paralelo, no Vale do Anhangabaú, também em São Paulo, ocorriam expressões populares contra o chefe de Estado. Estima-se que compareceram em torno de 25 a 50 mil pessoas aos atos contrários ao governo, contando com a presença de figuras como Guilherme Boulos, do PSOL, Fernando Haddad, do PT, e Orlando Silva, do PCdoB.
O caos político teve início em Brasília no dia anterior às manifestações, na segunda-feira, 6 de setembro, quando a base de simpatizantes de Bolsonaro ocupou a Praça dos Três Poderes e seguiu em direção à Esplanada dos Ministérios, derrubando as grades de proteção e avançando em direção ao Itamaraty e à sede do STF, onde desejavam invadir. Apesar da tentativa ter fracassado, a intenção representa graves riscos às instituições democráticas e à constituição brasileira, visto que o incentivo para ações como essa vem diretamente do Presidente da República.
A tentativa do Poder Executivo de não apenas incitar atrito como enfraquecer o Judiciário rompe com a harmonia e independência dos Três Poderes, prevista no art. 2º na Constituição Federal de 1988. Portanto, seu caráter é excepcionalmente antidemocrático.
Além disso, os argumentos utilizados pelo chefe de Estado para pedir incessantemente a destituição da Suprema Corte não têm como base a realidade política nacional, já que os ministros do STF não o impedem de exercer plenamente seu ofício tratando de pautas como a gestão da pandemia da covid-19 e também da crise hídrica; a contenção da inflação; a diminuição da fome e insegurança alimentar e outros tópicos que, de fato, cabem ao cargo de presidente do país.
Em resposta às ameaças de Bolsonaro e sua base eleitoral, o Ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal, avisou o Planalto previamente aos protestos de que, caso os manifestantes atacassem a sede do órgão Judiciário, ele pediria um GLO (Garantia da Lei e da Ordem). A medida consiste em uma operação que conta com o uso das Forças Armadas para manter a segurança e pacificidade nas instituições políticas. Ironicamente, ela também constitui o recurso sobre o qual os bolsonaristas se apoiam para defender uma “intervenção militar com Bolsonaro no poder” que, para eles, seria a solução para a conjuntura política do país, já que este dispositivo só pode ser acionado através da autorização do presidente da República.
Entretanto, o fato de que Fux não hesitou em afirmar que a solicitação de GLO seria feita mesmo sabendo de sua dependência do chefe do Executivo demonstra a fragilidade da narrativa golpista de Bolsonaro diante do Poder Judiciário, pois encontra-se impotente até mesmo para recusar um pedido que iria de encontro com suas próprias aspirações políticas. O fracasso de Bolsonaro, porém, não se resume apenas a isso. Apesar da presença de uma parcela significativa de seu eleitorado nos protestos, seu empenho pré-independência começou há exatos 2 meses, nos quais viajou pelo Brasil em busca de mobilizar o máximo de seus apoiadores para o ato em São Paulo, mesmo em meio a uma pandemia que já ceifou a vida de quase 600 mil brasileiros. Pela dimensão de seus esforços - que abrangeram o financiamento de ônibus fretados com direito a alimentação e brindes pagos para quem interessasse - era esperado aquilo que viria a ser o ensaio perfeito para as suas aventuras ditatoriais. Porém, como presenciado, suas fantasias não se realizaram.
Os frangalhos de seu governo continuam a se mostrar na medida em que ele desacata a lei e, numa manobra messiânica falha, atribui a responsabilidade aos já mencionados Ministros do Supremo, em específico, Alexandre de Moraes. O presidente desrespeita o exercício democrático e constitucional e, como uma criança, aponta o dedo ao ministro, transferindo-o a carga dessa culpa numa tentativa de se isentar dela.
Se Bolsonaro tivesse a visão política de um líder sério, cessaria com os ataques inflamados e criminosos e jogaria o jogo “nas quatro linhas da constituição”, como gosta de dizer por aí e assim repetiu no pronunciamento deste feriado. O fato é que a conjuntura atual não é das mais favoráveis para o presidente: as dívidas públicas com a União já passaram da última instância judicial para parcelamento e veio do Judiciário a sugestão para uma possível saída. Os micro parcelamentos dos precatórios vieram à tona para diminuir o montante a ser pago nas parcelas pelo Estado à União, deixando, assim, uma ‘folga’ para que o país não quebre oficialmente. Porém, com a insistência do chefe do Executivo em ofender os integrantes do STF, há a chance de que essa proposta seja deixada de lado.
Durante seus discursos tanto no DF como em SP, Bolsonaro alegou que não irá mais cumprir com as decisões do Min. Alexandre de Moraes, além de atacá-lo dizendo que “ou esse ministro se enquadra, ou pede para sair”, chamá-lo de “canalha” e dar um ultimato, pontuando que Moraes “ainda tem tempo para se redimir”, referindo-se ao inquérito aberto recentemente pelo magistrado para investigar a disseminação de fake news e organização de atos antidemocráticos, bem como os mandados de prisão emitidos por ele aos ex-deputados bolsonaristas Daniel Silveira e Roberto Jefferson.
O Min. Luís Roberto Barroso, membro da Suprema Corte e presidente do TSE, também foi citado - ainda que não nominalmente - no pronunciamento do presidente, que falava em voto ‘auditável’ e fraudes nas eleições: “não posso participar de uma farsa”, afirmou Bolsonaro. Barroso já deixou claro ser contra retrocessos no sistema eleitoral anteriormente quando a PEC do voto impresso estava para ser votada na Câmara.
Dessa forma, torna-se nítido o desespero de Bolsonaro para manter-se em pé durante seu mandato na Presidência da República; culpa prefeitos, ministros, governadores e todos os outros indivíduos pelo fiasco que seu governo veio a se mostrar. O despreparo, juntamente com o populismo barato e o tom messiânico, falando no povo brasileiro em cada sentença e evocando Deus a cada meia dúzia de palavras, traduzem aquilo que o presidente não quer que saibam: está com medo. Por isso, não hesita em apelar dizendo que só deixará o cargo de chefe do Executivo “preso, morto ou com vitória” e desafiar afirmando que jamais será preso.
Este Dia da Independência ficou marcado como uma tentativa pífia de reproduzir aquilo que foi visto no Capitólio de Washington em janeiro deste ano. Contudo, o governo de Jair Bolsonaro habita um lugar tão sombrio que, mesmo com intenções similares às de Trump, consegue ser ainda mais falível e coletar insucessos ainda maiores que seu ídolo estadunidense.
Como resultado de sua completa derrota, o presidente se vê cada vez mais isolado na sua trajetória política torpe, fazendo com que até mesmo seu maior aliado, o famoso ‘centrão’, formado por partidos como o PSDB, MDB, PSD e Solidariedade, cogite considerar a remota possibilidade de um impeachment.